Exercícios de ser criança: para meu pai poeta

06/08/2021

“Ele entrava na conversa das crianças e dava corda para os sonhos e peraltagens. Essas peraltagens nem sempre eram reais, havia histórias inventadas e sonhos do universo infantil que faziam parte de nossa imaginação.” O relato é da artista plástica Martha Barros. O livro de seu pai, o poeta mato-grossense Manoel de Barros, Exercícios de ser criança, com ilustrações dos artistas Fernanda Massotti e Kammal João (que também ilustrou Poeminha em língua de brincar e Cantigas por um passarinho à toa), acaba de ser relançado pela Companhia das Letrinhas.

Dois poemas longos compõem o livro: "O menino que
carregava água na peneira" e "A menina avoada". Leia +.

Como o próprio Manoel, o personagem do primeiro poema do livro, “O menino que carregava água na peneira”, descobre, por meio de suas pesquisas-brincadeiras pontuadas pelos “despropósitos” da infância, o caminho para fazer peraltagens com as palavras, tornando-se poeta.

No trecho abaixo, a filha do escritor conta algumas memórias de sua infância com o pai no Pantanal. Ela comentou que o relato das lembranças “foi feito com muito amor e mexeu comigo, me trazendo saudades de um tempo tão feliz”.

LEIA MAIS: Cinco olhares para a poesia de Manoel de Barros

"Guardo muitas lembranças da minha infância com meu pai. Algumas ficaram muito fortes em mim.

Passeando entre as árvores e a natureza do Pantanal, catando frutas no quintal, conversando e chupando laranja, que ele gostava de descascar.
Ele entrava na conversa das crianças e dava corda para os sonhos e peraltagens. Essas peraltagens nem sempre eram reais, havia histórias inventadas e sonhos do universo infantil que faziam parte de nossa imaginação. Éramos eu, meus irmãos e as crianças da fazenda.
Acho que ele se abastecia de nossas conversas, da natureza, e a imaginação voava...

LEIA MAIS: Os "sem anos" de Manoel de Barros


Minha infância (fui com 3 anos para o Pantanal) foi muito rica de natureza e de alegrias que carrego comigo até hoje desse tempo meio isolado na fazenda com a família, antes de ir para o colégio.


Havia no Pantanal essa solidão que tanto ele fala na sua obra, muito preciosa para ele e da qual os artistas tanto precisam; elas são vivências armazenadas que viram matéria de poesia!


Ele tinha muita insegurança, como a maioria dos artistas, e trabalhava diariamente seus versos, criando palavras novas e aproveitando tudo que ouvia das pessoas simples e humildes, de sabedoria natural.


Foi meu grande incentivador principalmente quando percebeu minha sensibilidade e meu amor pela pintura e pelas artes.


Nessa metáfora linda que ele usa no Exercícios de ser criança - carregar água na peneira -, ele nos fala da inutilidade da Arte, que se contradiz com a beleza e o mistério que estão por trás dessa "inutilidade".


Acho que esse é o grande mistério da Arte. Renovar e ressignificar o mundo!"

***

Leia mais:

Como a infância é reinventada na poesia?

+ Criança e poeta: desbravadores da palavra

+ A poesia que ensina o desaprender

Compartilhe:

Veja também

Voltar ao blog