Flávia Lins e Silva fala sobre Pilar na Índia e viagem interior

23/09/2021

Pilar, uma das personagens mais queridas das crianças, seu amigo Breno e o gato Samba giraram novamente a rede mágica e foram parar na Índia. Mas, desta vez, diferente das outras aventuras da coleção, o livro Diário de Pilar na Índia propõe uma viagem não apenas pelos mitos, cultura e história de um país. O livro escrito por Flávia Lins e Silva e ilustrado por Joana Penna, é, sobretudo, uma viagem em busca de autoconhecimento, ao passado da personagem e de conexão com a natureza – inclusive a natureza humana.

E, para isso, Pilar vai aprender a meditar e conhecerá os ensinamentos de Buda e o movimento de resistência não violenta de Gandhi. Claro, com muito mistério a ser resolvido, aventuras e diversão, que começa no mundo cinematográfico de Bollywood.

Diário de Pilar na Índia - Novo livro de Flávia Lins e Silva tem encontro de Pilar com Dalai Lama

Em nova aventura, desta vez na Índia, Pilar conhece o Dalai Lama

Escrito durante a pandemia de Covid-19, essa viagem para dentro tem tudo a ver com o que Flávia  (e o mundo) vivenciaram nos últimos meses. Não só de repensar as prioridades da vida e o nosso papel perante o mundo, entre elas a necessidade de se engajar com o ativismo ambiental. Mas de estar mais perto da família e descobrir que dá para viajar sem sair de casa. Quer dizer, isso as crianças e Flávia já sabem: os livros são a melhor forma de viajar para outros mundos e realidades.

É numa viagem por lendas, mitos, monumentos e lugares que Flávia sempre começa a escrever as aventuras de Pilar. Muitas vezes, nunca esteve nesses lugares. De todas as aventuras na coleção dos sete livros Diário de Pilar, que começou em 2010 com o volume sobre a Grécia, a escritora só conheceu mesmo Amazônia, Machu Picchu e Egito - a personagem Pilar, no entanto, surgiu em 2001, em outros títulos. Mas tem no exercício afiado da imaginação a liberdade de deixar as ideias criativas tomarem as anotações em seus inseparáveis bloquinhos.

Jornalista, roteirista de seriados e novelas, a escritora que nasceu no Rio de Janeiro e tem mestrado em literatura infantil publicou 12 livros pela Pequena Zahar (e está preparando mais um!). De Portugal, onde vive desde 2016, Flávia fala sobre o livro recém-lançado, Pilar, a série Detetives do Prédio Azul (também de sua autoria) e conta um pouco da sua história e das causas que a movem - e que acabam por mover também a Pilar. Confira a entrevista abaixo!

CONHEÇA TODOS OS LIVROS DA COLEÇÃO DIÁRIO DE PILAR: na Grécia, no Egito, em Machu Picchu, na África, na China, na Amazônia e Caderno de viagens da Pilar

Capa do livro Diário de Pilar na Índia, de Flávia Lins e Silva

Capa do livro Diário de Pilar na Índia. Leia +

 

O que esperar do novo livro da série Diário de Pilar

Pilar agora foi para a Índia, que é um país multicultural e com uma história fascinante. Conta um pouquinho como foi o processo de criação desse livro

Flávia Lins e Silva - Foi um desafio imenso escrever sobre a mitologia indiana, porque é vastíssima, com uma infinidade de deuses... É maior do que a grega e é menos conhecida. Demorei para saber como ia contar e qual mito, até que escolhi contar pelos deuses, pelos templos e pelos lugares onde estão esses templos. E quis começar em Bollywood, porque é a maior produção de cinema do mundo e acho divertido.

Lá, eles [Pilar e Breno] conhecem uma atriz indiana que está à procura do irmão, que sumiu em busca da iluminação. Ele quer atingir o moksha, que é o Nirvana para os hindus. E eles vão atrás, numa grande aventura, e vão ao Taj Mahal, a Varanasi, a Dharamsala, que é onde está o Dalai Lama, vão ao local da antiga árvore onde Buda se iluminou e lá eles também meditam. E tem uma grande surpresa no final do livro, que não posso contar, mas é uma coisa que a Pilar busca muito.

Você escreveu Diário de Pilar na Índia sem nunca ter estado na Índia. Quais foram os lugares para os quais a Pilar já viajou e que você também visitou?

Eu fui para Machu Picchu e Amazônia. O Egito teve uma versão antes, que era O agito de Pilar no Egito, que escrevi sem ir para lá. Depois, fiz uma amiga egípcia maravilhosa, que me convidou para descer o Rio Nilo com ela numa felucca. Foi uma aventura inenarrável, a maior viagem da minha vida talvez. E aí saiu Pilar no Egito, a versão em diário, que é muito mais saborosa, porque estive lá em cada cantinho. Faz diferença, claro, mas é possível hoje viajar pelo Google Maps, a gente tem tanta informação nas redes. É possível viajar estando em casa, nesses tempos de pandemia a gente tem descoberto isso.

Aliás, você escreveu Diário de Pilar na Índia durante a pandemia. Como foi?

Foi muito interessante escrever a Pilar na Índia nesse período de pandemia, e muito duro também, porque foi mais difícil de me organizar. Minha filha estava em casa, sem escola. Mas descobri que eu queria contar sobre viajar para dentro. Então, Diário de Pilar na Índia é sobre meditar, sobre a gente aprender a lidar com a nossa cabeça, com os nossos pensamentos, se organizar. Saber que a gente manda nos pensamentos e não o contrário. Nessa viagem pra Índia, a Pilar aprende essa grande viagem que é a meditação, e que eu amo.

Que legal, você medita! Como é para você?

Medito há muito tempo, mas quanto mais se medita, mais se quer meditar, e mais ideias vêm enquanto eu medito. É uma grande ferramenta de trabalho atualmente. Todo mundo fala: “Ah, meditar é pra não pensar em nada". Eu não acho. É pra gente pensar além do dia a dia e das nossas próprias vidas, pensar em que vida gostaria de levar, como a gente se imagina no mundo, o que quer fazer pelo mundo, o que o planeta está precisando. Então, Pilar na Índia tem essa grande viagem que é para dentro, mas que também é pra pensar o mundo todo.

E o que você quer fazer pelo planeta?

Atualmente, o que mais desejo é plantar mil árvores. Pelo menos! Eu fico sonhando: já pensou se cada criança plantasse mil árvores também? E fico pensando no deserto do Saara: será que ele está fadado a ser deserto? A gente pode replantar? Como é que a gente traz a sensação de abundância para o mundo? Porque o mundo é abundante! Como as pessoas passam fome, se tem tanta mangueira, tanta árvore cheia de fruta? Será que as cidades tinham que ser repletas de macieiras, pereiras, mangueiras para a pessoa poder comer quando está com fome? É brincar de pensar fora da caixinha mesmo. Será que a cidade tinha que ter hortas coletivas? Como é que a gente pensa isso junto? Meditar me faz pensar tudo isso, é uma loucura, um turbilhão de ideias lindas e maravilhosas.

Foto da escritora Flávia Lins e Silva, autora da série Diário de Pilar e Detetives do Prédio Azul

A autora Flávia Lins e Silva, que adora meditar, conta sobre a viagem interior e de autoconhecimento que Pilar faz pela Índia

 

Personagem e escritora engajadas na causa ambiental

Neste último livro, a Pilar diz que a escola dos sonhos dela é um lugar com horta. Esse é um sonho da Flávia também, não é?

É, às vezes eu ponho um pouquinho na Pilar das coisas que estou imaginando. Fico pensando: como será essa garotada do futuro? Como a gente se forma na escola sem saber plantar uma batata? Que coisa maluca! Como fala em ecologia sem botar a mão na terra? A gente vive empilhado em apartamento e aí descobre que a galinha também é criada empilhada e acha esquisito, né? Como a gente está na Terra e não se comunica com ela? Tem muita coisa para questionar! A escola tem que ser esse lugar de fazer a gente se questionar, para repensar se o mundo está indo num caminho legal.

Ecologia é sua principal causa atualmente?

A causa que mais me toca o coração é a ecologia. Acho que as crianças tinham que visitar e se apaixonar pela Amazônia, que está sendo destruída. A gente não pode deixar isso acontecer, é muito grave. Quando vou às escolas, pergunto como vamos defender a Amazônia e vem ideias maravilhosas!

Um fala: “Vamos botar uma cobra venenosa em cada árvore para ninguém se aproximar delas”. Outro diz: “Vamos encher de espantalhos e aí vão tomar susto”. “Vamos botar drones para vigiar a Amazônia”. “Vamos botar drones que jogam água quando tiver incêndio”. Adoro conversar sobre ideias criativas e soluções diferentes. Conversar sobre “e se”, “como faria”, “o que a gente vai fazer” é o primeiro passo para ir para a ação.

Eu sou muito fã da Greta [Greta Thunberg], acho que ela está gritando e a gente tem que gritar com ela. No Brasil, a desigualdade social é tão grande que a ecologia parece um assunto de luxo, mas não é. É muito urgente! A gente tem que gritar junto com a Greta, tem que ajudar a plantar o planeta, tem que pensar em fazer reservas, tem que reverter essa questão da temperatura, que já aumentou 1,2 grau, só falta 0,3 para ficar gravíssimo. É pra essa geração! Que atitudes vamos tomar juntos dessas crianças?

Mas elas só vão pensar nisso botando a mão na terra, percebendo, convivendo, visitando a Amazônia. Quando comecei a escrever a Pilar foi porque as crianças só falavam em ir pra Disney, e tudo bem ir pra Disney, mas tem tanto lugar bacana no mundo para conhecer, e no Brasil tem a Amazônia. Não é possível que as crianças não tenham o desejo de conhecer a Amazônia! Então, foi para também colocar esse desejozinho de ampliar os horizontes, conhecer o mundo, amar o diferente e se interessar pelas outras culturas, ver que a diferença é que é a riqueza.

Em 2001, quando você criou a Pilar, ela já tinha essa relação com ecologia ou foi adquirindo essa preocupação ao longo dos anos?

Acho que foi adquirindo importância ao longo do tempo, tanto que hoje tenho vontade de reescrever Diário de Pilar na Amazônia e fazer uma coisa mais forte de replantar, de defender, sem ficar panfletário, mas de botar uma urgência. Em 2001 havia mais o desejo de conhecer os mitos do mundo inteiro, que é também é uma coisa muito da Pilar.

Então, quando começou, ela estava interessada nas histórias do planeta, nos mitos que pertencem a todos nós, a humanidade. Que histórias antigas são essas que nós, humanos, inventamos e colecionamos e que a gente talvez não conheça tanto? As pessoas acabam conhecendo a mitologia grega, mas tem a egípcia, chinesa, indiana e a mitologia de cada povo indígena. Eu ainda vou chegar lá! Eu sou louca para fazer Pilar no Xingu.

 

Para onde Pilar vai nos próximos livros? 

Tem alguma lenda especial do Xingu que você quer contar?

Tem muita coisa. Primeiro estudei as lendas dos kamaiurás, mas são muitos povos, não sei se tenho que escolher um só ou fazer um apanhado geral. Adoro que tem uma etnia que olha para o céu e, em vez de falar Cruzeiro do Sul, diz Pegada da anta. A gente percebe que é possível nomear o nosso céu de muitas maneiras. Tem histórias belíssimas. Eu fico querendo estudar mitos de bichos e gostaria muito de visitar o Xingu, é um sonho que tenho.

Essa vai ser a próxima viagem da Pilar?

São muitos os lugares que eu gostaria de ir, Austrália, Xingu, México, Portugal... Como estou aqui [em Portugal], gostaria muito de escrever. Você sabe que só pensam sobre os navegadores, mas as mitologias são anteriores a eles e tenho muita vontade de escrever sobre os celtas de Portugal. A gente não fala nisso, mas a turma do Asterix passou por aqui também e é um assunto que me interessa muito. Tem muita história e eu ainda não resolvi qual é o próximo livro.

Tem alguma coisa que você escreveu que escreveria diferente hoje?

Eu sempre escreveria diferente. O problema de eu pegar algum livro para revisar é que a gente muda sem parar. Eu já reescrevi Pilar na Grécia: eram As peripécias de Pilar na Grécia e virou o Diário de Pilar na Grécia. Agora estou com vontade de reescrever o da Amazônia, porque a Amazônia está num momento de urgência. Eu achava que era evidente que todo mundo ia proteger aquela maravilha, mas pelo visto não.

Ilustração do livro Diário de Pilar na Índia, com Pilar e o amigo Breno

Vida de escritora

Como é seu processo criativo?

É muito intuitivo. Tem gente que organiza muito, faz vários rascunhos e já sabe tudo que vai acontecer na história. Eu adoro não saber, adoro a página em branco. Quanto mais eu escrevo, mais tenho vontade de escrever. Vou escrevendo e a história vai me levando. O que faço antes é um mapeamento de lugares, templos, deuses, mitos e histórias. E aí a aventura começa! Claro que tem um fio condutor. Mas eu sei um pouco sobre o que vai acontecer, não tudo.

Você é disciplinada para escrever?

Muito! Acho que isso faz diferença para quem gosta de escrever. Eu escrevo todos os dias. Acordo, tomo café, levo minha filha para a escola, tomo banho e escrevo, escrevo, escrevo. Daí busco ela na escola e às vezes eu ainda consigo escrever um pouco à noite, mas em geral é nesse horário das 9h às 16h.

Descobri que, para ter mais projetos, era bom criar duplas e agora tenho muitos parceiros e muitos projetos pra dar conta de tudo que está aqui na cabeça e na deles também. Tenho um projeto de aventura espacial com a Renata Richard [Djou], um projeto de piratas com a Maria Inês Almeida, em Portugal, tenho um projeto superfamília com a Rosane Svartman, um projeto de paleontologia para crianças com a Beth Carmona. É livro, roteiro, um pouco de tudo. E tem o DPA [Detetives do Prédio Azul].

 

Detetives do Prédio Azul

Como está o DPA?

Ano que vem faz 10 anos de DPA no ar. Acabamos a 17ª [temporada] e vou começar a 18ª. E temos três livros do Detetives do Prédio Azul publicados pela Pequena Zahar. Estou escrevendo mais um agora, porque entrou um novo trio. É  a terceira geração de detetives: estou fazendo um livro da Detetive Flor, que é muito ligada em ecologia e está com mistérios ecológicos.

E tem assunto ainda para DPA?

Tem! A gente já escreveu mais de 450 casos num único prédio. Uma coisa impressionante. Claro, eu trabalho com equipe, com pessoas supercriativas. Mas eu desenvolvo cada história junto, porque gosto muito de estar nessa parte de inventar a ideia inicial. Muita magia, muita maluquice, é um prédio onde tudo pode acontecer.

Ao mesmo tempo, é um retrato da vida moderna, de como a gente vive. Não é tão comum encontrar isso em histórias para o público infantil, que costumam ter uma narrativa mais idealizada da infância. Como foi trazer essa modernidade?

Quando comecei a criar o DPA, os meus sobrinhos assistiam a Backyardigans e percebi que aquilo não era uma realidade das capitais do Brasil. Algumas crianças até têm essa realidade, mas mais no interior. Eu mesma quando era criança, no Rio de Janeiro, brincava dentro de um prédio, aprendi a andar de bicicleta na garagem, em círculos, porque não tinha espaço para andar em linha reta. E a verba inicial que tínhamos era muito baixa. Então resolvemos fazer tudo dentro de quatro paredes.

E no Brasil a gente tem medo das ruas, medo de sair, medo da praça, medo, medo, medo. Dentro do prédio eles não têm medo, nem da bruxa. Uma coisa que gosto muito de fazer no DPA é botar os problemas na dona Leocádia, então, quem não toma banho e fica com piolho é ela. Acho divertido as crianças verem que tem alguém mais criança que elas. Outra coisa que acho muito importante no DPA é que eles estão sempre lutando contra a tirania. A síndica é uma tirana, ela inventa regras absurdas, leis loucas, mas estamos sempre lutando contra injustiças, tiranias, autoritarismo e eu espero que fiquem todos bem treinadinhos para lutar contra isso.

 

A entrada no mundo da TV e dos livros

É toda uma geração de crianças crescendo com DPA. Você cresceu com o quê?

Eu cresci com o Sítio [do Picapau Amarelo] de antigamente e teve uma importância imensa na minha vida. Eu estudei numa escola chamada A Chave do Tamanho, então, a gente lia tudo de Monteiro Lobato. Acho que a Pilar tem uma influência de Emília, assim como de Mafalda, de Píppi Meialonga, de Asterix e de tudo que eu li.

Mas aconteceu uma coisa muito linda quando eu tinha uns 9 anos. A Celine, a babá amada que trabalhava lá em casa, minha amiga hoje, me contou que a gravação era perto da casa dela e que ela ia me levar. Então eu fui ver o set de filmagem e foi muito emocionante. Foi ao mesmo tempo fascinante e decepcionante, porque você descobre que é uma mentira. Fiquei arrasada que aquilo não era de verdade e, ao mesmo tempo, quis descobrir esse segredo por trás das telas, ficou essa vontade de saber como é fazer teatro, cinema, televisão.

Você tem uma extensa produção como roteirista na televisão. Como isso começou?

Logo depois que me formei em Jornalismo, abriu um concurso da Globo para roteiristas. Eu já era jornalista de televisão na Globo e vi esse edital. Não tinha um livro publicado no Brasil sobre como escrever roteiros! Achei uns livros do Woody Allen publicados, aprendi lá como fazia rubrica e diálogos e como é que estruturava aquilo. E entrei para a oficina de roteiros, onde tive um ótimo professor, o Flavio de Campos.

A primeira coisa que fiz foi Caça Talentos [1996-98], que era uma novelinha da Globo pela manhã. Fiz um seriado lindo chamado Mulher [1998-99], com a Patrícia Pillar e a Eva Wilma. Fiz novela com Manoel Carlos, em Laços de Família. Fiz muita coisa, foram quase 17 anos de Globo. Aprendi muito. Mas comecei a escrever a Pilar no meio disso e percebi que gostava muito de escrever para a infância e de escrever livros. Eu queria escrever minhas histórias.

Nesses 10 anos de DPA e de Diário de Pilar, muita coisa mudou. Como isso se refletiu na sua produção?

A parte da ecologia é a que eu mais gosto. O nome Detetives do Prédio Azul é porque o azul simboliza o planeta. Os 13 primeiros episódios eram casos ecológicos, depois, claro, para fazer 450, fomos para muitos outros casos. Diferente da adolescência, é mais fácil você se conectar com a infância, porque ela não muda tanto de uma geração para outra.

Mas claro que surgem brincadeiras novas e tem outra questão que surgiu muito forte que é a de ficar plugado e jogar o tempo todo. Aparecem episódios em que eles estão jogando, mas a gente tenta trazer outras brincadeiras. E uma das minhas alegrias é descobrir que as crianças estão brincando de detetive, ou seja, é um programa que leva a brincar de investigar, brincar em grupo.

 

A infância de Flávia

Você brincava de detetive quando pequena?

Eu e os meus primos nos reuníamos na casa dos meus avós e a gente investigava os adultos. Descobrimos que o vovô passava um produto no bigode para não ficar branco. A rede mágica da Pilar era onde eu e meus irmãos viajávamos de rede para outros planetas. Acho fundamental brincar muito na infância para você criar no futuro, para saber brincar com seu filho. Eu falo para as crianças: bota qualquer capa de chuva, uma coisa nos bolsos e vai brincar, inventa um mistério, brinca com pai e mãe. Lá em casa é assim: sumiu uma coisa importante para a criança, vira uma brincadeira de detetive.

E o que você lia quando criança?

Peter Pan, Alice no País das Maravilhas, os livros da Ruth Rocha, da Ana Maria Machado, do Ziraldo, Monteiro Lobato, Mafalda, Píppi Meialonga. Minha geração pegou esse boom da revista Recreio. O Hobbit, por exemplo, eu li uma versão de português de Portugal, eram livros que chegavam importados, a gente tinha pouco livro traduzido. Agora, em Portugal, estou apaixonada pela Sophia de Mello Breyner, eu não conhecia a produção infantojuvenil dela. Um livro que sou apaixonada também é O jardim secreto, da Frances Hodgson Burnett.

O que está lendo atualmente?

O homem que plantava árvores é meu livro de cabeceira do momento. Estou no tema ecológico total! Leio às vezes muitos livros ao mesmo tempo. Amo a literatura africana atual: Ondjaki, Mia Couto, Agualusa, acho que são os melhores escritores do momento, porque têm uma abertura para além da realidade. A ficção tem um papel muito importante de fazer sonhar e ficcionar é pensar para além do que está aqui. Isso serve não só para o escritor, serve para inventar um edifício, uma espaçonave, um submarino. O Júlio Verne ficou imaginando o submarino antes de ele existir. A gente não pode ser apenas um repetidor.

Diário de Pilar na Índia - Pilar aprende a meditar no novo livro da série

No livro "Diário de Pilar na Índia", Pilar aprende a meditar e faz uma viagem em busca de autoconhecimento

 

Dicas de escritora

Você já disse em algumas entrevistas que sempre quis ser escritora. O que te movia a querer ser escritora?

Tem mil fatores. Acho que os livros levam a gente a experimentar outras vidas, levam para lugares onde às vezes não podemos ir, abrem para pensar o que poderia haver que não há... O famoso “e se”. No mundo da ficção, a gente pode pensar não apenas a realidade, mas o que a gente gostaria de transformar no mundo, de inventar.

E por que você decidiu ser jornalista?

Quando tinha 16 anos, fiz um intercâmbio e fui parar numa fazenda no Wisconsin, tirar leite de vaca. Foi uma experiência muito diferente da minha realidade do Rio de Janeiro. Depois, me deu muita vontade de conhecer o mundo e era uma coisa muito cara viajar quando eu tinha 17, 18 anos. Então, entrei para a faculdade de Jornalismo, porque eu tinha o sonho de ser correspondente internacional, para viajar. Mas a verdade é que não tenho estômago para cobrir guerra. Eu sofro, não conseguiria. Tentei fazer concurso para a ONU, mas a ONU fechou os concursos bem nessa época.

E então inventei a Pilar para ela viajar pelo mundo e me levar. Às vezes, a Pilar vai antes a lugares que eu quero ir, me abre os caminhos e me faz viajar. Um pouco como Júlio Verne. Eu brinco que ele escreveu A volta ao mundo em 80 dias sem nunca sair da França, né? E foi um livro que me marcou muito, porque tinha esse desejo de conhecer o mundo. Não sei quem inventou fronteiras. Mas acho que certas são as baleias, que não reconhecem essa coisa de países, essas barreiras inventadas

Você tem alguma dica para as crianças que que sonham em ser escritoras?

A ideia do diário acho muito boa. No meu colégio, A Chave do Tamanho, tinha diário toda segunda-feira. A gente escrevia sobre o fim de semana e, quando não tinha história boa para contar, melhorava a história. E tem o Caderno de viagens da Pilar que é para incentivar a escrever, a contar comidas estranhas que já provou, lugares para onde já viajou, animais que gostaria de ter, animais que já viu.

 

Uma vida lá e cá, com o Atlântico no meio

Você sempre começa os Diários da Pilar com o que levar na mala. Você, que viaja muito entre Brasil e Portugal, o que não pode faltar na sua mala?

Meu sonho é viajar sem mala um dia! Eu sou friorenta, eu sempre levo casaco, blocos e papéis. Estou sempre agarrada a um bloquinho e caneta. E livro também, livro de lá para cá, de cá para lá.

Você foi morar em Portugal em 2016. Por quê?

A gente queria ter uma experiência em outro lugar. Eu tenho cidadania portuguesa e aqui é a terra do Fernando Pessoa, há um encontro lindo aqui da língua portuguesa. “Minha pátria é a língua portuguesa”, dizia Pessoa. Eu me identifico muito com isso e tem sido interessantíssimo, não só porque tenho muitos amigos novos, mas porque a gente se aproximou da África chegando aqui. O Brasil fala muito de si mesmo e dos Estados Unidos, mas fala pouco do mundo. Aqui tem um horizonte mais amplo e é muito uma paz danada. Eles mesmos brincam que isso aqui é uma pequena Vila do Asterix. Estou gostando de viver nessa cidade mais calma. Meu plano é ficar lá e cá. Por que tenho que escolher um país só? 

Quais são seus planos para o futuro?

Tem tanto lugar no mundo que eu queria conhecer e plantar minhas mil árvores.

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