Com suas capas coloridas e superequipadas, uma turma de investigadores mirins habita o imaginário infantil brasileiro há dez anos. Com interrogações sempre vivas na cabeça, esses eternos exploradores nunca se cansam de desvendar mistérios. Quem matou a charada só com essas dicas, talvez já esteja habilitado a integrar essa trupe. Estamos falando de Os Detetives do Prédio Azul – ou, como é carinhosamente chamada pelos fãs, apenas “DPA”. Um projeto que nasceu audiovisual para se tornar literário e depois também cinematográfico. Uma história que começou como desafio e se eterniza na história da produção cultural infantil brasileira como um case de sucesso. Como brinca a própria autora, o DPA é “literatura policial para crianças”.
O quarto volume da série traz a personagem Flor e um mistério ambiental. Leia +
Novo livro da série DPA fala sobre preservação ambiental
Criado pela escritora e roteirista Flávia Lins e Silva, hoje, o DPA pode contar com uma sólida estrutura para garantir sua existência. A série está atualmente na décima oitava temporada e, para a sorte do público que adora efeitos especiais, evolui cada vez mais para um alto padrão de produção. Quanto aos livros, já são quatro volumes – incluindo o novo título, que chega no final de abril pela Pequena Zahar –, ótimos indicativos de vendas, adoções em escolas e reedições.
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Se hoje Flávia pode dizer de boca cheia que é a “mãe” de dois grandes produtos editoriais infantis do Grupo Companhia das Letras – a série Diário de Pilar, que já conta com dez livros, e o DPA, que lança o seu quarto volume –, sua trajetória até aqui teve que vencer muitos percalços; dentre eles, a falta de valorização recorrente da arte “para crianças”, que muitas vezes é menosprezada em editais de incentivo e pelo próprio mercado cultural. Essas histórias atravessaram uma década para mostrar que produções infantis têm sim o seu filão garantido no cenário artístico brasileiro.
Da TV para os livros
Tudo começou em 2011, na ocasião de inauguração do canal Gloob, hoje um dos canais infantis por assinatura mais expressivos da televisão brasileira. A equipe fez um convite para que Flávia escrevesse para a TV as aventuras de Pilar, personagem querida pelos leitores desde o primeiro livro – Diário de Pilar na Grécia, de 2010. Porém, as circunstâncias não permitiram que Pilar ganhasse ali sua versão televisiva, pois seria uma produção onerosa, com altos custos de viagem, equipe e estrutura técnica.
Foi aí que Flávia teve a ideia de criar uma nova história, pensando especialmente em adequação para a TV. Nascia ali o germe de Os Detetives do Prédio Azul, um grupo de crianças arteiras, curiosas, inteligentes e sempre atentas ao que acontece ao redor. Como boa parte das crianças brasileiras que nem sempre pode brincar nas ruas em função da violência urbana e da lógica de vida que rege as grandes cidades, elas têm a si mesmas e um recurso limitado de elementos para manter a brincadeira sempre ativa. E conseguem fazer isso com maestria. Como nos conta Flávia, este talvez o fator mais relevante para a pronta identificação que as histórias dos detetives estabeleceram com o público, a simplicidade e o aspecto cotidiano marcante.
O DPA nasceu de uma vontade de fazer algo bem próximo da realidade que a maioria dos brasileiros conhece, em que as crianças das grandes cidades têm que brincar dentro de casa, na garagem, no prédio, e por aí vai
(Flávia Lins e Silva)
Diferente do que acontece na TV ou no cinema, que vão ganhando outras dimensões narrativas, o prédio é o cenário central das aventuras contadas nos livros, que aprofundam a história em outros elementos, como descrição e perfil psicológico dos personagens. “Primeiro, eu escrevi a série, criei os personagens para a TV, e depois resolvi contar outros casos. Então, são histórias originais em todos os livros. Começou com o Capim, que é o filho do porteiro Severino, para contar a chegada deles no prédio e falar um pouco sobre essa relação louca e conturbada com a zeladora do prédio, a dona Leocádia”, conta.
A ideia é que um produto nunca substitua o outro; ao contrário, o bem-vindo aqui é que todos eles ampliem o desejo de conhecer mais e mais histórias, permitindo ao leitor sentir-se amigo dos detetives. “Eu vejo o audiovisual como um parceiro do livro, não como um antagonista. É muito legal observar que um livro pode levar ao outro. Eu fico muito feliz de saber que conseguimos influenciar pessoas que foram à livraria buscar histórias que conheceram na tela”, conta Flávia, que relembra com carinho os primeiros contatos com os leitores de DPA. “No primeiro lançamento [do livro Os Detetives do Prédio Azul: primeiros casos, em 2013] a coisa que mais me emocionou foi ver um público de televisão entrando na livraria. Eram os fãs do detetive Capim fazendo fila de mais de cem pessoas para comprar o livro”, conta a escritora.
Hoje, essa turma de detetives já acumula no currículo uma soma impressionante de aventuras: são mais de 400 casos contados. Além da série de TV, dos filmes e dos quatro livros, o DPA se desdobra em muitos outros projetos, incluindo os chamados spin-offs, criados a partir das histórias originais. E muito ainda está por vir. O segredo para manter viva uma curiosidade tão caudalosa, capaz de crescer e amadurecer junto com os personagens ao longo de uma década? Paixão. “Eu não sei como, mas continuam vindo ideias, histórias e temporadas. Uma coisa que ajuda muito é ter bruxaria, maluquice, gente de muitos tempos e lugares, diversidade. A gente se diverte muito fazendo isso”, comemora Flávia.
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O novo livro DPA e a temática ambiental
Conforme o próprio nome sugere, o novo livro Os Detetives do Prédio Azul: casos ecológicos está afinado com as questões socioambientais. No novo volume, há quatro casos inéditos, que nunca foram contados em livro. São aventuras típicas da detetive Flor, uma garota sempre preocupada com a natureza. No enredo, ela acaba de se mudar para o prédio, mas já conheceu de perto a fúria da síndica, dona Leocádia. Vinda de uma fazenda e acostumada a viver em contato muito próximo com a natureza, a menina não se conforma quando algum animal ou alguma planta estão em perigo. Imagina então quando dona Leocádia resolve dar fim nas abelhas que aparecem no prédio?
“Eu aprendo muito quando estou estudando pra escrever cada livro e descrever situações. Que flores podem atrair abelhas? Além das flores, o que mais pode atraí-las? Temperos caseiros, cheiros específicos? Por que isso acontece? O sucesso é que os leitores e espectadores podem sempre se sentir como o quarto detetive, ajudando a desvendar os mistérios”, explica. A autora conta que a motivação para a escolha do tema é o reconhecimento de que é cada vez mais urgente curar a relação homem e natureza, cuja visão ocidental de mundo frequentemente nos leva a ver como coisas separadas uma da outra.
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“Eu escrevi os casos ecológicos principalmente porque acredito que há uma urgência climática. Os dois livros em que estou trabalhando agora – que é este e uma reedição de Diário de Pilar na Amazônia – tratam desse tema. Precisamos estar muito atentos a esse assunto. É impressionante que a nossa geração tenha se formado sem saber plantar uma batata, sem saber fazer uma horta. Morando em apartamentos, muitas vezes nos distanciamos demais disso, mas precisamos voltar para perto da terra”, defende a escritora.
Para os leitores que esperam mais e mais histórias desses implacáveis detetives, a autora garante que não faltarão ideias para as aventuras seguintes do trio de investigadores mais queridos do Brasil. Capim, Mila, Tom, Bento, Pippo, Sol, Max, Maria Flor e Zeca: muitos personagens já passaram pelo fatídico prédio azul, outros tantos virão, prontos para desvendar novos casos. “Quando os personagens se mudam, a gente fica triste, mas outros chegam. É um prédio, as pessoas e as coisas mudam sempre, como na vida”, diz Flávia.