Jon Agee e seus livros ilustrados cheios de humor

21/04/2022

Jon Agee é um autor e cartunista americano adorado, que publicou seu primeiro livro ilustrado em 1982, If Snow Falls (Se a neve cair, não publicado no Brasil). Essa vocação começou ainda na infância, quando criava livros com a ajuda de sua mãe, que escrevia as histórias que ele ditava para ela. Seu trabalho é todo pontuado por ideias divertidas e um tanto sem lógica e pelo humor sutil, sempre potencializado pelas relações entre o texto e a imagem.

Por e-mail, o autor, que tem mais de 30 livros publicados nos Estados Unidos, conversou com o Blog sobre Eu quero um cachorro, seu lançamento mais recente pela Pequena Zahar. Pelo selo, ele também lançou no Brasil O muro no meio do livro e Vida em Marte.

Com o humor já conhecido de seus outros trabalhos, seu novo livro ilustrado conta a história de uma garotinha decidida a adotar um cachorro em um abrigo de animais. Ela não contava, porém, com o atendente do abrigo, que tenta convencê-la, ao longo da história, de que animais como um tamanduá ou um babuíno são ótimos como substitutos de um cão.

Os diálogos entre os dois jogam com a postura do adulto, que traz as sugestões mais absurdas, e a da criança, que o tempo todo aponta para a falta de lógica do que ele diz. As expressões dos personagens completam a graça desse desencontro, que é potencializado pelo formato do livro ilustrado.

Na entrevista abaixo, ele fala das tendências sobre as quais seus livros gravitam, sobre animais de estimação e sobre a atualidade dos temas abordados em O muro no meio do livro e Vida em Marte.

 

Seus livros giram em torno de ideias non sense que são muito engraçadas, como a tentativa de oferecer um tamanduá ou um canguru no lugar de um cachorro como animal de estimação. Por que você acredita que o livro ilustrado é o formato certo para expressar essas ideias? E por que você diria que que é importante encorajar o non sense com as crianças?

O non sense é libertador. Muitos anos atrás, eu recebi um e-mail de um bibliotecário de uma escola de ensino fundamental de uma pequena cidade na China, agradecendo pelo meu  livro Lion Lessons (Lições de leão, não publicado no Brasil).  Nesse livro, um menino está numa aula – conduzida por um leão – sobre como ser um leão. O bibliotecário sentia que as crianças na China estavam sendo pressionadas, muito cedo, para aprender coisas práticas, então ele recebeu bem essa história bem-humorada sobre uma criança que aprende algo “inútil” ou “bobo”.  

Seus três livros publicados no Brasil trazem personagens um tanto ingênuos e inocentes, como o cavaleiro de O muro no meio do livro, o astronauta de Vida em Marte e o gerente do abrigo de animais em Eu quero um cachorro. Existe alguma razão para esse “perfil”? Esses personagens são inspirados em alguém em particular?

Eu descreveria as crianças protagonistas nessas histórias como muito seguros de si mesmos – talvez até confiantes demais. Quando acontecem coisas que desafiam sua maneira de pensar é uma experiência de humildade, engraçada e que provoca uma nova e inesperada percepção. Eu provavelmente gravito em torno de histórias desse tipo, histórias que debocham de maneira gentil de convenções e pontos de vista muito estáticos. O livro ilustrado, aliás, é o formato ideal para isso por conta da relação dinâmica entre palavras e imagens. O texto pode dizer que o céu é absolutamente azul enquanto a imagem mostra que o céu é definitivamente vermelho.  

 

Eu quero um cachorro acaba de ser lançado no Brasil, e você tem outro livro sobre um animal de estimação inusitado, em que um menino adota um rinoceronte. Você já teve algum animal de estimação diferente quando era criança? Qual?

Minha mulher e eu temos uma cachorrinha chamada Charlotte. Ela é um bichon havanês, uma raça criada em Cuba para atuar como cachorro de circo, então ela é uma artista. Ama fazer truques e pular através de aros. Em My Rhinoceros (Meu rinoceronte, não publicado no Brasil), o rinoceronte é o oposto da Charlotte. Ele não corre atrás da bola, do graveto ou de um frisbee. Ele não tenta nem estourar balões ou fazer furos em pipas (com sua presa). Mas, no fim, você descobre que que rinocerontes são capazes de muito, muito mais.

Vida em Marte e O muro no meio do livro abordam temas bastante relevantes nos dias de hoje, como preconceito, muros que separam equivocadamente aqueles que são diferentes e uma enorme dificuldade de enxergar fatos muito claros. Isso foi intencional?  

Acho que foi mais instintivo do que intencional. Minhas histórias – não sei bem por quê – frequentemente envolvem personagens cujas vidas são reviradas por uma revelação. Eu sei, de maneira implícita, que que há uma mensagem ou moral, mas eu raramente sei qual é até bem depois de terminar o livro ou de ler as resenhas feitas sobre ele.

Com O muro no meio do livro, eu estava fascinado pela ideia de tratar o meio do livro - a dobra – como uma barreira intransponível. Nos meus primeiros rascunhos, uma garotinha está de um lado do livro, enquanto, do outro lado, uma onda enorme se aproxima. A página dupla seguinte mostra a onda batendo no meio do livro e sendo barrada ali. A garotinha segue intacta. Eu conseguia enxergar potencial para muito mais imagens dinâmicas, então criei uma história que contemplasse o conceito do muro no meio do livro. O livro que surgiu a partir daí – muitos meses depois – abordava esse disparate da construção de muros em fronteiras entre países e essa visão de mundo teimosa e tendenciosa. Essa pode não ter sido a minha intenção no início, mas eu acredito muito nas posições que a história expressa. 

 

Vida em Marte foi inspirado no humor em potencial de um astronauta obstinado e excessivamente otimista que não percebe o enorme marciano que está bem atrás dele. Eu fiquei muito empolgado com esse astronauta e a sua sequência de emoções: de felicidade a dúvida, tristeza, preocupação, desespero, surpresa, satisfação e, por fim, perplexidade. Qual é a mensagem? Nas palavras de uma criança do 3º ano: “que não tem problema errar”.

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