Dá para conhecer um país e seu povo por meio de suas histórias e lendas? Dá sim e esta, aliás, pode ser uma das formas mais gostosas de aprender. O novo livro de Silvana Salerno é prova disso. Em Viagem pelas histórias da América Latina, lançado pela Companhia das Letrinhas, a autora leva as crianças (e quem mais quiser embarcar nesse passeio, é claro) a explorarem os antepassados, os mitos e a cultura dos nossos vizinhos, a partir de uma seleção de histórias originárias de cada um deles.
Apesar de serem geograficamente próximos, a barreira da língua diferente - a maioria tem como idioma predominante o espanhol, enquanto no Brasil, um país imenso que ocupa quase a metade da América do Sul (48%, mais precisamente), se fala o português - talvez seja uma das possíveis explicações de conhecermos tão pouco essas culturas irmãs.
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Para trazer um pouco de cada um desses territórios, Silvana pesquisou e levantou histórias, usando narrativas deliciosas para nos levar a uma verdadeira viagem. “Ao reunir as histórias para este livro, percebi que temos muito mais em comum com os países ao nosso redor do que imaginamos, como os povos originários que, com bastante dificuldade, mantêm sua língua e seu modo de vida. Em homenagem à cultura da América Latina, que eu costumo chamar carinhosamente de ‘nosso continente’, decidi escrever este livro”, conta ela, na introdução.
No total, são 22 histórias, cada uma com origem em um país latino. Tem A flor de lirolay, da Argentina, Como surgiu a noite, da República Dominicana, e A tartaruga e o Diabo, de Cuba, entre muitas outras. Além das narrativas, o livro traz imagens e outras informações, retiradas de mergulhos profundos que a autora deu para emergir, trazendo o mais relevante de cada um desses locais, em uma linguagem natural e acessível. Uma viagem e tanto, que conta ainda com as ilustrações de Biry Sarkis.
Conversamos um pouco com Silvana, que contou um pouco sobre o processo de composição da obra, as pesquisas, as adaptações e a importância de mostrar para as nossas crianças um pouco da história dos países da América Latina. Confira:
Blog da Letrinhas - Quando viajou pela primeira vez para outro país da América Latina, imaginou que poderia, um dia, escrever um livro para crianças sobre isso?
Silvana Salerno - Não. A primeira viagem que eu fiz para Argentina e Uruguai, eu era adolescente, tinha 14 anos. Em vez de fazer formatura, viajamos de ônibus. Foi muito legal, mas não passava ainda pela minha cabeça escrever um livro sobre isso. Depois, com o passar dos anos, eu continuei viajando bastante, conheci outros lugares, junto com meu marido. Já viajei de trem, inclusive em trem de carga entre a Bolívia e o Peru, conhecemos intimamente as pessoas, nos hospedamos com elas… Exploramos mesmo os lugares e é uma paixão. Escrever sobre isso, ainda para crianças, foi algo que veio depois.
Como foi o processo de criação do livro?
Silvana Salerno - Foram pesquisas muito intensas. Para escrever, sempre faço uma imersão, busco o máximo possível de conhecimento. Foi um grande mergulho, bem profundo, na ficção e no país em si. É preciso se aprofundar para tirar uma síntese significativa e não superficial. Então, além de reunir conteúdos que eu já tinha, livros que ganhei de presente das pessoas nativas, inclusive, durante as minhas viagens, eu pedia muito material a outras pessoas, amigos, familiares, que iam a esses países também. Encontrei muito material na biblioteca do Memorial da América Latina, que tem um acervo completo.
Por que a América Latina? E por que é importante abordar esse tema em sala de aula?
Silvana Salerno - É um continente muito rico e diverso, em termos de natureza e de cultura. Muita gente viaja para outros lugares, até mais distantes, como Europa, Estados Unidos e acaba não conhecendo tudo isso que está aqui ao lado. Existe uma barreira da língua também e, por isso, é importante trabalhar esse assunto em sala de aula. A maioria dos nossos vizinhos fala a língua espanhola e, por isso, o entrosamento fica mais simples. O Brasil é um país grande, quase um continente, em que se fala português. Então, mostrar isso e conhecer é também uma forma de se aproximar.
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Quais foram os maiores desafios de escrever esse livro?
Silvana Salerno - Na cultura da América Latina, como um todo, por conta da colonização, há muitas histórias que são maniqueístas, ficam naquela divisão do bem e do mal, falam de castigo, que a pessoa foi castigada porque agiu ou não de uma certa forma. Em alguns lugares é muito forte a questão da Igreja. Então, tive que deixar algumas coisas de fora para não entrar nessa seara, que não era o objetivo. Gosto de priorizar as histórias com humor, atraentes, que são gostosas, fazem bem, unem as pessoas. Gosto também de um pouco de ironia. Então, não quis deixar nenhuma história conclusiva. Deixo para o leitor tirar as suas próprias conclusões.
Precisou fazer adaptações?
Silvana Salerno - Sim! Eu até mudei o nome de uma história, por exemplo. No fim da edição, fiz uma pesquisa e vi que a história que estava com o nome de flor de lótus era muito conhecida com outro nome: a flor do lirolay. Falei com várias pessoas, pesquisei dicionários. Mudei porque achei que era uma atualidade para a história.
E a linguagem do livro? Como falar de culturas tão diversas de uma maneira acessível para crianças, mas que também atrai os adultos?
Silvana Salerno - Eu tento escrever de forma natural, como uma conversa com o leitor, nada complexo demais, mas também que não seja superficial. Natural. Houve uma escola da rede pública que adotou um dos meus livros, o Viagem pelo Brasil em 52 histórias, e usou desde o primeiro ano do ensino fundamental até o terceiro do ensino médio. O material foi usado por todos, claro, de maneiras adequadas para cada faixa etária. E foi muito legal perceber que o livro atendia a todos, de jeitos tão diferentes. Também já ouvi histórias de pais que compraram os livros para as crianças, mas acabaram gostando também e leram junto.
Já imaginou que o livro pode ser a porta de entrada para crianças que nunca viajaram e que é uma forma de elas estarem nesses lugares, sem nunca terem pisado lá?
Silvana Salerno - Nunca tinha pensado nisso, mas a ideia me deixa muito feliz! Como uma pessoa que ama viajar, é um privilégio e um prazer poder mostrar, abrir esse mundo, sobretudo para os pequenos.
Qual sua história preferida do livro e por quê?
Silvana Salerno - Eu adoro a história do México. Ela representa um sonho, em todos os sentidos. Vejo muito simbolismo porque há um sonho de conquista, conseguir aquilo em meio de uma aridez, de uma terra seca… Mas, de repente, você consegue plantar milho, o milho nasce, alimenta as pessoas, vai melhorando. É uma história que fala de amor, de qualidade de vida, independência, amizade. Acho que é uma história muito bonita.
Teve alguma história de que você gostou, mas que acabou ficando fora do livro?
Silvana Salerno - Todos os países da América Latina têm histórias incríveis! Procurei selecionar as que representassem de forma significativa a riqueza cultural de cada país.
(Texto de Vanessa Lima)