Como ensinar às crianças o que faz um bom líder?

13/06/2022

O que faz um bom líder? Quais são os princípios da liderança? Por que é importante falar sobre isso com as crianças? Não tem jeito, as relações de poder permeiam toda a nossa vida, do relacionamento dos pais com os filhos, das crianças com seus professores e outros colegas de escola, de líderes comunitários com o bairro e governantes com toda a sociedade, inclusive com os pequenos, que precisam ter seus direitos e necessidades respeitados.

Ensinar as noções de coletividade, negociação e da boa liderança vai além de preparar os filhos para conviver com amigos, vizinhos e desconhecidos, e pode ajudá-los em aspectos pessoais, como na construção de autoestima e da responsabilidade. E essa conversa não precisa ser nenhum bicho de sete cabeças. 

Ilustração do livro O que é preciso para ser rei, de Tino Freitas, Leo Cunha e ilustrado por Fê

Os escritores Tino Freitas e Leo Cunha conseguiram fazer isso magistralmente com uma pergunta bem simples: O que é preciso pra ser rei?, que dá título ao novo livro da dupla, publicado pela Pequena Zahar. A princípio, a resposta parece fácil e óbvia. Oras, para ser rei você tem que ser o filho primogênito de um rei. Mas, conforme o pequeno leitor avança pelas páginas, percebe que a questão vai muito além disso. A própria definição de “rei” pode ser bem mais abrangente. Escutar o semelhante, entender o diferente, dividir, ser flexível, não mentir, saber pedir são alguns dos valores que a dupla apresenta de forma divertida pelas páginas.

O que é preciso pra ser rei? Tino Freitas e Leo Cunha, Pequena Zahar

“De forma implícita, ampliamos essa definição de monarca para quaisquer governantes. Rei, então, seria aquele que governa um povo, uma empresa, uma casa... Nesse sentido, seja rei, presidenta, primeiro-ministro, professora, cacique, empresária, pai, mãe, etc. Para bem governar, é preciso oferecer o melhor para os ‘súditos’”, explica Tino Freitas, um dos autores do livro O que é preciso para ser rei?, em entrevista ao Blog da Letrinhas. “O livro não apresenta respostas exatas, mas colocamos algumas pistas no caminho da leitura, para que o leitor construa a sua percepção sobre o que é preciso para ser um rei mais humano”, diz ele. 

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Com referências a momentos atuais do contexto político brasileiro e até mundial, a obra toca, de maneira divertida, em assuntos como fake news, negacionismo, sobre não convidar “as raposas para tomar conta do galinheiro”. “Escrevemos a dedicatória muito antes de Putin declarar guerra à Ucrânia e oferecemos a publicação ‘às crianças que só fazem guerra de travesseiro’”, aponta Tino, que explica que o tema principal do livro é político, sim, mas não é panfletário. “Acreditamos que conversar sobre as relações de poder e governança é para a vida toda. É um papo bom com as crianças e com os adultos”, explica o autor. 

 

Mas, afinal, o que é ser líder?

Ser líder vai muito além de ser um rei, um presidente ou um chefe, dentro de uma organização corporativa. As relações de poder começam bem antes e estão entranhadas na maior parte das relações humanas. São quase intrínsecas à convivência. “As crianças exercem o papel de liderança em várias situações, elas intercalam esse papel entre elas, principalmente no brincar”, diz a jornalista Paula Desgualdo, que integra o Coletivo Sabichinho, junto de André Rodrigues, Pedro Markun e Larissa Ribeiro. O grupo assina A eleição dos Bichos, da Companhia das Letrinhas, e que também fala sobre a escolha de um bom líder, em um processo democrático, e o livro Quem manda aqui?, sobre as relações de poder e as formas de governar.

Capa do livro Eleição dos bichos, da Companhia das Letrinhas

A definição de liderança, segundo a psicopedagoga Quézia Bombonato, conselheira vitalícia da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), é uma habilidade para motivar as pessoas a alcançarem determinado objetivo, dirigí-las, inspirá-las e até mesmo influenciá-las em comportamentos ou atitudes, mantendo o foco no alvo almejado”, explica.

Os princípios da liderança são a capacidade de transmitir conhecimento, compartilhar responsabilidades, gerenciar objetivos e metas, incentivar, motivar, lutar contra o pessimismo… (Quézia Bombonato, psicopedagoga)

O que todo bom líder precisa saber

Tudo bem, entendemos, afinal, o que é ser líder e que essa posição vai e volta muitas vezes ao longo das nossas vidas, desde a infância, em diferentes situações e intensidades. E o que faz com que alguém seja considerado um bom líder? Paula Desgualdo e os outros integrantes do Sabichinho fizeram uma oficina com as crianças, antes de lançar Eleição dos bichos, e algumas das dinâmicas feitas com elas deram boas pistas para encontrar essa resposta.  

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O livro traz a história de animais que vivem em uma floresta e precisam eleger um novo líder, em um processo democrático. Os candidatos, que são o leão, a cobra, o macaco e a preguiça, mostram suas propostas e fazem suas campanhas, para que os habitantes locais escolham quem vai governá-los por um certo período de tempo. “Nas oficinas que fizemos, as crianças escolhiam uma máscara de um animal”, conta Paula. “Elas identificavam, então, como era esse bicho, do que ele gostava, como era a floresta dele. O que tem, por exemplo, na floresta do macaco? Eles colocavam água, banana, os amigos do macaco. Depois, os macacos reunidos criavam uma floresta e a apresentavam para os outros bichos para que, em seguida, todos votassem e escolhessem a floresta que achavam melhor”, relata a autora. 

“Então, eles começaram a perceber que precisavam pensar além de si e contemplar os outros animais. De repente, uma floresta cheia só de bananas não é tão legal para um leão ou para uma cobra. É um momento de tomada de consciência: opa, não adianta eu compor uma floresta só com o que eu acho legal, eu preciso pensar nos outros”, aponta.

O bom líder - e isso podemos ir percebendo pela própria experiência - é aquele que primeiro escuta. É preciso escutar o outro, reconhecer que ele existe e saber que ele vai ter vontades e necessidades diferentes das suas. Sempre que fazemos decisões, escolhas, existe, de alguma forma, a questão da liderança (Paula Desgualdo, escritora e jornalista) 

Poder e liderança é assunto para criança, sim!

A educação mudou muito com o passar dos anos, assim como a forma como as crianças são vistas na sociedade. Ainda bem! (Embora haja um longo caminho a ser percorrido, mas isso é assunto para outro papo). O ponto é que, hoje, tanto em casa, como nas escolas, as crianças não são mais vistas (ou, pelo menos, não deveriam), como aquelas que “não têm querer”, que só têm que obedecer. Elas também são (ou, de novo, deveriam ser) ouvidas, consideradas, fazem parte das decisões. É uma relação diferente de poder. 

Ilustração do livro infantil O que é preciso para ser rei?, de Tino Freitas e Leo Cunha

Por isso, falar sobre poder e liderança com elas é importante. Não só nas relações em casa, mas para a convivência em sociedade, como um todo, na escola, no parquinho, no balé, na natação… 

“É importante falar sobre poder, democracia, liderança. Esses temas, na verdade, estão dentro de um guarda-chuva maior, que é essa noção de política, diálogo, negociação, troca com o outro, entender o espaço do outro e o meu, o espaço comum, como ele se articula”, diz Paula Desgualdo. “Esperamos adultos conscientes, críticos e politizados, mas nos esquecemos de incluir a criança nesse diálogo sobre como escolher as lideranças”, completa. 

Mostrar às crianças e adolescentes as habilidades necessárias para uma boa liderança os prepara para viver em sociedade e também ajuda em aspectos pessoais. “O desenvolvimento dessas funções favorece a construção da autoestima, da responsabilidade, a busca da autonomia e até o processo de formação de caráter”, diz a psicopedagoga Quézia Bombonato. “Os benefícios  se espalham por toda a vida, influenciam outras pessoas, podem fazer diferença na atuação do sujeito em diferentes áreas e em distintas funções que venham a exercer no transcorrer da vida”, completa.

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Noção de coletividade

“Ensinar a ser um bom líder talvez seja ensinar a estar no coletivo e a conviver socialmente. Aprendendo isso, você aprende tanto a ser um bom líder quanto a escolher um bom líder”, diz Paula. “Em alguns momentos, estaremos na posição de liderança e, em outros, não. Mas o importante é essa noção de coletividade, do outro, do bem comum, do que há para além de mim, com que eu tenho que lidar e com quem tenho que viver. Isso acontece, às vezes, quando temos que aceitar a decisão de uma liderança que nós mesmos escolhemos para nos representar e que talvez não me agrade. Às vezes, acontece quando temos que decidir por nós e por um grupo, seja na brincadeira, na escola, em relação à família, aos irmãos, ao animal de estimação. Sempre que tomamos uma decisão, fazemos uma escolha que envolve o outro”, completa a jornalista. Por isso, quanto antes essa consciência é desenvolvida e estimulada, melhor.

Tino Freitas concorda. “Para mim, quem ocupa hoje o nosso governo não é um bom líder, mas as pessoas que pensam diferente de mim têm direito de discordar - desde que a discórdia aconteça dentro do jogo democrático”, diz ele. “Nesse sentido, acho que é saudável, republicano, transgressor, oferecer aos leitores um livro que aborda formas mais democráticas de governar, sugerindo que há caminhos (assim mesmo, no plural) para um mundo menos desigual, com respeito, partilha, empatia e bem querer. É uma forma de seguir com o lema que ouvi de Dom Pedro de Casaldáliga [bispo católico espanhol, naturalizado brasileiro, que faleceu em 2020, no interior de São Paulo] e que carrego nos sonhos, tatuado na pele e impresso nos livros: teimosia e esperança”. 

(Texto de Vanessa Lima)

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