Livros informativos: bússolas para navegar no mundo VUCA

15/06/2022

Por Januária Cristina Alves

No documento "Leitores do século 21: Desenvolvendo habilidades de alfabetização em um mundo digital", a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revelou que sete a cada dez estudantes (67% deles) que cursam o primeiro ano do Ensino Médio aqui no Brasil (que têm 15 anos) não conseguem diferenciar fatos de opiniões. Este índice está acima da média registrada em estudantes de outros 79 países analisados pela organização, que é de 53%.

Ou seja, é urgente e necessário preparar nossas crianças e jovens para compreenderem textos informativos e sobretudo, ensiná-los que, nesse mundo em que vivemos, repleto de desinformação e com uma abundância de notícias falsas que podem impactar nossas tomadas de decisões em diferentes áreas da vida, essa competência é a chave para que saibam diferenciar o que é importante, do que o não é.

Ilustração do livro Os direitos do pequeno leitor, de Patricia Auerbach, sobre literatura infantil

Ilustração do livro Os direitos do pequeno leitor, de Patricia Auerbach

 

VUCA é a abreviatura das palavras em inglês Volatility (volatilidade), Uncertainty (incerteza), Complexity (complexidade) e Ambiguity (ambiguidade), ou seja, ela define de forma sucinta o contexto em que vivemos. Como afirma o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman:

A educação é vítima da modernidade líquida, que é um conceito meu. O pensamento está sendo influenciado pela tecnologia. Há uma crise de atenção, por exemplo. Concentrar-se e se dedicar por um longo tempo é uma questão muito importante. Somos cada vez menos capazes de fazer isso da forma correta. Isso se aplica aos jovens, em grande parte. Os professores reclamam porque eles não conseguem lidar com isso. Até mesmo um artigo que você peça para a próxima aula eles não conseguem ler. Buscam citações, passagens, pedaços... (Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polonês)

Em suma: para se viver e compreender um mundo líquido é preciso buscar a profundidade e isso, certamente, não se encontra nos meios digitais, daí a importância da leitura. A própria OCDE, em meta-análises recentes, descobriu que estudantes que leram mais livros impressos apresentaram performance superior aos que preferiram os livros eletrônicos. Os estudos revelaram que a leitura em papel resultou em melhor compreensão do que a leitura do mesmo texto em uma tela.

Nesse sentido, quando se trata de trabalhar a diferença entre fatos e opiniões, os livros informativos podem ser excelentes aliados. A edição 2018 do PISA, a prova mundial que mede o desempenho dos estudantes em leitura, matemática e ciências enfocou a leitura, buscando mensurar a capacidade dos alunos de mais de 80 países de encontrar, comparar, contrastar e integrar informações entre várias fontes. De acordo com o relatório publicado pela OCDE, os estudantes com melhor desempenho precisaram ir além da capacidade de entender e comunicar informações complexas, mostrando que sabiam distinguir entre fato e opinião ao ler sobre um assunto sobre o qual não se esperava que conhecessem, demonstrando capacidade de compreender textos longos e que tratavam de conceitos abstratos.

Portanto, o desempenho desses alunos mostrou que o leitor competente é aquele capaz de ir além da simples extração de informação de um texto, é aquele com condições de, ao ler, fazer inferências, questionar, fazer julgamentos e construir argumentos bem fundamentados sobre aquele tema, pensando criticamente e, portanto, capaz de construir seu próprio conhecimento. Como parte do Projeto Educação 2030, a partir de 2024 as avaliações do PISA estarão mais focadas no aprendizado sobre o universo digital porque acredita-se que a educação do futuro deve se concentrar em ajudar as pessoas a desenvolver uma bússola confiável para navegar nesse mundo VUCA.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) recomenda o trabalho com textos informativos desde o Ensino Fundamental até o Médio, e muitos educadores o fazem preferencialmente por meio dos jornais, sejam eles impressos e digitais. No entanto, os livros informativos podem também dar conta dessa tarefa de forma extremamente criativa e inteligente, favorecendo a leitura crítica do mundo em que vivemos ao trazerem para a sala de aula assuntos do cotidiano das crianças e jovens ou temas considerados difíceis. E farão isso não apenas de maneira mais ampla uma vez que as notícias costumam trazer informações mais superficiais (ou básicas) sobre os assuntos que abordam, mas sobretudo porque a leitura de textos impressos propicia uma “leitura profunda” que, entre outros benefícios, favorece a empatia, como diz a neurocientista Maryanne Wolf, autora livro livro O cérebro no mundo digital: os desafios da leitura na nossa era

Os dois aspectos mais importantes da leitura profunda são a empatia e a análise crítica. A empatia leva à compaixão por meio do sentimento e do afeto por outras pessoas. Se você não lê coisas que encorajam a empatia, tende a ver os outros como inimigos em vez de aprender algo e ir além de si mesmo. (Maryanne Wolf, neurocientista)

Os livros informativos, portanto, são bússolas seguras que podem ajudar as crianças e jovens a navegarem não apenas nesse mundo VUCA, mas principalmente a aprenderem a se posicionar nele, encontrando maneiras de atuarem de forma ética, saudável e sustentável, sendo protagonistas das mudanças que desejam.

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Januária Cristina Alves é mestre em comunicação social pela Universidade de São Paulo (USP), jornalista, educomunicadora, autora de mais de 60 livros infantojuvenis, duas vezes vencedora do prêmio Jabuti. É autora do livro Abecedário de personagens do folclore brasileiro (FTD Educação e Edições SESC), fonte de pesquisa da série "Cidade Invisível" (Netflix) e de Heróis e Heroínas do Cordel (Companhia das Letrinhas).  É pesquisadora de cultura popular brasileira, com ênfase nas histórias de tradição oral do folclore brasileiro, e também de Educação Midiática. É, ainda, colunista do Nexo Jornal, membro da Associação brasileira de pesquisadores e profissionais em educomunicação - ABPEducom e da Mil Alliance, a Aliança global para parcerias em alfabetização midiática e informacional da Unesco.

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