Camila Fremder: “A parte mais difícil de ser mãe é perceber que você não controla tudo”

27/02/2023

Escritora, roteirista, podcaster, influencer, madrasta e mãe. Dá para cansar só de saber quantos papéis Camila Fremder desempenha todos os dias. Conciliar tudo é possível, mas, segundo ela, exige aprender a abrir mão de várias coisas e conseguir aceitar que, às vezes, é preciso falar ‘não’. Mas, recentemente, Camila disse ‘sim’ para uma ideia que a colocava em mais um papel (a de escritora de livro infantil) e que surgiu ao prestar atenção em uma amiga inventada pelo filho dela, Arthur, 4 anos.

O pequeno, que é fruto do antigo relacionamento de Camila com Antônio Lee, filho de Rita Lee, começou a conversar com a própria mão, aparentemente. E isso acontecia sempre que ele parecia sentir medo de algo. Camila perguntou com quem ele estava falando e descobriu Quibe, uma formiga pequenina, mas muito corajosa. Então, os dois decidiram criar várias aventuras diferentes para ela, como, por exemplo, voar de carona em uma abelha. Assim nasceu Quibe, a formiga corajosa (Companhia das Letrinhas).

Camila Fremder escreveu Quibe, a formiga corajosa com a ajuda do pequeno Arthur

Foi por meio do livro, que Arthur entendeu o trabalho da mãe. A criação de Quibe e a transformação das histórias dela em um livro, que fala de medo e coragem, levou o pequeno a fazer parte do processo, a entender a ilustração e até a sentir na pele a empolgação de ir a uma livraria e saber que alguém procurou por sua obra. Arthur está até dando autógrafos!

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Para entender um pouco melhor como foi esse processo criativo, a ideia de transformar a amiga imaginária de Arthur em livro e outros detalhes, batemos um papo com Camila. Aqui, ela também fala sobre os desafios da maternidade, de conciliar a criação dos filhos com a carreira e de como as crianças nos mostram que, não, nós não controlamos absolutamente nada. Confira: 

Como surgiu a história da Quibe? Foi o Arthur que ajudou a inventar?

Camila Fremder: A Quibe foi uma invenção do Arthur. Ele começou a andar com a mãozinha, assim, em formato de concha. Aí, ele olhava para a mão e falava com ela. Um dia, eu perguntei: ‘Filho, o que você está fazendo?’ E ele falou: ‘Estou falando com a Quibe’. E eu: ‘Quem é Quibe, filho?’ Ele: ‘É a minha formiga, minha amiga’. Eu entendi que era uma amiguinha imaginária e percebi que esse papo da Quibe começava sempre à noite, porque ele tinha medo de dormir sozinho. Antes, eu tinha que esperar ele dormir para sair do quarto, mas ele começou a ficar mais seguro. Ele dizia: ‘Tudo bem, vou dormir com a Quibe’. Nisso, a Quibe começou a viajar com a gente, a participar do almoço, ela ia e voltava da escola com ele, visitava a avó dele… Um dia, eu propus: ‘Vamos escrever uma história sobre a Quibe? Você topa?’ Foi quando eu contei para ele que eu escrevia livros. Ele não sabia. A gente fez um primeiro livro, de brincadeira, no papel sulfite, mesmo. Ele falava o que eu tinha que escrever e eu escrevia. Ele fazia os desenhos. As aventuras começaram a ganhar força porque ele sempre fala que ela é minúscula, mas muito corajosa. 

Quibe ajudou mesmo o Arthur a enfrentar os medos dele? 

Ele ainda tem medo de escuro, então, deixamos uma luzinha acesa. Mas a Quibe aparece sempre em dois momentos. Um é quando ele está com medo de alguma coisa. Ele fala, por exemplo: ‘Mãe, você acha que a Quibe desceria nesse escorregador?’. É a medida dele. Se eu falo: ‘Ah, eu acho que sim. Ó lá, ela foi!’. Aí, ele vai. O outro é quando ele está entediado. Nas férias, eu estava trabalhando em casa, o padrasto estava viajando a trabalho, minha enteada não estava aqui, e aí eu olhava para o Arthur e ele estava falando, falando, falando… Estava conversando com a Quibe. 

Qual foi a reação dele quando viu que a história virou livro? 

Ele foi entendendo aos poucos. Quando achamos a Ju (Juliana Eigner), que é a ilustradora, maravilhosa, eu falei para ele: ‘Estou falando com a moça que vai desenhar a Quibe, como você acha que ela é? Quer contar como é o seu quarto?’ Então, fizemos essa ponte com a ilustradora. Aí ele viu os desenhos, achou superlegal, viu a capa. Aí, começou a entender melhor e começou a perguntar: ‘Mas, mãe, esse livro vai estar na livraria? As pessoas vão poder comprar?’. Eu respondia: ‘Vão, filho’. E ele: ‘Mas e quem mora no Rio de Janeiro?’. Porque o padrasto dele viaja muito para o Rio, a trabalho. Eu: ‘Também, filho, também vai poder comprar’. O livro chegou primeiro aqui e ele ficou muito ansioso para ver na livraria. Fomos a uma livraria e ele viu o livro lá para vender. Foi muito engraçado, porque ele entrou meio decidido: ‘Estou procurando meu livro’. Acho que uma das vendedoras me seguia [nas redes sociais], porque ela falou: ‘Esse, da Quibe?’. E pegou numa pilha. Ele falou: ‘É’. Aí ele perguntou: ‘As pessoas estão comprando?’. Achei muito bom porque é toda a aflição do escritor, né? ‘Meu livro está tendo saída?’ Daí a moça falou: ‘Hoje três pessoas já vieram comprar’. Ele ficou muito passado. Compramos um para a avó dele e ele deixou na portaria dela. Ele escreveu o nome dele. Por enquanto, Arthur escreve e lê poucas palavras, mas o primeiro autógrafo foi para a minha mãe (risos). 

Você se imaginava escrevendo um livro infantil, em algum momento da vida, antes de ser mãe?

Não. Nunca tive planos de escrever um livro infantil. Quando fiz um conto para o livro De repente adolescente, achei muito legal a ideia de escrever para o público pré-adolescente, talvez porque a minha memória dessa época seja mais fresca. Mas eu não imaginava. Conforme Arthur inventava as histórias, eu pensei: ‘Cara, por que não, né?’ Aí, mandei uma mensagem para o pessoal da Companhia das Letrinhas, mas muito: ‘Olha, se não quiserem, tudo bem, eu entendo que não é minha praia, se não estiver bom, ok’. Mas aí foi super rápido. Mandei, a Júlia [Schwarcz, publisher dos selos infantis da Companhia das Letras] me sugeriu duas mudanças, que eu topei na hora. Achamos a Juliana, a ilustradora, que foi rapidíssima também e o livro foi. Minha impressão foi de que ele saiu em um minuto. 

O que mais a maternidade mudou na sua vida? 

Ah, eu acho que eu fui uma criança, uma adolescente muito apressada para ser adulta. Ser mãe é reviver essa minha adolescência pela minha enteada e a infância apressada que eu tive com mais calma, através deles. Sinto que percebo mais as coisas, eu curto mais e sou uma mãe muito babona. Não achei que eu ia ser tanto. E de rotina mudou tudo, sono, os horários, os programas, tudo.

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Você tem uma vida profissional repleta, com podcast, livros, etc. Conciliar maternidade e carreira é uma eterna batalha. Como você consegue se organizar para tentar equilibrar minimamente todos esses pratos? Saber que, muitas vezes, não dá para equilibrar, também é importante?

É uma eterna batalha e traz aquela sensação de que você não está fazendo nada direito (risos). Não está trabalhando direito, não está sendo mãe direito, não está se cuidando direito, não está dando atenção para ninguém direito, mas, enfim, no final, dá certo. Eu presto muita atenção se eu não estou perdendo tempo com besteira. Acho que a vida, com maternidade e trabalho, conciliando tudo, precisa ser muito prática. Então, resolvo as coisas rápido, não fico enrolando muito em cima de um problema, se não deu, não deu, você fica mais conformada com as mudanças de planos.

Ah, acho que, para mim, foi uma lição de que eu não controlo tudo, né? Porque quando é só você, você tem essa sensação, mas quando tem uma criança envolvida… Por exemplo, você planeja uma viagem no final de semana. Aí a criança fica doente. Muda tudo (risos)! Então, você idealiza uma situação e não acontece dessa maneira. É algo muito clássico, não é? É cansativo mesmo. Eu e o André [o companheiro de Camila] ficamos mais espertos para isso agora e tentamos ter umas férias, só eu e ele, porque acabamos sendo engolidos por trabalho e filhos e, quando vimos, estávamos juntos há três anos, sem nunca ter viajado sozinhos. Então, fizemos isso agora, no final do ano, para tirar um pouco o pé do acelerador, né? A gente cai nessa roubada de ser hiperprodutiva e dá muita ansiedade, trabalhar na internet, enfim, isso é papo para outra história…

Imagem do livro infantil Quibe, a formiga corajosa, de Camila Fremder

Para você, qual é a parte mais difícil de ser mãe? 

A parte mais difícil de ser mãe é você perceber que não controla tudo, ter de lidar com imprevistos. Acho que comecei a ter mais jogo de cintura. Eu sou muito pautada na agenda, nos horários. Então, qualquer imprevisto derrubava tudo para mim (risos). E, aí, não adianta você ficar querendo abraçar o mundo. Tem horas que você fala: ‘Ah, não vou conseguir ir’, ‘Não vou conseguir entregar’, ‘Não posso pegar esse trabalho’, você abre mão de mais coisas.

Pensa em ter outro filho?

Não quero ter outro filho. Estou muito bem. Sou madrasta da Luísa, que tem 12 anos, mãe do Arthur, mãe de pet. Estou muito completa dessa maneira. Para o Arthur, a Luísa é uma irmã mesmo porque quando ele a conheceu, ele não tinha nem 2 anos, tinha 1 ano e 10 meses. Então, para ele, é essa relação de irmã mesmo. Estou completa nessa configuração. 

Você pretende escrever mais livros infantis? Qual o balanço da experiência para você? 

Eu quero muito escrever mais livros infantis. Eu já tinha escrito em dupla. Tenho dois livros com a Jana Rosa [Enfim, 30], que  é uma amiga, e achava muito legal fazer parceria. Agora, descobri como é uma parceria também em livro infantil, por conta da ilustração. Eu amei trabalhar com a Ju e, com certeza, quero fazer mais livros da Quibe porque a história evoluiu. O Arthur já criou a mãe da Quibe, que se chama Ciara, tem os amigos da Quibe... Então, quando chegou esse primeiro exemplar, ele abriu o livro, viu, ficou todo empolgado e já falou: ‘Mas a gente vai ter que fazer outro, porque esse não tem a mãe da Quibe, a Ciara (risos)’. Então, a história evoluiu muito, a Quibe já fez mil coisas que eu acho legal contar, para ajudar nos medos e tal, além de ser uma delícia ter essa parceria com a ilustração. É superlegal você ver uma outra pessoa transformando a sua história em imagem. 

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