Nesta segunda-feira, 8 de abril, teve início a 5ª edição da Jornada Pedagógica da Companhia na Educação. Com uma programação que vai até o dia 11 de abril, a Jornada propôs como tema para 2024 a reflexão: Literatura Pra Quê? Entre a arte e a educação. E já na primeira mesa, que contou com a participação professora Diana Navas, o sociólogo e professor Mário Medeiros, e a jornalista e autora Socorro Acioli, as reflexões tiveram como norte o tema Educação Literária: entre a arte e temática, trazendo reflexões sobre o papel da literatura de ficção e não-ficção na sociedade e no processo de aprendizagem da comunidade escolar.
Participantes da mesa de abertura da Jornada Pedagógica 2024
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“A literatura precisa servir para alguma coisa ou ela é um fim em si mesma? Qual o compromisso da literatura com a realidade? Qual o papel da literatura e da leitura no ambiente escolar? Essas e tantas outras questões, que serão debatidas durante a Jornada, surgiram ao longo desses cinco anos de discussões e darão o tom para o debate”, a mediadora Rafaela Deiab, Supervisora do Departamento de Educação da Companhia das Letras, refletiu na abertura da mesa.
Para começar as reflexões, a professora e doutora em literatura portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), Diana Navas, trouxe uma fala bem esclarecedora sobre o papel da literatura na formação escolar. “Para poder pensar essa questão, o primeiro passo que temos que deixar claro é a diferença entre leitura e leitura literária. Pode parecer óbvio, mas nesse momento que vivemos em que livros são cancelados, é primordial pensar nisso, entendendo que cada uma possui focos, abordagens e objetivos diferentes com o leitor”, explica ela.
A professora Diana Navas junto com a mediadora Rafaela Deiab
Para Diana, é fundamental entender que a leitura é o ato de decodificar símbolos para compreender o significado de um texto dos mais diversos gêneros – manuais, notícias, etc. – com os mais variados objetivos, enquanto a literatura vai muito além disso.
“Ler um texto literário significa ir além dessa decodificação. Ler literatura significa também considerar apreciação estética e compreender que estamos diante de um objeto artístico. A leitura literária não está a serviço de algo. Ela busca fazer com que nós leitores possamos nos apropriar de diferentes camadas de sentido. A forma como o texto literário se apresenta explora questões estilísticas, o uso de figuras de linguagem, a linguagem simbólica, ou seja, ele nos possibilita alcançar diferentes sentidos. A literatura dialoga com a vida.” Diana Navas
A professora reforçou ainda que a leitura literária é uma forma de romper com o estabelecido, revelando nas pessoas sentimentos que muitas vezes são difíceis de serem ditos e, assim, vai deixando marcas. “Quando a gente fala de ‘olhos de cigana oblíqua e dissimulada’ todo mundo lembra de Capitu. Mas ninguém lembra do texto de uma notícia, porque a linguagem referencial é a linguagem do esquecimento. Já a literatura propicia uma aprendizagem significativa, pois apela para o sentimento”, disse ela.
Para finalizar, Diana lembrou da importância de a literatura estar presente em todos os espaços, não só nas aulas de Língua Portuguesa. Por isso, a formação de leitura é tão necessária, não só para alunos, mas sobretudo para os professores. “Os professores precisam também ser leitores. E leitores autônomos, que leiam além dos materiais que estão indicando em aula. E quando eu falo de ser leitor, eu não estou apenas falando com os professores de Português. A gente precisa ter em mente que esse diálogo homem e vida que a literatura proporciona precisa estar presente na vida de todos os professores da escola”, finalizou ela.
Mas para quê serve a literatura, afinal?
Na sequência, o sociólogo e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Mário Medeiros, trouxe uma visão potente e crítica à necessidade de buscarmos uma função para a literatura. “Eu falo de um lugar de leitor que teve a literatura presente na vida desde a infância. E, num segundo momento, que a viu como um sociólogo. Vi na literatura um fenômeno social e a vejo pela lente das ciências sociais como uma forma de compreensão de mundo dos diferentes contextos sociais”, reforça ele.
Seguindo nesse pensamento, Mário relembrou que o modo de produção capitalista nos reforça a ideia do utilitarismo, de um mundo em que tudo precisar ter serventia.
“É um mundo que não dá espaço nem valor para a fruição, a imaginação. Se não atribuirmos sentido para algo, não vale nada. Por isso, ser inútil é também subversivo. Digo que a literatura serve para nada e para tudo, pois de um outro lado, é ela que possibilita essa imaginação e a possibilidade de extrapolar os limites da vida cotidiana”. Mário Medeiros
Na sequência, o sociólogo falou sobre uma leitura desinteressada, que pode romper com limites variados, como raça, classe, gênero, limites geográficos e tantos outros. “A literatura me permite ver o mundo pelos olhos de autores como Maria Carolina de Jesus, que era uma devota da literatura, que inclusive também a fazia extrapolar os limites da vida dela. Carolina era uma favelada que toda noite tinha um caderno em que fabulava um mundo possível. De fato a literatura é algo que vai além da realidade”, disse ele.
Para finalizar, Medeiros comentou sobre o trabalho desenvolvido pela Quilombhoje, editora que há 46 anos vem trabalhando formas negras de estar no mundo por meio da literatura negra. “Iniciativas assim possibilitam que grandes nomes, como Conceição Evaristo, por exemplo, se tornassem conhecidos do público interessado nessa perspectiva das formas negras de estar no mundo.
O papel do autor: construir pontes
Socorro Acioli refletiu sobre o papel do autor na Jornada Pedagógica 2024
Para encerrar a primeira mesa da Jornada, a renomada professora, escritora e jornalista Socorro Acioli falou sobre de que forma a literatura pode ser utilizada na construção de um novo mundo. Socorro é autora do livro A Cabeça do Santo (Companhia das Letras, 2014), Oração para desaparecer (Companhia das Letras, 2023) e do infanto-juvenil A bailarina fantasma (Seguinte, 2015) . Também é autora de Ela tem Olhos de Céu (Gaivota), ganhador do prêmio Jabuti de literatura infantil, emuito utilizado em escolas.
“Percebi que o meu papel, o papel do escritor, é muito importante pois somos nós quem criamos pontes entre a nossa alma e nosso coração com outras almas e outros corações”. Socorro Acioli
Depois a autora falou do processo de criação do livro Ela Tem Olhos de Céu e de como a criação da sua avó, sertaneja do Ceará, influenciou seu olhar para a relação dos homens com a natureza. “Foi assim que nasceu esse livro, muito tomada pela emoção, pois a personagem tem o nome de minha avó. O livro traz essa conexão que só a literatura pode proporcionar”, disse ela. Socorro ainda trouxe a reflexão sobre a idade do público a que se destinam as obras e que o autor não deve ficar preso a isso. “Se um livro classificado como infantil toca, emociona um adulto, ele cumpriu seu papel do mesmo jeito, não é isso que deve definir o trabalho do autor”, lembrou.
Para finalizar, a autora falou do impacto que suas obras têm na vida dos leitores, que escapa ao controle do autor. “Meu papel como autora, e também de outros grandes autores que admiro, é o de construir uma ponte invisível entre almas e corações. Essa ponte leva a escolas, professores, estudantes, bibliotecários... leva a pessoas que eu nunca vou conhecer. É um aprendizado da leitura dos sentimentos, que é uma coisa que só a literatura pode ensinar”, finalizou ela.
Ao final da primeira mesa, o público trouxe questionamentos sobre censura a livros literários, como o caso do livro Avesso da Pele, de Jefferson Tenório, ideologia e outros pontos, que suscitaram um debate sobre o quanto a literatura possibilita novas perspectivas para seus leitores.
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