Como a organização pode ajudar a vencer a procrastinação

21/01/2025

A mãe diz ao menino para tomar banho. 

Mas ele prefere deixar para depois.


A vizinha, uma senhorinha, pede ajuda ao menino para arrumar seus vasos. Mas ele finge que não a escuta…


O quarto do menino está uma bagunça. Mas agora ele está cansado demais para arrumar.


Soa familiar?

 

Ilustração de 'Amanhã eu faço'

Por que deixar para amanhã ou que se pode postegar para depois de amanhã? A procrastinação é o fio condutor de Amanhã eu faço (Companhia das Letrinhas, 2025)


Em Amanhã eu faço (Companhia das Letrinhas, 2025), novo livro de Arthur Nestrovski, com ilustrações de Bernardo França, um menino vai deixando para depois todas as tarefas que lhe cabem… e tudo vai se acumulando. Mas quem nunca? Deixar para amanhã o que pode ser resolvido hoje parece um mal dos tempos modernos e tem nome: procrastinação. 


O problema é que, especialmente quando se trata da organização da casa e da rotina, essas tarefas que vão ficando pelo caminho - seja a pilha de roupas por lavar ou a dispensa por ser abastecida - atrapalham a dinâmica da família inteira. Para não sobrecarregar, que tal as crianças também fazerem a sua parte? Vai parecer que será preciso uma dose de paciência a mais, mas vai valer a pena!

Sim, tudo na rotina de uma casa fica melhor e mais fácil se cada um “carregar” um pedacinho. Vale para tarefas domésticas, para as obrigações escolares, para realizar um sonho – e para colaborar para que outros integrantes da família realizem os sonhos deles também. Seja começar uma atividade extracurricular ou ter um tempinho reservado na semana exclusivamente para descansar.

Que tal usar a boa desculpa de "um novo ano que começa" tentando fazer isso virar realidade? É preciso, então, definir prioridades - as de cada um e as da família como um todo. Por outro lado, é importante também saber exercitar a flexibilidade para quando tudo "sair dos trilhos". Mais uma vez, a chance de aprender a resolver o que precisa ser resolvido - sem deixar para amanhã, ou depois, ou depois…

Capa de 'Amanhã eu faço'

Capa de Amanhã eu faço (Companhia das Letrinhas, 2025), de Arthur Nestrovski com ilustrações de Bernardo França 

LEIA MAIS: Infância sob o efeito das telas: um papo sobre redução de danos

 

Mas por que é tão difícil se livrar da procrastinação?

Procrastinar é adiar, empurrar com a barriga, deixar para depois - às vezes, para muito depois. Quando nos damos conta, a hora passou, o dia passou, a semana acabou, lá se foi um mês, meio ano, um ano inteiro... e aquela roupa que precisava ir para a costureira continua ali. A ligação que você prometeu fazer não rolou. Os planos de começar a academia continuaram apenas na boa intenção.

Mas não precisa se sentir o último - ou o mais atrasado - dos mortais por isso. Embora muita gente alegue que o estilo de vida contemporâneo, cheio de distrações, mudanças velozes e uma carga excessiva de trabalho, contribua com o adiamento eterno de tarefas aparentemente banais, procrastinar não é algo novo. Em 800 a.C. o poeta grego Hesíodo já alertava que não se deve “deixar o trabalho para amanhã e depois de amanhã” - e o conselho serve bem para os dias de hoje. O próprio termo procrastinar, inclusive, vem do latim, procrastinare, que quer dizer “deixar para amanhã.”

A ciência diz que procrastinar não é necessariamente preguiça, mas uma dificuldade de auto regulação. Alguns estudos mostram que o deixar para depois também pode estar ligado a questões como ansiedade, baixa autoestima e  até heranças de nossos tempos paleolíticos, que tornam difícil acreditar na satisfação em longo prazo e nos empurram a buscar prazeres imediatos. É por isso, que mesmo sabendo que protelar tarefas importantes pode nos deixar tensos e preocupados, deixamos para amanhã mandar aquele e-mail em nome de assistir mais um episódio de uma série qualquer.

Como pais e cuidadores, é importante saber que a procrastinação não é um comportamento exclusivo dos adultos.“Algumas crianças são mais propensas a isso do que outras. Mas ajudar seu filho quando ele procrastina pode fazê-lo perceber a importância de fazer as coisas no tempo certo”, ensina  a psicopedagoga e neuropsicóloga Flávia Valadares.

Vale a pena observar os pequenos para tentar entender se esse comportamento tem raízes mais profundas. “Às vezes, as crianças adiam as coisas que precisam fazer porque têm medo de falhar. Tranquilize-as de que elas não precisam ser perfeitas e que erros podem (e vão) acontecer”. Para ela também é uma boa ideia tentar reajustar a percepção que as crianças têm sobre suas próprias falhas e frustrações. “Quando elas veem seus erros e fracassos como experiências de aprendizado, elas podem crescer e aprender diante deles”, observa.

 

LEIA MAIS: Errar pode ser bom: como ajudar as crianças a valorizar as falhas e aprender com elas

 

Dividir para conquistar - ou melhor, realizar

Ilustração de 'Amanhã eu faço' (Companhia das Letrinhas, 2025)

Em Amanhã eu faço (Companhia das Letrinhas, 2025), o menino precisava levar o cachorro para passerar. Mas o que ela faz com a preguiça?

Uma dica para ajudar a vencer a procrastinação é dividir as tarefas maiores em etapas menores. “Para uma criança, olhar para uma tarefa ou projeto grande pode fazer com que pareça maior do que realmente é”, diz a especialista. “Concluir um ‘pedaço’ pode aumentar a motivação e fazer com que se sinta realizada. Como resultado, ela ficará mais animada para passar para o próximo passo, até que toda a tarefa esteja concluída”, sugere.

Flávia ressalta que remover as distrações também é fundamental. E precisamos admitir que isto é um problema para os adultos também. Atire o primeiro post-it quem nunca se distraiu com notificações de e-mails ou mensagens - e quando viu, ficou meia hora pulando de uma aba para a outra…  As crianças também podem perder o foco, diante de eletrônicos, da televisão ou até mesmo da própria imaginação.

“Lembre-se: você ainda é o adulto da relação, e uma grande parte da criação dos filhos é estabelecer limites para eles. Se eles têm problemas em procrastinar com o dever de casa ou outras tarefas, defina regras e deixe-os saber que você espera que sejam seguidas”, diz a neuropsicóloga.

 


 A procrastinação é um comportamento aprendido, o que significa que também pode ser desaprendido. Para ajudar a criança a ter sucesso, é importante que você seja consistente e um bom modelo dos comportamentos que você quer ver”, Flávia Valadares e psicopedagoga e neuropsicóloga


LEIA MAIS: Propósito de vida e persistência: realizar sonhos e conhecer a si mesmo

A literatura também pode ajudar. Em Amanhã eu faço, além das crianças se identificarem com a procrastinação do protagonista - o que pode ser um bom gancho para abordar a dificuldade de dar conta das tarefas em casa -, vale lembrar que o próprio menino admite que sente prazer em realizar aquilo que tinha escolhido deixar para mais tarde. Então, que tal aprender a celebrar com seu filho mesmo as pequenas realizações? Elogiar quando algo foi bem executado, destacar como a criança foi criativa em resolver algum problema e como é boa essa sensação de poder resolver coisas sozinha, ganhando cada vez mais autonomia: tudo isso também pode motivá-la.

 

Organizar antes de realizar

Quando as tarefas estão mais bem organizadas e há clareza do que deve ser feito, quando e por quem, fica bem mais fácil. Então, que tal começar pelo básico? Como tornar, por exemplo, a experiência de ir à escola melhor para todos? É importante parar um segundo para analisar o que precisa ser feito, para que a rotina escolar funcione da melhor forma, não só para os pequenos, mas também para os pais. Podemos abrir mão ou mudar o horário de uma atividade extracurricular que começa muito cedo e causa estresse, por conta dos atrasos? Podemos pensar em caronas coletivas com outras famílias? Ajuda se deixar os uniformes e lanches preparados na véspera- será que cada criança já pode ser responsável pelo seu? O começo do ano é o  momento perfeito de sentar em família e rever a rotina – sem apego – para reorganizar a rota. Equilíbrio é a chave.

Além disso, em alguns casos, é preciso focar em uma atividade principal e mergulhar nela, para executá-la da melhor forma. Quando uma criança está em adaptação escolar, por exemplo, talvez seja uma boa ideia que a família se concentre por um tempo - o período da adaptação - em ajudá-la a superar esse novo desafio, entendendo como funciona a vida nesse outro ambiente, fora do núcleo familiar, quem são os professores, quem são os amigos, a rotina por lá... 

No livro Guia animal para se dar bem na escola (Brinque-Book, 2025), Laura e Philip Bunting usam leveza, bom humor e uma linguagem direta para ajudar os leitores a "dissecarem" a vida escolar, preparando-se para encarar tudo da melhor forma. De forma natural, o livro vai espalhando pequenas dicas que podem ajudar os leitores da primeira infância a se organizarem melhor: de preparar os materias que devem estar na mochila na véspera até como vestir-se de forma apropriada. 

Guia animal para se dar bem na escola (Brinque-Book), Laura e Philip Bunting
Guia animal para se dar bem na escola (Brinque-Book. 2025), Laura e Philip Bunting

Porém, antes de pensar sobre as novidades que o próximo ano vai trazer, a família pode dar uma olhada e aprender com o que já foi. “Um novo ano traz novas oportunidades, metas e aspirações familiares, profissionais e pessoais. Antes de mergulhar nos planos para o ano que vem, é importante reservar um momento para refletir sobre o ano que passou”, sugere a psicopedagoga. “Identifique o que te impulsionou em direção aos seus objetivos de vida e o que te impediu de seguir em frente. Use esses insights para criar um plano mais estratégico e focado. Por isso, é sempre importante analisar possíveis erros”, ensina.

Depois disso, é importante definir as metas, pensando no que cada membro da família precisa e o que deseja fazer, para entender o que é possível, sem estressar todo mundo. Além disso, existem as obrigações de todos em casa, como as tarefas domésticas e responsabilidades, que precisam entrar nessa conta. Coloque tudo em um papel, para definir o que fica e o que vai embora.

LEIA MAIS: Por que (e como) falar sobre dinheiro com as crianças

 

As vantagens de estabelecer metas

As crianças podem e devem participar desse planejamento familiar. Claro, de uma maneira adaptada, de acordo com a idade. Mas acredite: elas quase sempre são capazes de muito mais do que os adultos supõem, tanto em matéria de dar suas opiniões quanto de assumir tarefas.

Segundo Flávia, traçar metas traz efeitos positivos que extrapolam a organização. “Quando definimos metas, nossos cérebros liberam dopamina, um neurotransmissor associado ao prazer e à recompensa, reforçando o comportamento positivo e nos encorajando a permanecer focados em nossos objetivos”, afirma.

É uma lição, que vira hábito, com grandes chances de se tornar uma prática para a vida toda. Sem falar nos impactos positivos no convívio e no relacionamento. “Um dos principais benefícios de definir metas como família é que isso ajuda a estabelecer prioridades e mantém claras as expectativas”, diz a especialista. “Quando todos na família estão trabalhando em direção a objetivos em comum, fica mais fácil priorizar o tempo e os recursos para chegar lá. Isso pode ajudar a eliminar distrações e reduzir conflitos dentro da família. Trabalhar juntos para criar e atingir as metas requer uma comunicação aberta, afetiva e efetiva. Isso pode ajudar a fortalecer os relacionamentos dentro da família e promover um senso de trabalho em equipe”, ensina.

Outro ponto importante: quando o ano começa e todos pensam nos objetivos, no que precisa ser feito e nos desejos de realizações, é comum esquecermos de um detalhe importante: o descanso. Lembre-se de que é fundamental incluir em todo esse planejamento o que há de mais precioso para as crianças, para os pais e para a família como um todo: o tempo livre. Considere a necessidade de pausas e de momentos para aproveitarem juntos ou individualmente sem nada planejado. Isso é necessário para manter a conexão, descansar e ter energia para que todos consigam cumprir sua parte nos combinados.

Guia animal para se dar bem na escola (Brinque-Book), Laura e Philip Bunting

Para ajudar as crianças menores a entender a nova rotina que se inicia com a escola, o Guia animal para se dar bem na escola (Brinque-Book, 2025) traz dicas cheias de humor

Por último, pode até parecer contraditório, mas, apesar de estabelecer metas e objetivos, vale lembrar da importância de pegar leve com você mesmo e com a sua família, durante a jornada. Ser rígido demais também pode atrapalhar. “A flexibilidade é um ingrediente chave na receita para a realização bem-sucedida de metas”, aponta Flávia. “A vida é imprevisível e as circunstâncias podem mudar. Estar aberto a ajustes não significa comprometer suas metas, mas sim adaptá-las a situações, sempre com foco na evolução”, acrescenta.

Dicas práticas para organizar o ano


Animados para começar o ano com um planejamento em conjunto e com o pé direito? Aqui, Flávia reuniu algumas dicas para colocar a mão na massa e iniciar os trabalhos para um 2025 melhor para todos:

Realize uma reunião familiar - Escolha um momento do qual todos possam participar, em um espaço confortável e tranquilo para compartilhar os pensamentos, sem distrações.


Reflita sobre os valores da família - Comecem discutindo o que é importante para cada um e as prioridades da sua família. Considere aspectos como dias de passeios, locais das férias, horários, responsabilidades de cada um.


Identifique objetivos individuais - Permita que cada membro da família seja ouvido e expresse suas metas e desejos pessoais. Isso pode incluir passeios que desejam fazer, hobbies, ou qualquer outra área em que eles queiram se concentrar.


Encontre pontos em comum - Procure temas ou objetivos que se alinhem com os valores da família. Podem ser interesses compartilhados, como passar mais tempo de qualidade juntos, melhorar a comunicação ou realizar uma atividade em comum.


Calendário - Use um calendário para acompanhar os eventos familiares, as atividades escolares e os compromissos. Codifique por cores as atividades de cada membro da família para facilitar a visualização.


Listas de tarefas - Mantenham uma lista do que deve ser realizado por cada membro da família. Isso ajuda todos a acompanhar suas responsabilidades e garante que nada seja esquecido.

Crie rotinas personalizadas - pensando em cada integrante da casa. As rotinas podem fazer parte de um ambiente doméstico organizado e previsível, o que ajuda as crianças e os adolescentes a se sentirem seguros, protegidos e cuidados. E uma vida familiar previsível também pode ajudar as crianças a lidar com mudanças ou eventos da vida como o nascimento de um novo filho, uma viagem ou uma mudança de casa ou de escola.


Diversão - Rotinas construídas em torno de diversão ou do tempo em companhia uns dos outros promovem um senso de pertencimento e fortalecem relacionamentos familiares. Não se esqueça de incluir na rotina atividades como ler uma história juntos antes de dormir todas as noites, compartilhar refeições familiares regulares, ter um ritual de final de semana.

 

LEIA MAIS: Volta às aulas: livros, ideias e reflexões sobre como acolher as crianças

 

Compartilhe:

Veja também

Voltar ao blog