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/ À vistaEstreia no romance do autor irlandês ganhador do Nobel, Murphy revela um Beckett cético e ironista incansável, surpreendentemente barroco, numa obra extraordinária sobre a solidão e a incomunicabilidade, a falha e a linguagem.
Estreia no romance do autor irlandês ganhador do Nobel, Murphy revela um Beckett cético e ironista incansável, surpreendentemente barroco, numa obra extraordinária sobre a solidão e a incomunicabilidade, a falha e a linguagem.
Num quarto de pensão fuleiro, situado no subúrbio de Londres, nu e amarrado por vontade própria a uma cadeira de balanço, Murphy se esforça por fugir aos encantos do mundo exterior, aos apetites do corpo, e se refugiar nas profundezas da sua mente.
Ao contrário do sol, que na abertura desta obra brilha, "sem alternativa, sobre o nada de novo", em Murphy, Samuel Beckett não apenas inova, como inscreve seu nome na tradição da alta comédia filosófica, conferindo forma pessoal ao gênero praticado por Cervantes, Rabelais, Joyce, entre outros. Arquétipo do solipsismo dos heróis beckettianos, "nascido aposentado", o protagonista sonha com um mergulho em seus abismos interiores, entregue a uma vida mental e livre de compromissos mundanos: mulheres (a noiva deixada para trás ao trocar Dublin por Londres; a namorada que insiste para que arrume um emprego), amigos (o poeta Ticklepenny; o filósofo de quem se fez discípulo; um pitagórico) e figuras inconvenientes ocasionais (o detetive contratado para localizá-lo, por exemplo). Numa narrativa em que o primor estilístico não é o menor dos prazeres "no princípio era o trocadilho", proclama, joyceano, o romance , Beckett corta as amarras com a convenção realista e se impõe, inventor de linguagem, desde o princípio.