Quase cem anos depois do primeiro vôo do 14-Bis, o ilustrador e cartunista paulistano Spacca publica uma história em quadrinhos sobre a vida de Santos-Dumont [1873-1932] - projeto que tomou quase três décadas da vida do autor.
Quase cem anos depois do primeiro vôo do 14-Bis, o ilustrador e cartunista paulistano Spacca publica uma história em quadrinhos sobre a vida de Santos-Dumont [1873-1932] - projeto que tomou quase três décadas da vida do autor.
O título honorífico pela paternidade da aviação é uma polêmica que se arrasta há um século. Quem teria tido o privilégio de ser o dono do vôo pioneiro de um equipamento mais pesado que o ar? Seria o brasileiro Alberto Santos-Dumont ou os Wright, dois irmãos norte-americanos?
O cartunista Spacca resolve colocar sua colher nessa polêmica e conta, nos quadrinhos de Santô e os pais da aviação, a evolução da tecnologia aeroespacial a partir da biografia romanceada de Santos-Dumont e dos irmãos Wright, desde seus primeiros pendores e esboços até a efetiva invenção (e sucesso) do avião, em 23 de outubro de 1906. Durante o tortuoso percurso que levou ao vôo inaugural, há espaço para inúmeras peripécias, realizações e infortúnios vividos paralelamente pelos três, e por diversos outros inventores envolvidos com o sonho de voar.
Fruto de um trabalho em conjunto, os primórdios da aviação são muito mais do que uma simples disputa entre nações, como o próprio Spacca explica com mais detalhe, na entrevista abaixo. Uma cronologia, um mapa da Paris de Santô, um texto introdutório e uma bibliografia acompanham a história.
De onde surgiu a idéia do livro?
A princípio, quis contar a história de Santos-Dumont por uma ótica nacionalista, para mostrar que os irmãos Wright não mereciam a glória de ter inventado o avião. Com o tempo e as pesquisas, fui me convencendo de que o avião foi uma espécie de invenção coletiva, e que os pioneiros se influenciaram mutuamente. Gostei de descrever essa "Babel" de inventores, um de cada país, perseguindo o mesmo sonho. E acho que esse ponto de vista é novo para o público brasileiro, que parece precisar ser sempre o campeão do mundo.
Como foi o processo de criação?
Durante muitos anos (desde 1979), desenhei o personagem e comprei livros relacionados ao tema e à época. Quando decidi fazer uma história em quadrinhos, trabalhei para dar forma dramática e divertida ao roteiro, mantendo fidelidade aos fatos. Só com o roteiro pronto é que procurei a editora. Foi difícil descobrir uma motivação para Santos-Dumont à altura da trajetória dos Wright (que eram pobres; é mais fácil torcer por um herói pobre...). Transformei a facilidade inicial de Santos-Dumont - que recebeu todas as condições para se dedicar exclusivamente aos seus aparelhos - em uma espécie de missão pesada, um fardo que o pai poderoso transmitiu a ele pouco antes de morrer. Como os Wright também tiveram um inspirador mártir, o Otto Lilienthal, estruturei o livro nessas duas histórias paralelas, que vão se cruzando e articulando, enquanto o mundo se encaminha para a Primeira Guerra Mundial.
Você se inspirou em algum trabalho específico?
As influências são inúmeras: assisti muito making-off de filme para aprender a estruturar uma história. Por exemplo, o tom da amizade de Santô com o cartunista Sem foi inspirada no filme Jules et Jim, de Truffault; outras vezes eu pensava em Spielberg, Zemeckis e outros cineastas. O personagem Jacinto de Tormes de A cidade e as serras, de Eça de Queiroz, inspirou em parte o "meu" Santô. Nos quadrinhos, peguei alguma coisa de Carl Barks (o inventor do Tio Patinhas) quanto ao uso de silhueta e nuvens com sombras negras, e também Uderzo (Asterix), Morris (Lucke Luke) etc. E tenho ainda lembranças da fazenda de café que meu avô administrava, em que passava férias quando era criança.