Um retrato afetivo da vida em família na São Paulo do início do século XX.
Um retrato afetivo da vida em família na São Paulo do início do século XX.
Publicado em 1979 e transformado em minissérie da rede Globo em 1984, Anarquistas, graças a Deus é o livro de estréia de Zélia Gattai e seu primeiro grande sucesso.
Filha de anarquistas chegados de Florença, por parte do pai Ernesto, e de católicos originários do Vêneto, da parte da mãe Angelina, a escritora trazia no sangue o calor de seus livros. Trinta e quatro anos depois de se casar com Jorge Amado, a sempre apaixonada Zélia abandona a posição de coadjuvante no mundo literário e experimenta a própria voz para contar a saga de sua família.
É assim que ficamos conhecendo a intrépida aventura dos imigrantes italianos em busca da terra de sonhos, e o percurso interior da pequena Zélia na capital paulista - uma menina para quem a vida, mesmo nos momentos mais adversos ou indecifráveis, nunca perdeu o encanto. A determinação de seu Ernesto e a paixão pelos automóveis, a convivência diária com os irmãos e dona Angelina, os sábios conselhos da babá Maria Negra, as idas ao cinema, ao circo e à escola, as viagens em grupo, o avanço da cidade e da política - nestas crônicas familiares, vida e imaginação se embaralham, tendo como pano de fundo um Brasil que se moderniza sem, contudo, perder a magia.
Exímia contadora de histórias, Zélia as transforma em instrumento privilegiado para o resgate da memória afetiva. Foi Jorge Amado quem, um dia, lendo um conto de qualidade duvidosa que Zélia rascunhava, pescou essa veia de documental. Apontou-lhe o caminho e mostrou que ela se alimentava de sua rica ascendência familiar. Surge assim a Zélia memorialista, para quem a literatura provém não tanto da invenção, mas do trato apurado da memória e do desfiar cuidadoso, mas sem melindres, da intimidade.
Em suas mãos, a literatura se torna, mais que confissão, auscultação do mundo. É tendência para o registro e o testemunho, que cimentam não só um estilo quase clínico de observar a existência, mas uma maneira de existir. Pois é da persistência do espanto que Zélia, em resumo, trata. Se Jorge Amado foi uma espécie de biógrafo involuntário do Brasil, Zélia Gattai se afirma como a grande narradora de nossa história sentimental.