E para terminar...

05/07/2016

Por Mell Brites

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Fotos: Antonio Castro e Mell Brites

Dia 5

Já de volta a São Paulo e ainda agitada -- mas feliz -- com a quantidade de informações e experiências que absorvi nesses dias de Flipinha, concluí que um bom jeito de encerrar este diário seria com o depoimento de Antonio, da equipe da Companhia das Letrinhas, sobre a sua ida a uma escola municipal ao lado da autora Patricia Auerbach, e com um relato sobre a estreia na festa literária de Adriana Carranca, que escreveu o nosso já best-seller Malala, a menina que queria ir para a escola. Vamos nessa, então, e deixo aqui um obrigada a todos que leram, comentaram e se animaram com os textos!

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No segundo dia de atividades da Flip, acompanhei a escritora Patricia Auerbach em uma atividade que, embora aconteça nos “bastidores” da festa, é motivo de muitas alegrias, risadas e encontros pelos arredores de Paraty. A chamada Operação Flipinha escala autores infantis das mais variadas editoras e os leva até escolas -- todas elas públicas e muitas localizadas na periferia da região -- para falar um pouco dos seus livros que foram trabalhados na sala de aula com os pequenos. Quando Patricia chegou à Escola Municipal Pingo de Gente, com uma bolsa grande e colorida nas costas, as crianças nem desconfiavam do que estava prestes a acontecer -- algumas a olhavam meio de lado, outras pareciam nem notar a presença da autora de Histórias de antigamente e Pequena grande Tina, sendo que este último título, a história de uma menina que quer muito crescer, acabara de ser lido por elas.

O espaço da escola era pequeno, alguns pais de alunos dividiam cadeiras e por alguns minutos pensei se tudo correria bem. Porém, a plateia (cuja faixa etária ia de 4 a 6 anos) que estava sentada sob o sol da manhã paratiense, olhando para Patricia, logo mostrou ao que veio. As crianças tentavam a todo custo chamar a atenção da autora: algumas queriam lhe contar de um primo ou amigo que também mora em São Paulo, outras iam até ela e a cutucavam para falar como se chamavam. Mas essa ansiedade inicial passou rápido, não só porque Patricia sabia muito bem com quem estava lidando, mas, principalmente, por confiar no poder que as suas “histórias de antigamente” possuíam. Primeiro ela fez uma pergunta: “quem aqui gosta de sorvete?”, e, depois, começou a contar do seu avô que, quando menino, não tinha geladeira em casa -- o que fez muitos dos pequenos ouvintes arregalarem os olhos, abrirem a boca e ouvirem as palavras de Patricia quase sem piscar.

Ver aquilo tudo acontecendo não me deixava só com saudades de ser criança, mas também me fazia entender o que a literatura e as histórias são capazes de fazer, não importa a idade do leitor. O auge do dia foi quando Patricia abriu sua bolsa e tirou a boneca Tina lá de dentro. A plateia foi à loucura: as crianças se aproximaram das duas, querendo ouvir tudo que Tina e Patricia tinham para falar. Não importava que a boneca não era uma menina de verdade -- eles haviam lido sobre ela, fizeram seu desenho, conversaram sobre a sua história. Como ela, todos também queriam crescer e alcançar a pia do banheiro ou a gaveta mais alta do guarda-roupas.

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Pode ser presunçoso afirmar, mas senti que cada um daqueles pequenos leitores estava experimentando pela primeira vez o sentimento de empatia para com a personagem de um livro. Depois que saímos da escola -- não antes de Patricia autografar muitos livros, tirar fotos, marcar sua altura na parede da escola e responder várias vezes um aluno que queria saber quando seria o recreio —, pensei sobre tudo aquilo que acabara de acontecer: não são muitas as vezes que, enquanto alunos, vemos personagens tomarem vida pelas mãos dos seus próprios autores, e é exatamente para isso que a Operação Flipinha se presta. E foi aí que percebi que a Flipinha não é (e nem tem que ser) negócio de gente grande, não. Mas, por isso mesmo, ela é das coisas mais sérias e incríveis que acontecem nas ruas de Paraty.v

Antonio Castro, da equipe editorial da Companhia das Letrinhas.

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Adriana Carranca na Flipinha

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Como autora convidada da festa, a jornalista e escritora participou da programação oficial. Foi à Tenda da Biblioteca conversar com as crianças, a escolas que participam do projeto Operação Flipinha e falou sobre novas mídias no Espaço Itaú Cultural de Literatura, ao lado de Angela-Lago e Marcelo Rubens Paiva.

Na tenda, Adriana contou sobre sua viagem ao Vale do Swat, na conturbada fronteira do Paquistão com o Afeganistão, onde esteve para conhecer a infância da paquistanesa Malala Yousafzai, a mais jovem ganhadora do Nobel da Paz. Usando como exemplo a trajetória de Malala, Adriana falou do amor aos livros e do poder transformador da educação. Também relatou um pouco do seu trabalho como jornalista em áreas afetadas por crises humanitárias e guerras, e não deixou de chamar a atenção de todos sobre a importância de contar histórias reais às crianças, numa época em que elas estão cada vez mais conectadas com o mundo e têm mais acesso à informação. No final de sua participação, Adriana mostrou alguns tipos de véu usados no mundo muçulmano, e foi então que uma das crianças, a Lorena, quis vestir a burca. A autora perguntou à menina: “Quem está dentro da burca?”. Quando veio a resposta de que era ela própria, Adriana completou: “Viu? Continua sendo a Lorena! Embaixo do véu, das roupas, dos costumes e tradições de um povo, existem pessoas. Pessoas com desejos e direitos iguais aos nossos”.

Na Escola Municipal Cilencia Rubem de Oliveira Mello, a autora se emocionou ao ser recebida com cartazes com frases de Malala e palavras em árabe e pashtun, os idiomas falados pela personagem, além de desenhos lindos feitos pelos alunos e inspirados nos de Bruna Assis Brasil, ilustradora do livro de Adriana. Ela disse que uma das experiências mais legais foi conhecer Victor, um menino de dez anos, que adaptou o texto de Malala, a menina que queria ir para a escola para a história de uma personagem brasileira. “Malala poderia ser qualquer criança brasileira, nascida em uma área isolada, carente de escolas, ou em uma comunidade onde a violência impede tantas meninas e meninos de estudar. Foi muito interessante ver que o Victor fez esse paralelo.” Outro momento emocionante para ela foi quando os alunos apresentaram uma peça de teatro baseada em seu livro: “É uma emoção para o autor ver seu texto interpretado pelos leitores”.

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Na segunda escola que conheceu, a EM Professora Pequenina Calixto, os alunos haviam espalhado frases do livro pelas salas e receberam a autora no espaço da biblioteca com uma apresentação de música, feita por três adolescentes que tocaram flauta e saxofone. No final, eles fizeram uma entrevista com a autora. Já na Escola Comunitária Cirandas, ela respondeu a perguntas de alunos de todas as idades e conheceu Kaia e Jasmin, que escrevem e ilustram livros juntas e já têm cerca de dez prontos. “É inspirador ver as crianças lendo, escrevendo e criando novas histórias. Isso nos motiva a continuar”, concluiu a escritora.

E depois de tantas experiências em tão pouco tempo, perguntei à Adriana o que, para ela, ficava da Flipinha: “Uma das coisas mais ricas das festas literárias é o encontro com outros autores e a troca de ideias. Este ano, pude conhecer mais sobre o trabalho de escritores de livros infantis como Patricia Auerbach, Blandina Franco, José Carlos Lollo, Odilon Moraes, Angela-Lago e as histórias encantadoras de todos eles. É um momento de renovar as energias. A certeza que fica é a de que a única coisa a fazer agora é escrever, escrever, escrever...”

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Bem, essa me parece uma boa notícia: logo o próximo livro da autora de Malala, a menina que queria ir à escola sai do forno. Não podíamos terminar de maneira melhor!

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Mell Brites é editora da Companhia das Letrinhas e acompanhará os eventos da Flipinha durante a Festa Literária Internacional de Paraty.

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