Trinta anos após Tchernóbil

26/04/2016

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Em 26 de abril de 1986, uma explosão seguida de incêndio na usina nuclear de Tchernóbil, na Ucrânia, provocou uma catástrofe sem precedentes em toda a era nuclear: uma quantidade imensa de partículas radioativas foi lançada na atmosfera da URSS e em boa parte da Europa. Em poucos dias, a cidade de Prípiat, fundada em 1970, teve que ser evacuada. Pessoas, animais e plantas, expostos à radiação liberada pelo vazamento da usina, padeceram imediatamente ou nas semanas seguintes.

Apesar das cenas de horror que se seguiram ao acidente de Tchernóbil, trinta anos após a tragédia o local evacuado, e até hoje contaminado, virou roteiro turístico. Prédios, parques, praças, escolas e hospitais abandonados às pressas: imagens que lembram uma verdadeira cidade fantasma. Mas uma cidade que também foi feita de pessoas que abandonaram seus lares e, mesmo assim, não conseguiram escapar dos efeitos da radiação. Svetlana Aleksiévitch não permitiu que as histórias dessas pessoas fossem esquecidas e transformadas em passeio para turistas. Em Vozes de Tchernóbil, livro que chega hoje às livrarias brasileiras, a Nobel de Literatura reúne relatos de viúvas, trabalhadores afetados, cientistas ainda debilitados pela experiência, soldados, enfim, gente do povo que viveu os horrores daqueles dias, meses e anos em que suas vidas mudaram completamente.

A seguir, leia um trecho do livro em que Svetlana apresenta o roteiro (absurdo) de um passeio a Tchernóbil. 

 

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A Secretaria de Turismo de Kíev oferece viagens turísticas a Tchernóbil. Foi elaborado um itinerário que tem início na cidade morta de Prípiat. Lá, os turistas podem observar os altos prédios abandonados com roupas enegrecidas nas varandas e carrinhos de bebê. E também o antigo posto de polícia, o hospital e o Comitê Municipal do Partido. Aqui ainda se conservam, imunes à radiação, os lemas da época comunista.

Da cidade de Prípiat, a expedição prossegue até as aldeias mortas, onde lobos e javalis selvagens, que se reproduziram aos milhares, correm soltos entre as casas e em plena luz do dia.

O ponto alto da viagem ou, como assinala a propaganda, “a cereja do bolo”, é a visita ao “Abrigo”, nomeado mais propriamente de sarcófago. Construído às pressas sobre os escombros do quarto bloco energético explodido, o sarcófago está há tempos juncado de fendas através das quais “supura” o seu conteúdo mortal, os restos do combustível nuclear. Vocês terão coisas impressionantes para contar aos amigos quando voltarem. A experiência é única, não se compara a qualquer viagem às ilhas Canárias ou Miami. A excursão se conclui com uma sessão de fotos de recordação junto ao muro levantado em memória dos heróis caídos de Tchernóbil, para que vocês se sintam participantes da história.

Ao final da excursão, oferece-se aos amantes do turismo radical um piquenique com comida feita à base de produtos ecologicamente puros, vinho tinto e vodca russa.

Asseguramos que durante o dia transcorrido na zona vocês receberão uma dose inferior à que lhes causaria uma sessão de raio X. Mas não recomendamos banhar-se e comer pescado ou caça de animais capturados na zona. Nem colher bagas e cogumelos e assá-los na fogueira. Nem presentear as mulheres com flores do campo.

Vocês acham que isso é delírio? Enganam-se. O turismo nuclear goza de uma grande demanda, sobretudo entre os turistas ocidentais. As pessoas perseguem novas e fortes emoções, pois encontram poucas delas num mundo já excessivamente condicionado e acessível. A vida se torna chata e as pessoas desejam algo eterno.

Visitem a Meca nuclear. A preços módicos.

 

Extraído de materiais dos jornais bielorrussos, 2005

 

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