Ana Maria Machado: livro infantil sem tatibitate

18/04/2016

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Foto: Bruno Veiga

Ana Maria Machado ocupa a cadeira número 1 da Academia Brasileira de Letras. Autora de livros para o público infantil e juvenil, romances e ensaios, a escritora construiu uma carreira com números de peso e alcançou milhões de leitores no Brasil e no exterior. São mais de vinte milhões de exemplares vendidos, publicados em vinte idiomas e vinte e seis países. Em 2000, Ana Maria recebeu o prêmio Hans Christian Andersen, considerado o mais importante para a literatura infantil e juvenil, pelo conjunto de sua obra infantil. Entre as inúmeras premiações, figuram o Iberoamericano SM de Literatura Infantojuvenil (2012), além de três Jabutis, o Machado de Assis, da ABL, o Casa de Las Americas e o Zaffari & Bourbon.

Carioca de Santa Teresa, iniciou a carreira literária ao lado de Ruth Rocha e Joel Rufino na revista Recreio, hoje uma referência da literatura infantil e juvenil, de onde despontaram nomes como os de Sylvia Orthof e Marina Colasanti. No Dia Nacional do Livro Infantil, convidamos a escritora para falar do início de sua carreira, da experiência de ser traduzida em diversos países do mundo e o impacto do Hans Christian Andersen em sua recepção. A autora também selecionou cinco títulos que passam agora a ser publicados pela Companhia das Letrinhas. Confira!

Você iniciou sua carreira como escritora na revista Recreio ao lado de nomes como Ruth Rocha, Sylvia Orthof, Joel Rufino dos Santos e Marina Colasanti. Quais são a suas recordações sobre esse período? E por que essa iniciativa foi tão determinante para a literatura infantil e juvenil no Brasil nas décadas seguintes?

Na verdade, eu era professora universitária e jornalista quando iniciei a carreira na Recreio ao lado da socióloga Ruth e do historiador Joel, em números zero da revista, feitos em 1969. A revista começou a ser publicada em 1970. Marina e Sylvia vieram depois, numa segunda fase, com formato diferente, já por volta de 1976. A proposta que a editora Sonia Robatto nos apresentou era um desafio. Queria histórias de quem nunca houvesse escrito para crianças, e não apresentasse vícios de didatismo ou linguagem “nhenhenhém” nem “tatibitate”, como explicou. No mais, confiava em nós e nos deu muita liberdade. Só tínhamos os limites físicos: 15 páginas, cada uma com o máximo de 10 linhas com 45 toques. Fiquei fascinada com a possibilidade de criar textos curtos, buscando qualidade literária, em uma linguagem coloquial, familiar, oralizante, como a gente fala todo dia, mas com densidade de significado, possibilidades de explorar uma linha de poesia e humor. Eu dava aula de literatura e teoria literária numa universidade, fazia uma tese sobre Guimarães Rosa. Durante os tempos mais difíceis da ditadura, exilei-me em Paris e fui orientada por Roland Barthes. Tudo era sofisticadíssimo do ponto de vista intelectual e as histórias de Recreio me davam a chance de explorar outros registros de escrita, eram algo muito prazeroso e desafiante. Como a revista vendia cinco vezes acima da média quando as histórias eram minhas ou da Ruth, passamos a ser muito solicitadas. E eu tomei gosto pela brincadeira.

Em 2000, você recebeu o Hans Christian Andersen, o prêmio internacional mais importante para a literatura infantil e juvenil. Qual a repercussão do prêmio para a sua carreira? Premiações como essa ajudam a dar mais visibilidade aos escritores no Brasil?

A principal repercussão do prêmio foi internacional. Passei a ser procurada por editores de outros países que queriam me traduzir e publicar sem mesmo terem lido meus livros. Isso fez muita diferença. Mas não creio que tenha passado a ter mais visibilidade no Brasil, onde o prêmio Andersen não era muito conhecido, mas eu já era muito lida, ganhara alguns prêmios importantes (inclusive dois Jabutis) e tinha publicado vários títulos. Toda premiação sempre ajuda a chamar mais atenção sobre o premiado, é claro. Mas não creio que premiações desse tipo ajudem especialmente na visibilidade interna dos escritores no Brasil.

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Ana Maria Machado com Ruth Rocha.

Sua obra foi traduzida para diversos idiomas e chegou a ser vertida até mesmo para o chinês. Como seus livros são recebidos pelo público internacional, de uma maneira geral? É uma recepção muito diferente da do público brasileiro, ou não?

No caso do público chinês, já estou com dez títulos em mandarim, em muito pouco tempo, e as reedições se sucedem. Mas não faço ideia de como é a recepção lá. Nunca estive lá, não tenho recortes de críticas na mídia, nada disso. Mas o correio da China lançou dois selos com capas de livros meus. Então deve ser uma recepção boa. Nos países que já visitei, mesmo quando não falo a língua, posso ir a escolas e conversar com crianças por meio de intérpretes. E então posso constatar que existem, sim, diferenças de recepção, embora seja impossível generalizar. Mas noto, por exemplo, que no norte da Europa os leitores pré-adolescentes tendem a se surpreender quando um livro mistura elementos fantásticos com a realidade cotidiana -- ou eles reagem achando que é impossível, ou aceitam, mas creem que é uma coisa que acontece de verdade em outro país. Estão mais acostumados a ler livros de gêneros nitidamente divididos: ou são de fantasia, ou tratam de problemas cotidianos. Estranham um pouco no começo, depois adoram e têm debates entusiasmados. Mas o que mais me surpreende não é que as reações variem de um país para outro. É como elas são parecidas. Uma vez, numa só viagem, por coincidência, eu fui de Angola à Suécia em encontros com leitores do mesmo livro. O incrível é que as perguntas e observações deles eram quase as mesmas numa aldeia quente e sem eletricidade em plena savana, muito ao norte de Luanda, e numa escola muito sofisticada tecnologicamente, cercada de neve, em Estocolmo. É comovente ver como os filhotes de seres humanos se parecem tanto em suas reações, vivendo em lugares tão diferentes.

Pode indicar cinco títulos de sua obra voltada para esse público publicada pela Companhia das Letrinhas e dizer brevemente o porquê de sua indicação?

Do outro lado tem segredos

É uma história sobre lembranças de minha infância e de um lugar onde passei grande parte de minha vida, na beira do mar, cheia de heranças africanas poderosas e muito importantes para minha vida afetiva.

A jararaca, a perereca e a tiririca

Um texto em que, para mim, a mágica da literatura está presente com sua pluralidade de sentidos. Parti de três palavras de som engraçado e parecido, e, de repente, me surpreendi discutindo a resistência à violência e formas de lutar contra a opressão. E muitos leitores leem como uma história sobre o meio ambiente.

 A maravilhosa ponte do meu irmão

A partir de uma história acontecida com meus filhos, uma celebração do poder da imaginação infantil num ambiente afetivo.

Enquanto o dia não chega

Um livro que me deu muito trabalho, fiquei quase três anos escrevendo e reescrevendo até chegar no ponto em que eu queria. Mas fiquei satisfeita com o resultado, é um livro de que gosto muito. Por um lado, uma novela juvenil de época. Por outro, uma insistência em alguns de meus temas constantes: celebração da liberdade, da amizade, da justiça, passada em Portugal, na África e no Brasil colonial, quando ainda estávamos em formação.

Ponto a ponto

Um texto em torno a têxteis e bordados, trabalho feminino, histórias tradicionais, literatura oral, memória passada de uma geração para outra.

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