As mentiras que todos contam

01/04/2016

mentiras

Quem mente mais? Homens ou mulheres? “Acho que mulher mente mais, mas homem é mais persistente na mentira, que mantém contra todas as evidências em contrário. Homem é mais cara de pau.” Dessa forma, o sempre bem-humorado Luis Fernando Verissimo desliza pela polêmica.

Autor da coletânea de crônicas As mentiras que os homens contam (Objetiva), Verissimo não julga, apenas constata. Os homens não mentem. E, se mentem, é porque precisam. Para poupar as mulheres — e, também, para se proteger delas.

Dez anos depois do lançamento desse best-seller, o escritor abriu espaço para as mulheres darem o troco e responderem à altura com a coletânea As mentiras que as mulheres contam. Afinal, na arte da dissimulação, elas não deixam nada a dever. Mas nem sempre é tudo mentira, às vezes, são apenas eufemismos, ambiguidades, desculpas educadas — tudo com o objetivo um pouco mais nobre de preservar a harmonia social.

Neste 1º de abril, selecionamos duas crônicas extraídas de ambos os livros, sempre com o humor irresistível de Verissimo. Como já cantou Erasmo Carlos: Pega na mentira, corta o rabo dela...

As mentiras que as mulheres contam: A outra

Apavorada com a perspectiva de envelhecer e o marido trocá-la por uma mais moça, fez plástica atrás de plástica. Com cinquenta anos, ficou com um corpo de vinte e um rosto de trinta, se não se olhasse muito de perto. Alisou as rugas, tirou daqui, enxertou ali, levantou acolá — o acolá é sempre o primeiro a cair — e conseguiu: não envelheceu. Mas no outro dia contou às amigas que o marido a trocara por outra.

Estava arrasada. Só não podia chorar para não desmanchar a maquiagem. As amigas tentaram consolá-la. Chamaram o marido de tudo, inclusive de cego, pois quem procuraria outra mulher tendo uma como ela — corpo de vinte, rosto de trinta — em casa? Os homens não tinham jeito mesmo. Para eles, amadurecer era uma forma de voltar à adolescência. Iam em busca dos hormônios perdidos e só encontravam o ridículo.

— Não me façam chorar, não me façam chorar — pedia ela.

As amigas começaram a desenvolver teses sobre o que leva homens mais velhos a procurar mulheres mais moças. Pânico sexual, antes de mais nada. Descontadas, claro, as falhas naturais do caráter masculino, que também se acentuam com a idade. Mas ela que esperasse.

Cedo ou tarde, ele se cansaria da mulher mais moça, ou ela se cansaria dele, ou…

— Ela não é mais moça — interrompeu a mulher. — É mais velha do que eu!

Abriu-se uma clareira de espanto. O quê? Mais velha?! E ela contou que a outra nunca fizera plástica, que a outra nem pintava os cabelos. Era uma senhora grisalha, matronal, exatamente do tipo que ele esperara em vão que ela ficasse, como ele mesmo dissera. Sim, porque ela fora pedir satisfação, pronta, inclusive, a bater na outra. Não só não batera como acabara tomando chá com a outra e ouvindo seus conselhos num tom maternal.

O que mais doera fora o tom maternal.

A mentira que os homens contam: Homens

Deus, que não tinha problemas de verba, nem uma oposição para ficar dizendo “Projetos faraônicos! Projetos faraônicos!”, resolveu, numa semana em que não tinha mais nada para fazer, criar o mundo. E criou o céu e a terra e as estrelas, e viu que eram razoáveis. Mas achou que faltava vida na sua criação e — sem uma ideia muito firme do que queria — começou a experimentar com formas vivas. Fez amebas, insetos, répteis. As baratas, as formigas etc. Mas, apesar de algumas coisas bem resolvidas — a borboleta, por exemplo —, nada realmente o agradou. Decidiu que estava se reprimindo e partiu para grandes projetos: o mamute, o dinossauro e, numa fase especialmente megalomaníaca, a baleia. Mas ainda não era bem aquilo. Não chegou a renegar nada do que fez — a não ser o rinoceronte, que até hoje Ele diz que não foi Ele —, e tem explicações até para a girafa, citando Le Corbusier (“A forma segue a função”). Mas queria outra coisa. E então bolou um bípede. Uma variação do macaco, sem tanto cabelo. Era quase o que Ele queria. Mas ainda não era bem aquilo. E, entusiasmado, Deus trancou-se na sua oficina e pôs-se a trabalhar. E moldou sua criatura, e abrandou suas feições, e arredondou suas formas, e tirou um pouquinho daqui e acrescentou um pouquinho ali. E criou a Mulher, e viu que era boa. E determinou que ela reinaria sobre a sua criação, pois era sua obra mais bem-acabada.

Infelizmente, o Diabo andou mexendo na lata de lixo de Deus e, com o que sobrou da Mulher, criou o Homem. E é por isso que, alguns milhões de anos depois, a Lalinha e o Teixeira estão sentados num bar, o Teixeira com as mãos da Lalinha entre as suas, olhando fundo nos seus olhos, tremendo romance, e de repente a Lalinha puxa as mãos violentamente.

— Seu grandessíssimo...

— O que é isso, Lalinha?

— Agora eu saquei. Saquei tudo. Foi ele que instruiu você!

— Você está delirando.

— Mas claro. Como eu fui boba. Como é que você ia saber que o meu perfume preferido era aquele? Foi o Vinícius que te disse.

— Lalinha, eu juro...

— Mas eu sou uma imbecil! E o disco. O primeiro disco que você me dá é justamente um disco do Ivan Lins... Meu Deus, até o beijo atrás da orelha!

O Teixeira olha em volta, preocupado. Lalinha está exaltada.

— Lalinha, calma.

— Posso até ver o Vinícius ensinando você. Olha, beija ela ali que é tiro e queda. Ele escolheu você a dedo. Sabia que você é do tipo que gosto. Igual a ele, o cachorro!

— Lalinha, eu juro pela minha mãe...

— Estava tudo bom demais para ser verdade. Agora tudo encaixa.

— Não é nada disso que você está pensando.

— Claro que é! Mas diz pro seu amigo Vinícius que não vai dar certo. Diz que quase deu, mas eu acordei a tempo. Diz que ele vai continuar me pagando pensão por muitos e muitos anos porque tão cedo eu não caso de novo. Ainda mais com um capacho como você!

— Lalinha, então você acha que eu ia me submeter a... Ô Lalinha!

— Acho sim, acho sim.

— Está certo. Foi isso mesmo. Mas eu me apaixonei de verdade, Lalinha. Nosso casamento ia ser um estouro. Vai ser um estouro.

— Pede a conta.

— Mas Lalinha...

— Pede a conta, Teixeira.

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