Indiana Jones versão Herzog

17/05/2017

Por Samir Machado de Machado

Cena do filme Z, a cidade perdida, que estreia no dia 1º de junho. 

Alguns anos atrás, visitei o Peru e tive a oportunidade de conhecer Macchu Picchu. Mais do que a visão fantástica das ruínas perfeitamente cuidadas, da grama aparada, me peguei imaginando qual não deve ter sido a sensação do americano Hiram Bingham quando a encontrou pela primeira vez, tomada pelo mato. Uma autêntica ruína de cidade perdida, de uma civilização antiga, no topo de uma montanha acima das nuvens, no meio da selva amazônica. Era fácil entender a fascinação que aquela descoberta deve ter causado em 1911, ainda mais na cabeça de um coronel inglês voluntarioso, mas entediado com a rotina, como Percy Fawcett.

Soa quase como uma paródia de filme de aventura: Fawcett fez um "curso de explorador" na Real Sociedade Geográfica e saiu de lá com um contrato para delimitar a fronteira entre Brasil e Bolívia. Na selva amazônica, conheceu piranhas, saúvas, mosquitos e o pequeno e nada fofo candiru, aquele peixinho minúsculo e espinhento que pode entrar pela uretra através do fluxo de urina, e na melhor das hipóteses, provocar a amputação de partes sensíveis do corpo masculino. Antissocial, não se sentindo à vontade no meio urbano ou com a própria família, é na obsessão pela ideia de também ele encontrar a glória através da descoberta de uma sofisticada civilização perdida nas selvas brasileiras que ele direciona sua vida. E no qual David Grann direciona seu livro Z, a cidade perdida.

Não creio que seja spoiler dizer que Fawcett desapareceu na selva e dele nunca mais se soube nada. Embora não tenha alcançado a mesma glória de outros grandes exploradores, um dos aspectos mais interessantes que Grann resgata é o tanto que a aventura de Fawcett se infiltrou na cultura pop. A pesquisa que Grann faz é deliciosa: ele resgata, por exemplo, as conexões de Fawcett com Conan Doyle, e o papel do primeiro, ainda em vida, como inspirador de seu O Mundo Perdido.

Fawcett, é claro, se tornaria, décadas depois de sua morte, conhecido por ser a inspiração original de Indiana Jones. Mas não faltaram elementos pulps e aventurescos à sua própria vida: incluíram um explorador rival, o americano Alexander Rice, que tinha à disposição novidades tecnológicas mais avançadas; um charlatão com o pomposo e aventuresco nome de Savage Landor, escrevendo sobre peripécias altamente improváveis; e um tradicional traidor dentro de sua equipe – Fawcett acreditava que toda expedição possuía um "Judas".

Grann recapitula não só a trajetória pessoal de Fawcett, mas toda a euforia da época com seu desaparecimento, por si só dignos de outro filme de aventura, numa sucessão de aventureiros sem noção do perigo que vão terminando um pior do que o outro. Há desde um ator de filmes B que acaba sequestrado por índios, passando pelo aventureiro que levou pombos-correio consigo, e os enviou com mensagens descrevendo sua lenta descida ao inferno da selva até a morte, até aqueles que simplesmente enlouqueceram e se mataram.

É surpreendente e surreal que uma pessoa como Percy Fawcett tenha existido. E esse é o grande mérito do livro de Grann: resgatar um personagem e uma época que combinaram, como poucos, um espírito de empolgação científica e ingenuidade infantil com o mundo, com a realidade cruel e indiferente da selva amazônica. Ou, em outras palavras, como se Indiana Jones tivesse sido dirigido pelo Werner Herzog.

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Samir Machado de Machado é designer e escritor, autor de Homens Elegantes e Quatro Soldados, ambos publicados pela Rocco.

 

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