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Por Ana Paula Laux
Empalamentos, assassinatos em série, tortura, execução de velhinhos, pessoas ateando fogo em si mesmas, homicídios com corpos desfigurados, mumificados e profundamente violados em sua dignidade. Exemplos de violência explícita viraram uma máxima nos romances policiais da Escandinávia, região conhecida pela boa qualidade de vida e baixa taxa de criminalidade. De onde vem a crueldade da ficção que virou febre entre os leitores?
Quando perguntado sobre a inspiração para suas histórias com o detetive Wallander, o sueco Henning Mankell disse que lia regularmente a seção policial dos jornais, de onde tirava ideias que mais tarde virariam os casos cabeludos investigados pelo policial de Ystad. Não era uma mera reprodução da realidade, mas a centelha estava lá.
A garota-corvo é um espécime dessa região. Publicado originalmente como uma trilogia, mas reunido em um único volume na edição brasileira, trata da caçada a um serial killer que está sedando, matando e mumificando meninos em Estocolmo. Corpos são encontrados em lugares públicos e remotos, e não há relação aparente entre as vítimas além da idade e gênero. Caberá à detetive Jeanette Kihlberg resolver um caso que vai se mostrar mais complexo do que poderia imaginar, ao mesmo tempo em que tenta administrar a própria vida conturbada. E ela terá 584 páginas para fazer isso.
A violência nesse tipo de história choca por acontecer em lugares onde não estamos acostumados (ou não queremos) enxergá-la. Na família que deveria proteger, mas não o faz. Na justiça que tarda e eventualmente falha. Na escola que também falha em enxergar excessos. No sistema que acoberta o crime. No indivíduo que escolhe não agir diante do impraticável. Onde deveria haver delicadeza, há sofrimento e vidas que desaparecem sem causar comoção ou empatia. Em muitos casos, prevalece a sensação de vazio no ar.
O livro é também um teste para quem ousa enfrentar assuntos chocantes, impactantes e difíceis, porém necessários no contexto do cenário sombrio aqui criado. Aborda temas como assassinato, violência contra as mulheres, abuso sexual, pedofilia, questões comuns à icônica série Millennium, de Stieg Larsson. A história é conduzida prioritariamente por mulheres que tentam sobreviver num ambiente hostil, seja no trabalho ou diante das violências mais desprezíveis pelas quais são obrigadas a passar.
A garota-corvo foi escrito por Erik Axl Sund, pseudônimo da dupla punk Jerker Eriksson e Håkan Axlander Sundquist. Os dois seguem a marca autoral dos pioneiros Sjöwall e Wahlöö, jornalistas suecos que fizeram sucesso nos anos de 1960 com uma série de romances policiais e que inspiraram gente como Lars Kepler, outra dupla sueca contemporânea que escreve sob um pseudônimo. A garota-corvo ganhou o prêmio “2012 Special Award” da Academia Sueca de Escritores de Crime e foi publicado em 38 países até então. Vida longa para o nordic noir.
Ana Paula Laux é jornalista e escritora. Produz conteúdos e faz curadoria de informações para o Clube do Crime, da Companhia das Letras. É editora do site www.literaturapolicial.com, e sob o pseudônimo Chris Laux lançou com Rogério Christofoletti o e-book Os Maiores Detetives do Mundo.
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