Companhia na Flip: Dia 1

27/07/2017

Foto: Walter Craveiro/Festa Literária Internacional de Paraty

Ontem, dia 26 de julho, começou a 15ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty. Com nova curadoria, da jornalista Joselia Aguiar, o autor homenageado deste ano é Lima Barreto, um dos principais autores brasileiros que, finalmente, está tendo sua obra resgatada por leitores e estudiosos. "Essa Flip é, talvez, aquela que mais teve mesas em torno do homenageado, e a que mais o tomou como inspiração", disse Joselia Aguiar em seu discurso durante a sessão de abertura. E foi exatamente o que aconteceu logo em seguida: a historiadora Lilia Moritz Schwarcz e o ator Lázaro Ramos subiram ao palco do Auditório da Matriz para apresentar um espetáculo dedicado ao autor de Triste fim de Policarpo Quaresma

Com direção de Felipe Hirsch, a sessão de abertura intercalou a aula de Lilia Schwarcz com a interpretação de Lázaro Ramos. Autora de Lima Barreto: triste visionário, livro que deu nome à sessão de abertura, Lilia apresentou um panorama da vida do autor, contextualizando-a em seus aspectos políticos e sociais, além de falar, claro, de sua família. Lima Barreto era neto de escravos. Nascido em 13 de maio de 1881, quando tinha sete anos Lima presenciou a abolição da escravatura. "[Lima] tomou a data como um presságio. Dizia ele que iria contar a história dos povos africanos que vieram e viveram no Brasil", contou Lilia. E foi o que o autor buscou fazer em toda a sua obra. 

Estudante da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, Lima sentiu na pele os preconceitos de um país que, apesar da abolição, continuava (e ainda continua) a desprezar boa parte da população por causa de sua cor. Lázaro Ramos, que acaba de lançar pela Editora Objetiva o livro Na minha pele, leu divesas passagens de seus diários, colunas e obras ficcionais que evidenciaram o preconceito. Textos como a coluna "Maio", sobre a abolição da escravatura, e trechos de Recordações do Escrivão Isaías Caminha fizeram parte do repertório de Lázaro, emocionando o público com sua interpretação. 

Foto: Walter Craveiro/Festa Literária Internacional de Paraty

Lima Barreto, conforme Lázaro destacou ao fim da mesa, era um "autor das ruas". Criticava os intelectuais, o meio literário de sua época, os estrangeirismos e qualquer coisa que excluísse o povo. "Não desejamos mais uma literatura contemplativa. Não é mais uma literatura plástica que queremos", escreveu o autor. Lilia Schwarcz contou que Lima Barreto se inscreveu para a Academia Brasileira de Letras diversas vezes. Porém, sempre que convidado a assumir uma cadeira da ABL, ele a recusava, passando a criticar ainda mais a academia e o tipo de literetura que ela representava. Suas obras, sempre críticas da sociedade carioca e seu meio intelectual, eram ignoradas pelos críticos e pela imprensa. "A literatura ou me mata, ou me dá o que peço dela", leu Lázaro Ramos. 

Encaminhando-se para o final da sessão de abertura, Lilia abordou as internações de Lima Barreto no Hospício por conta do alcoolismo. "É o hábito de viver, é a covardia, é a minha natureza débil e esperançada, só o álcool me dá prazer e me tenta. Meu Deus, onde irei parar?", escreveu o autor em seu diário. Lilia Schwarcz contou como, por ser funcionário público, Lima Barreto não foi considerado negro em sua primeira internação. O que foi bem diferente na sua volta ao Hospício, aposentado de sua função de amanuense, ainda mais abalado pela bebida, quando na sua ficha de registro consta a palavra "pardo", o que designa também outro tratamento para o escritor: "Tiram-nos a roupa que trazemos e dão-nos uma outra, só capaz de cobrir a nudez, e nem chinelos ou tamancos nos dão."

Concluindo sua aula sobre a vida e a obra de Lima Barreto, Lilia afirmou que "aos poucos a obra vai voltando e assumindo seu lugar essencial. Talvez estejamos prontos para a atualidade de Lima Barreto. Um escritor, um intérprete do contra, mas que foi sempre a nosso favor". E justamente por ser a favor do povo, o autor das ruas, Lilia e Lázaro estenderam a sessão de abertura para o Auditório da Praça, onde leram mais trechos da obra do homenageado. 

Público no Auditório da Praça. Foto: Max Santos

A 15ª edição da Flip continua hoje, e você pode acompanhar ao vivo no site do evento e também no nosso perfil no Twitter

 

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