Cadeiras brancas

08/08/2017

Praia do Rio Grande do Sul, fim de temporada. Areia mais escura do que se gostaria, água mais escura do que se gostaria. Carros podem trafegar à vontade na faixa de areia, transformando o natural em shopping center, um dos tiques favoritos do Brasil. Estou ali para um evento literário. Mato tempo até a noite. Sempre tive algo muito mal resolvido com praia – tem a ver com tios barrigudos sem camisa em churrascos que duram o dia inteiro, e a impressão de que férias no litoral deveriam significar mais do que tios barrigudos sem camisa em churrascos que duram o dia inteiro. Ali, já passada dos trinta anos, bem desfalcada de tios, para dizer a verdade, vou só andando e ouvindo sons automotivos. Não há muita escolha.

De repente, ouço rock. Surpresa. Vou me aproximando do que parece ser um palquinho montado pelo SESC. É mesmo um palquinho montado pelo SESC, com aquele monte de cadeiras brancas vazias. Uma menina de uns vinte anos está tocando sozinha. Cover do Foo Fighters. Há dois pequenos grupos de pessoas assistindo, com caras de vizinhos ou parentes – a versão vestida do tio barrigudo, com água mineral no lugar da cerveja (o SESC está se empenhando em distribuir todos aqueles copinhos de água mineral. Eu faço a minha parte).

Quando a menina toca "Maria", do Blondie, fico tocada. Não consigo mais sair da frente dela. Penso em alguma coisa que envolve uma quebra de expectativas, e aquele tipo de lição que a gente tira das situações amargas.

Agridoces, talvez?

Eventos que fracassam têm lá sua beleza (talvez eu estivesse me projetando mais à noitinha, no palquinho da feira do livro?): a beleza da persistência (ó, a gente não desiste, a gente respira arte etc.); a beleza da incompreensão (se eu quisesse agradar, tocava funk); a beleza de estar sozinha (e depois eu como um crepe no palito e depois eu vou pro meu quarto de hotel).

Aquele hotel é um velho hotel e eu gosto desse tipo, ele está falando de outro tempo do balneário (sempre outro tempo, você está obcecada, todo mundo já notou). Só que agora há toda sorte de tios barrigudos ocupando a piscina. 

Nem lembro do meu evento no palquinho.  

De manhã, vai ter molho vermelho com salsicha para comer com os ovos mexidos. Quem foi que inventou isso e quando?

A coisa mais poética que já vi em um café da manhã de hotel foi um meio tomate com uma faca do lado. Tinha um pepino também. Na Suíça.

Um encontro literário de sucesso é tipo um date do Tinder: a cada vinte fracassos, um dá liga.

Fim de semana na serra. Uma emissora de tevê organizou uns eventinhos na cidade. Debaixo de um sol torturante, lá está o cara sozinho, tocando Fito Paez. "Mariposa Technicolor". O pessoal deixou ele sozinho lá. Está tirando fotos dos bonecos de neve feitos de tecido. Dá pra retocar o termômetro? Cadeiras brancas vazias. No centro da cidade, um menino bem novo convida os turistas a conhecerem o estúdio móvel da emissora. “Tem chope e chocolate de graça”. 

* * * * *

Carol Bensimon nasceu em Porto Alegre, em 1982. Publicou Pó de parede em 2008 e, no ano seguinte, a Companhia das Letras lançou seu primeiro romance, Sinuca embaixo d’água (finalista dos prêmios Jabuti e São Paulo de Literatura). Seu último livro, Todos nós adorávamos caubóis, foi lançado em outubro de 2013. Ela contribui para o blog com uma coluna mensal.

 

Carol Bensimon

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