Vendo o mundo de cima

18/08/2017

Por Tim Peake

O Rio de Janeiro visto da Estação Espacial Internacional

O astronauta inglês Tim Peake passou mais de seis meses a bordo da Estação Espacial Internacional, completando dezesseis voltas na Terra por dia e se maravilhando com as paisagens que via pela Cúpula - a "janela" da EEI. Cerca de 200 pessoas já passaram por lá e tiveram o privilégio de ver a Terra do alto, longe da superfície e acima do campo magnético que protege o planeta. A maioria de nós, infelizmente, não vai ter a chance de ter a mesma visão. É por isso que os astronautas e cosmonautas que vivem na EEI dão tanta importância para a fotografia: é como eles mostram ao mundo as maravilhas que enxergam todos os dias.

Tim Peake se dedicou a registrar imagens incríveis do nosso planeta e as reuniu no livro Em órbitalançamento da Editora Paralela que chega às livrarias no dia 24 de agosto. Dos picos nevados do Himalaia às dunas escaldantes do Saara, da noite iluminada de Dubai ao pôr do sol no oceano Pacífico, das milhares de crateras da Lua aos cinquenta tons de azul das Bahamas, da beleza tortuosa do Alasca a uma magnífica aurora austral, das pirâmides do Egito ao canal do Panamá, do rio Amazonas serpenteando pela floresta até o contorno de Ipanema e Copacabana com a ponte Rio-Niterói cruzando a baía de Guanabara. Todas essas imagens nos oferecem uma chance de redescobrir a beleza do planeta em que vivemos e conhecer um mundo que nunca vimos antes. 

A seguir, Tim Peake conta como era ver o mundo de cima. 

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Uma das coisas mais impressionantes ao ver a Terra a partir do espaço é que de dia, a olho nu, é muito difícil localizar algum sinal de ocupação humana.

Em vez disso, nosso planeta se revela como um vasto quebra-cabeça geológico, com características que se espalham por continentes inteiros, esculpidas pela força da natureza e pela passagem do tempo. O vento e as raras chuvas moldaram o deserto do Saara como uma tela de arte belíssima, com dunas de areia de até 150 metros de altura que são claramente visíveis do espaço. Os vulcões marcam os contornos das placas tectônicas da Terra, muitas vezes soltando uma fumaça discreta e denunciando a presença de um núcleo ativo não muito distante da superfície.

À noite, a história é outra. É possível traçar facilmente o padrão das migrações e dos assentamentos humanos pelas luzes das cidades, das estradas e das estruturas construídas pelo homem. Até mesmo nossa sede pelos recursos naturais do planeta se destaca — as luzes de centenas de barcos de pesca no golfo da Tailândia ou os impressionantes campos de extração de petróleo no Oriente Médio.

É impossível olhar para a Terra a partir do espaço e não ficar aturdido com a beleza frágil do nosso planeta. Fiquei impressionado com a espessura minúscula da nossa atmosfera — uma fina camada de gás que garante tantas formas de vida e impede que nosso planeta tenha as mesmas condições hostis e inférteis de Marte ou Vênus. Eu me senti instigado a compartilhar essa perspectiva única desse lugar que todos chamamos de “lar”. Pode parecer surpreendente, mas nunca tinha me interessado por fotografia antes de ser mandado para o espaço. Não que não gostasse de fotografar — eu apenas achava que não tinha um bom olho para capturar imagens. Nesse sentido, tenho muito a agradecer ao planeta Terra: o lugar é tão lindo que tornou meu trabalho facílimo! Logo nas primeiras tentativas já fui recompensado com vistas deslumbrantes — a cadeia de montanhas Cascade, o mar congelado na baía de Hudson e imagens espetaculares do nascer do sol, por exemplo.

Da Estação Espacial Internacional (EEI) é possível ter uma visão de mil quilômetros em qualquer direção. Passando por sobre os Alpes franceses, pude desfrutar de uma vista que ia da Grécia ao Reino Unido simplesmente virando a cabeça. No início, a magnitude do cenário se revelou um tanto paralisante, e minha habilidade com a câmera não ia muito além do tradicional “fotografar o que aparecer pela frente”. À medida que fui me adaptando ao novo ambiente, porém, minha perspectiva começou a mudar. Depois de dezesseis voltas diárias em torno do planeta, não demorei muito tempo para sentir que conhecia a Terra muito bem! Por exemplo, pode parecer estranho, mas pouco tempo atrás me vi falando de Madagáscar — um lugar que nunca visitei — com a familiaridade de um viajante que já esteve por lá muitas vezes. Comecei a me concentrar mais nos detalhes: me peguei reparando nos lagos nas montanhas do Himalaia, que me indicariam a localização do monte Everest, ou observando um pequeno vulcão na península russa de Kamchatka para conferir se ainda estava em erupção. Quando se viaja a quase 30 mil quilômetros por hora, esse nível de detalhamento exige um cuidadoso planejamento.

Ao acordar, eu verificava por onde a EEI passaria, decidia que imagens tentaria capturar naquele dia e programava uma série de alarmes para me lembrar de tudo mais tarde. Muitas vezes o alarme tocava num momento em que eu estava ocupado com um experimento científico ou no meio de alguma atividade de manutenção — ou seja, se transformava em um “fica para a próxima”. Por outro lado, havia um enorme sentimento de satisfação quando o plano funcionava e eu era recompensado por uma passagem com iluminação perfeita pelas pirâmides do Egito, por exemplo, ou por uma visão rara da Antártida. Por mais que gostasse dessa caçada aos alvos mais difíceis, muitas das minhas fotos preferidas não foram fruto de um planejamento mais rigoroso. Muitas vezes eu estava simplesmente passando pela janela da Cúpula e ficava fascinado por uma vista incrível — um mar de neblina verde ao passarmos pela aurora boreal, ou o clarão de centenas de relâmpagos no meio de uma grande tempestade.

[...]

Uma das imagens mais famosas capturadas do espaço recebeu o nome de “Earthrise” e foi clicada por Bill Anders, astronauta da Apollo 8, quando a nave contornou o lado oculto da Lua e ele viu a Terra surgir no horizonte. Segundo a célebre declaração de Anders, “Viajamos tanto para explorar a Lua, e a coisa mais importante que descobrimos foi a Terra”. Este livro representa minha jornada pessoal de descobrimento não só do planeta Terra — um oásis deslumbrante de vida em meio à vastidão do espaço —, mas também de uma até então desconhecida paixão pela fotografia. Refletindo a respeito agora, me parece estranho ter imaginado que o ato de capturar imagens não provocaria nenhum grande impacto sobre mim. Como eu estava enganado…

Muitas vezes encaramos o mundo como um lugar dividido em países e povos, mas, quando vemos o planeta a partir do espaço, não é possível identificar fronteiras ou separações entre continentes. As únicas divisões que notamos são as criadas pela natureza ao longo de 4,5 bilhões de anos de transformações. Um impressionante encadeamento de acontecimentos possibilitou que a vida inteligente evoluísse na Terra, permitindo que desenvolvêssemos a tecnologia necessária para deixarmos o santuário do nosso planeta natal e refletirmos a respeito da nossa existência a partir do ponto de vista inigualável proporcionado pelo espaço. Espero que as imagens deste livro incendeiem sua imaginação como fizeram com a minha. E torço para que eu consiga compartilhar com você a mesma sensação de deslumbramento que experimentei ao olhar de cima o planeta Terra.

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Tim Peake é astronauta britânico da Agência Espacial Europeia (ESA) e o segundo do seu país a ir ao espaço. Ele concluiu, após 186 dias no espaço, as expedições 46 e 47, na Estação Espacial Internacional, retornando para a Terra em junho de 2016.

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