14 livros degenerados

26/09/2017

Os antecedentes históricos para fechamento de exposições de arte por censura moralista são os piores possíveis. Como dizia Millôr Fernandes: “De todas as taras sexuais, não existe nenhuma mais estranha do que a abstinência”. A Companhia das Letras fez uma seleta do melhor da literatura “maldita” e “degenerada”, de clássicos proibidos e censurados em seu tempo a deliciosos transgressores contemporâneos. Confira!

Clássicos proibidões

1- O amante de Lady Chaterley, de D. H. Lawrence

Impedido de ser publicado à época de seu lançamento, em 1928, pelas "palavras inapropriadas" e por tratar de sexo e traição de modo explícito, este romance é hoje um clássico da literatura. Poucos meses depois de seu casamento, Constance Chatterley, uma garota criada numa família burguesa e liberal, vê seu marido partir rumo à guerra. O homem que ela recebe de volta está paralisado da cintura para baixo, e eles se recolhem na vasta propriedade rural dos Chatterley. Inteiramente devotado à sua carreira literária e depois aos negócios da família, Clifford vai aos poucos se distanciando da mulher. Isolada, Constance encontra companhia no guarda-caças Oliver Mellors, um ex-soldado que resolveu viver no isolamento após sucessivos fracassos amorosos. A edição pela Penguin-Companhia, com tradução de Sergio Flaksman, inclui o texto "A propósito de O amante de lady Chatterley", em que Lawrence comenta a controvérsia em torno do livro e justifica suas intenções literárias, e ainda uma introdução de Doris Lessing, vencedora do prêmio Nobel de literatura em 2007. 

2- As relações perigosas, de Choderlos de Laclos

Quando foi lançado, em 1782, As relações perigosas causou escândalo. O livro epistolar de Choderlos de Laclos foi considerado calunioso por retratar o lado mais vil da nobreza francesa. Mas o escândalo rendeu bons frutos ao livro: As relações perigosas teve vinte edições esgotadas apenas no primeiro ano de sua publicação. No romance, durante alguns meses, um grupo peculiar da nobreza francesa troca cartas secretamente. No centro da intriga está o libertino visconde de Valmont, que tenta conquistar a presidenta de Tourvel, e a dissimulada marquesa de Merteuil, suposta confidente da jovem Cécile, a quem ela tenta convencer a se entregar a outro homem antes de se casar. A história de sedução, ciúmes e vingança inspirou muitas adaptações para o teatro e para o cinema. A edição da Penguin-Companhia tem tradução de Dorothée de Bruchard.

3- Madame Bovary, de Gustave Flaubert

Na época de sua publicação, em 1856, Madame Bovary rendeu a Gustave Flaubert uma acusação por "imoralidade". Reconhecido por autores como Henry James como “o romance perfeito”, o livro foi o maior sucesso entre o público e enfureceu o governo francês. Flaubert inventou um estilo totalmente novo e moderno, praticando uma escrita que, ao longo dos cinco anos que levou para terminar o livro, literalmente avançou palavra a palavra. Cada frase devia refletir o esforço em obtê-la, sendo reescrita e reescrita ad infinitum. Mestre do realismo, o autor documenta a paisagem e o cotidiano da segunda metade do século XIX, ironizando os romances sentimentais e folhetins, gêneros que considerava obsoletos.
A história faz um ataque à burguesia, desmoralizando-a com a descrição exuberante de sua banalidade. Em um tempo em que as mulheres eram submissas, Emma Bovary encontra nos tolos romances dos livros o antídoto para o tédio conjugal e inaugura uma galeria de famosas esposas adúlteras atormentadas na literatura. O livro também tem uma edição pela Penguin-Companhia com tradução de Mário Laranjeira. 

Poesia de transgressão

4- Da poesiade Hilda Hilst 

Da poesia reúne cerca de 20 livros e material inédito da autora que também se dedicou à prosa e ao teatro. A poesia de Hilda Hilst - que ganha forma em cantigas, baladas, sonetos e poemas de verso livre - explora a morte, a solidão, o amor erótico, a loucura e o misticismo. Ao fundir o sagrado e o profano, a poeta se firmou como uma das vozes mais transgressoras da literatura brasileira do século XX. Esta edição contém posfácio de Victor Heringer, carta de Caio Fernando Abreu para Hilda, dois trechos de Lygia Fagundes Telles sobre a amiga e uma entrevista cedida a Vilma Arêas e a Berta Waldman, publicada no Jornal do Brasil em 1989. 

5- O amor natural, de Carlos Drummond de Andrade

Publicado em 1992, cinco anos depois da morte de Carlos Drummond de Andrade, O amor natural foi saudado, com justiça, como um grande acontecimento cultural: a lírica erótica (e por vezes pornográfica) de um dos maiores poetas da literatura brasileira finalmente vindo a lume. Mais de vinte anos depois de sua publicação original, pode-se dizer que a leitura do livro ganha ainda mais importância: os poemas eróticos de Drummond, que na edição original foram lidos quase como uma excentricidade dentro de uma vasta e importante obra, estão entre os maiores exemplos dessa modalidade de lirismo em qualquer idioma. Mais do que isso, grande parte deles está à altura dos maiores momentos do poeta mineiro.

6- Um útero é do tamanho de um punho, de Angélica Freitas

Lançado em 2012, Um útero é do tamanho de um punho se tornou um clássico contemporâneo ao refletir, com humor e perspicácia, sobre questões de gênero. Angélica Freitas reúne poemas escritos a partir de um tema central: a mulher. Uma das vozes mais destacadas da geração, ela subverte as imagens absolutamente gastas do que se espera do gênero feminino — anunciadas em capas de revistas e em vitrines de lojas de departamentos —, e joga luz — com inteligência, sagacidade e senso de humor aguçado — sobre o nosso tempo.

7- Poesia erótica, vários autores 

Poesia erótica reúne textos de erotismo na poesia ocidental, desde autores da Antiguidade até contemporâneos como Neruda, passando por Ovídio, Aretino, Rousseau, Goethe, Whitman, Baudelaire, Verlaine, Rimbaud e D.H. Lawrence, e ainda poemas que integram coleções como a Antologia Grega, a Priapéia, os Carmina Burana ou textos do folclore da Calábria. Com seleção e texto em português a cargo de José Paulo Paes, esta antologia percorre vários séculos da produção do que de melhor e mais representativo existe na poesia erótica do Ocidente. 

Em má companhia

8- Sexus, de Henry Miller

Durante muitos anos, Henry Miller foi considerado um autor maldito. Sua literatura, tachada de obscena e degradante, sofreu com a censura, e seus livros circulavam de forma clandestina. Apesar das dificuldades de publicação, Miller chamou a atenção de contemporâneos como Ezra Pound, T. S. Eliot e Edmund Wilson, que saíram em sua defesa. Os livros tornaram-se best-sellers depois de liberados, nos anos 60, e hoje o autor é considerado um dos maiores prosadores da língua inglesa, tendo influenciado a geração beatnik e escritores como Thomas Pynchon, Norman Mailer e Philip Roth. Sexus (tradução de Sergio Flaksman) é, em muitos sentidos, autobiográfico, e narra as aventuras sexuais e literárias de Miller em meio à boêmia nova-iorquina dos anos 20 e 30. Sua prosa é vigorosa, plena de energia, ao mesmo tempo cínica e inocente, secular e espiritual. 

9- Queer, de William Burroughs

Embora tenha sido escrito em 1952, Queer só veio a público mais de três décadas depois por causa de sua explícita temática homossexual. Ambientado na Cidade do México do início dos anos 1950, o romance acompanha William Lee – alter ego de William Burroughs e protagonista dos livros Junky e Almoço nu - durante uma crise de abstinência de drogas, que ele tenta superar com álcool e com uma paixão obsessiva pelo ambíguo e indiferente Eugene Allerton. Juntos, os dois partem para a América Latina em busca da ayahuasca, a nova droga do momento. A atmosfera frenética e o ritmo alucinado marcam a narrativa e os monólogos do protagonista, antecipando o estilo visceral que estaria presente em toda a produção literária de Burroughs. Tradução de Christian Schwartz.

10- Pornopopeia, de Reinaldo Moraes

Como Zeca, um ex-cineasta marginal obrigado, pela necessidade, a filmar vídeos promocionais, Reinaldo Moraes chutou o balde vazio da literatice bem-pensante na hora de escrever Pornopopéia, onde fala sobre temas contemporâneos como a obsessão pelo prazer e o individualismo exacerbado. Vivendo na base do improviso, sem dinheiro, Zeca precisa rodar um vídeo institucional sobre embutidos de frango. Sem saber ao certo por onde começar, no entanto, ele acaba entrando numa espiral de sexo, bebidas e drogas. Esse é o ponto de partida do romance de Reinaldo Moraes, que escreveu um livro de excessos para a era dos excessos. Na contramão dos (anti-)heróis tradicionais, Zeca não está atrás de redenção ou disposto a se transformar. Na maior parte do tempo, quer (muito) sexo, (muitas) drogas e mais nada. Não enxerga o ontem e o amanhã, só o agora. Pela sua atualidade e também pela maneira como o autor domina o texto - de ritmo nervoso, ecoando o que se diz nas ruas, e não nos departamentos de literatura -, Pornopopéia é uma experiência única. 

11- O complexo de Portnoy, de Philip Roth

Quando lançado, em 1969, O complexo de Portnoy (tradução de Paulo Henriques Britto) se tornou best-seller e foi saudado como a consagração definitiva do talento de Philip Roth. A crítica, porém, teve certa dificuldade em classificá-lo. Seria “literatura séria” ou apenas humor? Não era a primeira vez na história do romance que um livro engraçadíssimo parecia uma obra importante; mas havia ao menos dois elementos que causavam estranheza. Em primeiro lugar, o traço caricatural na construção dos personagens lembrava o humor dos grandes comediantes judeus da época, como Lenny Bruce e Woody Allen, que se apresentavam em boates; ao mesmo tempo, porém, a interioridade do narrador-protagonista era de grande densidade. Em segundo lugar, era inegável o desconforto causado pela centralidade do autoerotismo no enredo: o incesto é um tema respeitável desde a tragédia grega, e o homossexualismo ganhava cada vez mais espaço naquele conturbado fim de década em que nada parecia ser proibido - mas masturbação, definitivamente, não era matéria apropriada para um romance com pretensões artísticas.

12- Lolita, de Vladimir Nabokov

Lolita levanta muita discussão toda vez que é citado. Polêmico, irônico e tocante, este livro narra a obsessão de Humbert Humbert, um cínico intelectual de meia-idade, por Dolores Haze, Lolita, 12 anos, uma menina que inflama suas loucuras e seus desejos mais agudos. Através da voz de Humbert Humbert, o leitor nunca sabe ao certo quem é a caça, quem é o caçador. A obra-prima de Nabokov (tradução de Sergio Flaksman) não é apenas uma assombrosa história de obsessão e ruína. É também uma viagem de redescoberta pela América; é a exploração da linguagem e de seus matizes; é uma mostra da arte narrativa em seu auge. 

13- Trilogia suja de Havana, de Pedro Juan Gutiérrez

Trilogia suja de Havana é um marco na literatura latino-americana. Em grande parte autobiográfico, é uma narrativa arrebatadora sobre o cotidiano de Cuba em plena crise econômica e o mais emblemático livro de Pedro Juan Gutiérrez. Sem medo de se expor, o escritor narra sua vida particular e tudo o que se passa ao seu redor. Com uma linguagem direta, aborda temas como sexo, fome, desencanto e luta. São relatos dramáticos, e por vezes cômicos, sempre acompanhados de muito rum e sensualidade. Trilogia suja de Havana (tradução de Paulina Wacht e Ari Roitman) é um deslumbrante conjunto de histórias de ritmo acelerado, orquestradas como um romance. Duras, comoventes e verdadeiras, elas nos revelam um escritor único, um cronista implacável em tempos contraditórios, terríveis e fascinantes.

14 - Pornografia, de Witold Gombrowicz

Pornografia (tradução de Tomasz Barcinski) é uma espécie de novela pastoral com farsa melodramática, thriller político com trama policial. A história gira em torno de dois amigos, Witold (o próprio Gombrowicz atuando como personagem-narrador) e Fryderyk, intelectuais boêmios e solteiros, que vão visitar uma propriedade rural na Polônia ocupada pelos nazistas, em 1943. O que deveria ser um mero passeio bucólico no campo transforma-se em uma jornada obsessiva pela posse imaginária dos corpos sedutores de um casal de adolescentes, Henia e Karol, amigos desde a infância. Os visitantes urbanos, em tácito conluio, observam com precisão maníaca e quase indecente as ações e motivos dos dois jovens provincianos, detectando, analisando e dissecando o que supõem ser uma latente e não assumida atração física que une a garota e o rapaz à revelia de suas imaturas consciências. 

Compartilhe:

Veja também

Voltar ao blog