Semana 1: "26 poetas hoje" por Afonso Henriques Neto, Secchin e Zuca Sardan

18/03/2021

 

“Isso foi em 1976. Há 45 anos. Mas não parece”, escreve Heloisa Buarque de Hollanda na apresentação da nova edição de 26 poetas hoje, antologia que marcou os anos 1970. Afinal, o que mudou quarenta e cinco anos depois? E quais poemas seguem atuais em 2021?

Em homenagem à obra, seminal para o o reconhecimento da geração mimeógrafo ou geração marginal, convidamos alguns dos 26 poetas a compartilhar relatos sobre a época em que o livro foi publicado: a noite do lançamento, o contexto da ditadura militar e a importância da reedição — especialmente na conjuntura política e social em que nos encontramos.

 

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Semana 1: Afonso Henriques Neto, Antonio Carlos Secchin e Zuca Sardan

 

FESTA ATÉ HOJE

A festa de lançamento do 26 poetas hoje em 1976 no Parque Lage, Rio de Janeiro, foi de verdade inesquecível. Os poetas falavam em tons variados poemas em um palco cenograficamente projetado por Martha Costa Ribeiro. Lembro do Cacaso a dizer versos e a cantar com Suely Costa uma bela canção. Do Roberto Piva, que veio de São Paulo para o evento, a vociferar poesia por toda parte. Da Ana Cristina tímida e nervosa antes de entrar em cena. Do pessoal da Nuvem Cigana, Chacal, Charles e Bernardo Vilhena, bem mais à vontade com o palco, pois estavam acostumados a dizer seus poemas em muitos lugares. E também recordo de tantos outros poetas. Hoje, 45 anos depois, o volume ganha esta nova edição pela Companhia das Letras e a certeza de que aquela multiplicidade de vozes reunidas pela Helô na década de 1970 permanece a ressoar com vigor. Língua solta, valia qualquer estilo desde que fosse do coração. Cabelos ao vento, pop song, acid rock. É bom perceber hoje que aqueles momentos de embate com a ditadura militar que a todos azucrinava (odiávamos tudo quanto fosse institucionalizado), ajudaram a produzir essa poesia forte e ao mesmo tempo leve feito nuvem; muita vez trágica, mas bem-humorada; sempre aguda sob acentos ácidos e irônicos. Marcada por mil contrastes, porém construída a partir de uma aposta vigorosa na luz, na liberdade, na vida. Por tudo isso o 26 poetas permanece. E, por trazer bem isso, com o livro segue essa linguagem autêntica, poesia jovem e desafiadora, misturada vertigem de potentes sonhos encadeados.

Afonso Henriques Neto

 

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Heloisa foi minha professora no curso de graduação em Letras, no começo da década de 1970, e paraninfa de nossa turma. Reencontramo-nos como colegas num curso da pós, em 1975.  Sentada a meu lado, formulou o convite: estava organizando uma antologia da poesia contemporânea e gostaria que eu participasse. Aceitei na hora, muito feliz. Passei-lhe alguns poemas, para que selecionasse. Os que não incluiu na antologia reservou para um importante número da Revista Tempo Brasileiro, intitulado Poesia Brasileira Hoje. Tive pouquíssimo contato com os demais poetas, salvo com Cacaso, em cuja residência estive duas vezes, antes de viajar. Sim, porque, em fins de 1975, fui para França estudar e lecionar, de modo que não participei do festivo lançamento de 1976. Retornei em 1979. Desde então, aproximei-me, com intermitências, de Afonso Henriques Neto, Chacal, Francisco Alvim, Vera Pedrosa, Waly Salomão e, com mais constância, de Geraldinho Carneiro, a quem recebi na Academia Brasileira de Letras. Como ele nasceu exatamente um dia depois de mim (e nós, cerca de uma semana após Ana C.), não perco ocasião de lhe dizer: “Respeite os mais velhos” (rs). Creio que a heterogeneidade dos discursos é a marca da antologia dos poetas então chamados marginais. Na coletânea, são vários os que ficam à margem dos marginais, considerando-se o ideário estético então preponderante.

Antonio Carlos Secchin

 

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Havendo, na primeira década do século XX, azedas acrimônias se elevado entre o Kaiser, o Tzar e outros soberanos e chanceleres dos grandes poderes na Europa, estes, em vez de limitarem os conflitos a uma  saudável troca de sopapos e bengaladas em Baden-Baden, resolveram, esses grandes Estadistas, desencadear um conflito, para o qual enviaram toda a juventude disponível nos vários países pra se trucidarem em pontas de baionetas, granadas, e gás lacrimogênio, na tremenda chacina que presto se transformou na Grande Guerra Mundial, gerando um sentimento de indignação na Europa, de que a primeira manifestação artística foi o Dada, em 1916, no improvisado Cabaret Voltaire, e que a seguir, no início dos 20, ganhando Paris, deu origem ao Surrealismo. Esta revolta, no Brasil, passou desapercebida... Só Oswald de Andrade, que viajava muito a Paris, sacou a força da revolta e a transpôs pro Brasil, onde, unido a outros jovens intelectuais brasileiros, aprontaram, em 1922, a Semana da Arte Moderna. Nos anos 30, o Modernismo foi ficando mais sério e sóbrio, dando margem ao aparecimento de Bandeira, Drummond, e por fim Cabral. Tratava-se agora dum Modernismo socializado, responsável e... sério, que se foi desenvolvendo mais nos 50. Só Manuel Bandeira continuou a rir. Mas no mais todo mundo sério, responsável, com consciência social. Enquanto isso em Cuba, Fidel Castro conseguiu enganar Washington o tempo suficiente instaurar o marxismo, e fazer aliança com Moscou, ainda muito prestigiada pelos esquerdistas de Europa e... América Latina. Sartre vem dar apoio a Cuba, passando pelo Brasil, pra prestigiar a nossa esquerda. Entusiástico sucesso. A seguir, Krushev despacha via marítima vultoso carregamento de bombas atômicas pro Fidel. Imediatamente, Washington deu o ultimatum: ou a esquadra transportadora retorna no meio do caminho, ou Guerra Total. Kruschev se convenceu a tempo que o ultimatum era pra valer e recolheu a esquadra. Foi um choque pros esquerdistas de Europa e da América Latina. Entretanto, de Washington, soprando por trás do pano, vieram senhas pra todos os governos latinos, e chefes militares de toda a América Latina. Em 1964, os Militares assumiram o poder no Brasil. A partir daí começa a Ditadura e a marginalização de quase toda uma geração já transviada pelo Flower Power, pelos Beatles, liberação sexual... Todavia, no Brasil, vivendo num regime de severa repressão militar, contra "ideias exóticas" e falta de compostura... Instaurou-se uma violenta repressão. Daí surge a Poesia Marginal. Totalmente desligada e ignorada pelo sistema editorial e a boa sociedade, pra nada dizer das autoridades militares e civis. Restaria saber quem inventou seu nome. Creio que foram os detratores. Mas, súbito, ocorre o lançamento da pequena antologia 26 poetas hoje por uma editora espanhola de alto prestígio, como marco de sua inauguração no Brasil. Este fato insólito provocou grande choque e repercussão e... trouxe a obrigação de reconhecer, de muito mau grado, a existência da... Poesia Marginal e dos... poetas marginais, que usavam mimeógrafos e iam vender seus livros na rua, em botecos, filas de ônibus e saídas de teatros.

Zuca Sardan, fev. 2021

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