Leia os primeiros capítulos de “A mágica mortal”, novo livro de Raphael Montes

11/08/2023

No mundo da mágica, nem tudo é o que parece. Pedro sabe disso muito bem, afinal, sempre foi fascinado por ilusionismo. Só não imaginava que ia entrar para valer nesse universo por causa de um crime terrível. Depois que seu melhor amigo é vítima de um mágico sinistro, Pedro decide encontrar o culpado a qualquer custo. Assim, o garoto reúne Pipa, Analu e Miloca, seus amigos de escola, para formar o Esquadrão Zero – e juntos desvendarem o caso.

Não demora para o criminoso fazer novas vítimas, sempre utilizando números de mágica famosos. Em sua estreia na literatura juvenil, o mestre do suspense Raphael Montes – autor de livros como "Jantar secreto", "Suicidas" e "Dias perfeitos" – coloca os jovens investigadores em uma aventura que envolve ilusionistas excêntricos, livros eletrizantes e um castelo imponente. Será que o grupo conseguirá descobrir quem é o  mágico assustador antes que ele realize seu próximo truque?

Leia o início de A mágica mortal

 ***

CAPÍTULO 1: O MÁGICO

José não podia imaginar a tragédia que estava prestes a acontecer. Naquele momento, sua animação era maior do que tudo: ele estava no Geraldino’s Park, o famoso parque de diversões, que havia acabado de chegar à cidade de Monte Azul! José queria muito ir aos brinquedos com seu grupo de amigos —Pedro, Pipa e as gêmeas Analu e Miloca. Eles eram inseparáveis. Costumavam se encontrar na casa de um ou de outro aos domingos, para ver filmes ou jogar videogame e jogos de tabuleiro. Na escola, conversavam o tempo inteiro durante o recreio (e, às vezes, durante as aulas).

Pena que ninguém pôde vir hoje, José pensou, olhando para a roda-gigante. Mas vou tentar me divertir mesmo assim! Pedro e Pipa tinham ficado em casa estudando para a prova de matemática do dia seguinte, e a mãe das gêmeas só deixava que elas saíssem à noite no fim de semana. José acabara convencendo o avô, seu Ernesto, a ir com ele ao parque.

Tinham chegado pouco depois das seis da tarde, quando o sol já baixava, deixando o céu numa cor alaranjada. Seu Ernesto deu ao neto algum dinheiro para comprar bilhetes e ficou sentado lendo jornal perto das barraquinhas de comida, onde o cheiro de pipoca, algodão-doce e churros era forte. O parque havia sido montado na praça principal da cidade e estava bem cheio. José ficou na fila e, depois de meia hora, conseguiu comprar dez tíquetes para as atrações. Finalmente, ele pensou. Quero ir aos brinquedos mais radicais! Estava mais ansioso do que nunca.

Não via mais graça no carrossel nem nas xícaras malucas. Andou no trem-fantasma, no barco pirata, na roda-gigante e se sentou no banco próximo à entrada da montanha-russa, encarando as engrenagens de ferro. Observou o carrinho fazer o circuito completo, com as pessoas gritando, rindo e erguendo os braços, os cabelos ao vento.

— Está com medo? — uma voz perguntou.

Um senhor havia acabado de se sentar ao lado dele. Tinha cabelos longos e barba e bigode compridos, tipo um samurai, tudo branco. Vestia roupas e capa pretas, com um lenço vermelho no bolso da camisa e uma cartola na cabeça. Em seu colo havia uma maleta de couro desgastado.

— Medo? Claro que não!

— Tem certeza? Sabe como é, eu sou mágico, sei de tudo — o senhor disse, tirando a cartola e girando-a no ar. — Luciano Alonso, muito prazer.

— Prazer — José respondeu, enquanto pensava: Que cara esquisito! Olha essa roupa!

— E você? Qual é seu nome?

— José Roberto. Mas meus amigos me chamam de Zero.

— Zero?

— José Roberto. Zé. Rô.

O senhor achou graça no apelido. Então, perguntou:

— Gosta de mágica, Zero?

— Mais ou menos. O Pedro, meu melhor amigo, ama.

— Ele não veio com você?

José negou com a cabeça e disse:

— Bom, vou nessa!

— Espera! — o mágico chamou. Abriu o trinco da maleta e, depois de procurar um pouco, encontrou o que buscava: um maço de cartas, que embaralhou com habilidade. — Escolha uma.

Dois meninos com roupas maltrapilhas e bonés amarelos se aproximaram para assistir à apresentação. José pegou uma carta, tomando cuidado para não deixar que o mágico visse. Era um ás de espadas. O mágico colocou as mãos nas têmporas e respirou fundo, buscando se concentrar. Ficou assim por quase um minuto, até que abriu os olhos e disse:

— Aqui tem muita gente. Sabe como é, muita interferência. Não está dando certo.

José ficou com pena dele. Esquisito, com certeza.

— Não tem problema. Faz outra — disse.

— Calma, ainda não acabei essa. Sabe como é, toda mágica é uma história com início, meio e fim. E, como toda boa história, a mágica tem seu mistério, seus segredos e desafios. Guarde a carta com você.

José obedeceu, curioso para ver aonde aquele truque ia dar. Os outros dois meninos também observavam atentamente.

— Sabe como é, preciso de uma varinha e perdi a minha — o mágico disse, apalpando os bolsos da calça surrada. — Algum de vocês tem uma?

Todos fizeram que não.

— Então teremos que apelar para o sobrenatural.

O mágico assoprou a mão direita fechada. Quando abriu, havia uma varinha ali.

— Como você… — José estava impressionado.

— Shh! Espere chegar ao final — o mágico sussurrou, em tom de segredo. — Não esqueça que estou contando uma história através da magia.

— E como é o final dessa história?

— É um final surpreendente! — ele disse num tom profundo, erguendo as sobrancelhas.

O mágico pegou um isqueiro e incendiou a varinha. Uma língua de fogo subiu alto e se apagou. No lugar da varinha, havia surgido uma carta: o ás de espadas! Os dois meninos de boné amarelo aplaudiram, fascinados, e logo foram embora. José continuou ali, ainda eufórico com o “milagre” a centímetros de seus olhos.

— Nossa, você que inventou esse número?!

— Essa mágica foi criada pelos saltimbancos. Sabe como é, eles davam a carta de presente ao rei, como recordação. Fique com ela para você.

José guardou a carta no bolso, enquanto o mágico se levantava com dificuldade.

— Já vai embora? Faz mais uma.

O mágico pensou um instante.

— Tem outro truque que adoro, mas… é só para os mais corajosos.

— Eu sou corajoso.

— Não posso fazer aqui, na frente de todo mundo. Vamos arranjar um lugar mais tranquilo.

José e o mágico caminharam juntos pelo corredor principal do parque de diversões. Meus pais sempre dizem para não conversar com estranhos, José pensou, enquanto se afastavam da multidão. Mas ele é só um velhinho ilusionista. Não tem perigo. E não quero parecer medroso. Os dois deram a volta na montanha--russa e encontraram um terreno vazio, de mato baixo, atrás do galpão do trem-fantasma. Dali, só era possível escutar o som indiscernível de gritos, risadas e conversas que vinham do parque.

O senhor vestiu luvas e tirou do bolso uma corda comprida.

— Essa corda é mágica — disse, esticando-a.

Num movimento ágil, envolveu o próprio pescoço com a corda e deu um nó, depois outro, e mais um terceiro. Quando José menos esperava, o mágico puxou as pontas da corda com força. Em vez de enforcá-lo, os nós se soltaram, libertando seu pescoço.

— Uau, como fez isso? Me ensina?

— Sim. Quer que eu faça em você?

José concordou. Queria aprender o truque para mostrar para Pedro, Pipa, Analu e Miloca. Eles vão ficar alucinados!, pensou, enquanto o mágico caminhava lentamente em sua direção. Ele enrolou a corda no pescoço de José. Deu um nó, depois outros dois, como havia feito antes.

— E agora você puxa e o nó se desfaz! É mágica!

O velhinho puxou as pontas da corda, mas o nó não se desfez. Em vez disso, a corda áspera apertou o pescoço de José, sufocando-o lentamente. Seu rosto foi ficando púrpura, os olhos arregalados ameaçavam saltar das órbitas, enquanto a boca aberta procurava em desespero um pouco de ar. O mágico puxou com mais e mais força. Desesperado, José tentou lutar e se debateu, incapaz de gritar enquanto pensava: Eu devia ter avisado meu avô. O que está acontecendo? Estou com muito medo. Por que dói? Era pra ser… só… mági…

 

CAPÍTULO 2: A PIOR NOTÍCIA DO MUNDO

Pedro chegou à Escola Prêmio bem cedinho, repassando mentalmente tudo o que havia estudado para a prova. Entrou na sala ainda quase vazia e se sentou na carteira ao lado de Pipa. O amigo suava frio e tremia, lendo e relendo as anotações no caderno.

— Estou com muito medo, Pedro!

— Não fica assim, Pipa. Você vai se dar bem.

Pipa sorriu de volta, mas era um sorriso nervoso.

— Preciso tirar oito. Se não, meus pais me matam!

— Você estudou, não estudou? Então, fica calmo.

— A Joaquina não dá mole, Pedro!

Joaquina era a professora de matemática. Quase todo mundo morria de medo porque ela tinha fama de inventar questões difíceis e de reprovar alunos.

Para piorar, a Joaquina tinha a voz meio rouca, feito giz riscando o quadro, e uma verruga no nariz, parecendo uma bruxa de contos de fadas.

Lado a lado, Pedro e Pipa destoavam completamente: Pedro havia espichado bastante nos últimos meses e era um dos mais altos da turma. Pipa era baixinho, magricelo e avoado, o que havia lhe rendido o apelido que ele ostentava com tanto orgulho. Sou Pipa mesmo, vivo nas nuvens, ele costumava brincar. E todos caíam na gargalhada.

Tenho o melhor grupo de amigos da escola, da cidade, do país!, Pedro pensou, mas sua atenção foi logo sugada para a porta. Stella, a menina mais bonita e inteligente da turma, havia acabado de chegar. Ele sentia uma coisa esquisita quando estava perto dela, um calor no peito, uma cosquinha nos braços, uma câimbra nas pernas, perdia os pensamentos e as palavras.

Havia algo de diferente com Stella naquela manhã, ela estava esquisita, menos radiante. De rosto fechado, escondido pelos cabelos compridos, a menina passou pelo tablado e se sentou na carteira em frente à dele. O que aconteceu?, Pedro quis perguntar. Mas não tinha coragem de falar com ela. Com frequência, as coisas mais importantes eram as mais difíceis de serem ditas. Desde o início do ano, eles tinham trocado pouquíssimas palavras. Stella não dava bola para ele. Só conversava com as amigas.

Pedro arrumou o estojo sobre a carteira, esperando a hora da prova. Logo depois as gêmeas Miloca e Analu chegaram. As duas não podiam ser mais diferentes. Quer dizer, fisicamente eram idênticas — o mesmo nariz largo, os mesmos olhos pequenos, os mesmos cachinhos escuros. Na personalidade é que tinham polos opostos: Miloca era intuitiva, atrapalhada, adorava deixar os cabelos bem bagunçados e se vestir sempre muito colorida (com brincos, pulseiras e meias de bolinhas); Analu era racional, metódica e discreta — usava presilhas e nunca pintava as unhas. Miloca arrebentava nas aulas de artes, português e história; Analu era a melhor em matemática, a matéria mais difícil. Ela nem precisava estudar tanto para se dar bem. Miloca sonhava em ser pintora, escultora ou cantora, enquanto Analu fazia planos calculados para trabalhar com computação e ser astronauta da Nasa.

Quando o sinal tocou, Joaquina apareceu na porta.

— Cadê o Zero? — Pipa perguntou.

— Ele foi no parque de diversões ontem — Pedro disse. — Deve ter perdido a hora.

Miloca e Analu não comentaram nada. Também estavam estranhas. Miloca era sempre falante e palhaça. Por que estava tão quieta? Talvez fosse preocupação: ela precisava tirar nove e meio para passar direto, sem ir para a prova final. Com as questões mirabolantes da professora Joaquina, suas chances eram muito pequenas.

Os alunos se sentaram, e as provas foram distribuídas. Tensão total. Pedro leu a prova depressa e decidiu começar pelas perguntas mais fáceis. Olhou para Pipa, que roía o lápis de tão nervoso. Analu também parecia preocupada, enquanto Miloca, estranhamente, fazia contas e respondia às questões sem qualquer dor de cabeça.

Cinquenta minutos depois, Pedro foi um dos primeiros a terminar.

— Não estava tão difícil! — ele disse a Pipa quando o amigo saiu da sala.

— Acho que emplaquei o oito que precisava! — Pipa emendou, fazendo uma dancinha para comemorar.

Quando o sinal tocou, as gêmeas entregaram as provas.

Pipa abordou Miloca no corredor:

— E aí, como foi? Acha que conseguiu tirar nove e meio?

Miloca e Analu trocaram olhares, em silêncio.

— O que deu em vocês? Perderam a voz? — Pedro Perguntou.

— Não, Pedro, é que…

Miloca levou a mão à boca e começou a roer as unhas.

No mesmo instante, Pedro entendeu tudo. Foi como um clique mental.

— Vocês estão trocadas! — ele disse.

— Quê? Como assim? — Pipa ficou confuso.

— Analu vestiu as pulseiras e as meias coloridas da Miloca e deixou os cabelos soltos. Miloca

veio vestida de Analu.

As duas ficaram vermelhas de tão nervosas. A farsa tinha sido revelada.

— Meu Deus do céu! — Pipa levou a mão à boca, encarando-as de perto. — Uma é a outra e a outra é a uma! Será que isso é crime?

— Fala baixo! — pediu a falsa Miloca/ verdadeira Analu.

— Por isso vocês estão falando pouco! Pra ninguém perceber!

— Eu só podia perder meio ponto! — disse a falsa Analu/ verdadeira Miloca. — E minha irmã é

muito melhor em matemática do que eu. A gente só fez uma inversão… Eu fiz a prova de português na semana passada no lugar dela.

— Não acredito! Como você percebeu, Pedro? — Pipa perguntou.

— Elementar, meu caro Pipa. Elas trocaram de roupa e o jeito de arrumar o cabelo, mas se esqueceram das unhas! Analu nunca pinta as unhas, Miloca sempre pinta uma de cada cor. Foi como um jogo dos sete erros! Descobri tudo quando vi a falsa Analu roendo as unhas… Unhas coloridas!

Do nada, Pipa começou a rir. As gêmeas logo se juntaram a ele. Era muito divertido que mais ninguém tivesse percebido a farsa. Pedro olhou para Stella, que seguia com uma expressão preocupada. Será que ela não se deu bem na prova? Vou lá perguntar, pensou. Mas logo desistiu: Melhor não…

Antes que ele decidisse o que fazer, a diretora apareceu na porta da sala de aula.

— Todos em seus lugares! Preciso falar com vocês!

Dona Eulália era ruiva, alta, de cabelos curtos e óculos pendurados na ponta do nariz. Naquela manhã, tinha os ombros encolhidos e os olhos assustados.

— Aconteceu uma tragédia — ela começou. Parecia que ia desmaiar a qualquer momento. — Infelizmente, nosso querido aluno José Roberto… Ele está morto.

*

Pedro sentiu a cabeça girar, como se tivesse sido jogado em uma máquina de lavar na velocidade máxima. Pipa parecia congelado na carteira, com os braços caídos ao lado do corpo. No canto da sala, próximo aos janelões, as gêmeas começaram a chorar, abraçadas.

— As aulas estão suspensas — a diretora continuou. — Fiquem em casa. Evitem sair.

— O que aconteceu com ele? — alguém perguntou.

— Não sabemos ainda. José morreu… dormindo.

A diretora saiu amparada por dois inspetores. O burburinho cresceu na sala, enquanto os alunos recolhiam suas coisas e se preparavam para ir embora. Pedro e Pipa deram as mãos e foram até as gêmeas. Sem dizer nada, os quatro se abraçaram. Foi um abraço quente, cheio de amor. Vocês são as pessoas mais importantes na minha vida, Pedro pensou. E logo começou a chorar. Não era motivo de vergonha um menino chorar. Ele tinha recebido a pior notícia do mundo. Seu melhor amigo estava morto. Morto!

No portão, Stella se aproximou de Pedro:

— Preciso falar com você.

— Comigo?

Ela segurou seu braço e o puxou para um canto.

— Posso confiar em você? — perguntou, baixinho.

O calor do toque dela deixou Pedro mudo. Era muita coisa para a cabeça dele ao mesmo tempo.

— Posso ou não? — ela insistiu, sacudindo-o.

Pedro concordou.

— O José não morreu dormindo — ela disse. — Ele foi assassinado.

— Mas a diretora falou que…

— Ela mentiu — Stella disse com tanta firmeza que só podia ser verdade. — Ele foi enforcado ontem, no parque de diversões.

— Como você sabe? — Pedro perguntou.

— Minha mãe é a delegada responsável pelo caso. Escutei uma conversa no telefone hoje cedo. Ela está atrás do criminoso.

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