Leia um trecho exclusivo de "Verão de lenço vermelho"

22/07/2024

Sucesso no BookTok, o livro foi censurado na Rússia e chega agora ao Brasil.

Em Verão de lenço vermelho, banido na Rússia e sucesso no BookTok por lá, vinte anos depois de ter passado seu último verão no acampamento Andorinha, Iura decide voltar. Os tempos são outros: já não existe União Soviética, o muro de Berlim caiu, sua vida seguiu adiante. Então não é nenhuma surpresa que, ao chegar lá, ele só encontre ruínas. Ruínas repletas de memórias.

Memórias daquele verão usando lenço vermelho no pescoço. O verão em que participou do clube de teatro ― e até acabou gostando. Em que inventou histórias de terror para divertir as crianças mais novas. Em que passeou de barco e deitou sob a sombra do salgueiro. O verão em que conheceu Volódia, um rapaz certinho, educado e muito inteligente. O verão em que viveu seu primeiro amor.

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Confira um trecho exclusivo a seguir.

***

Óbvio que Iurka não tinha nada a ver com o que Ira e o treinador faziam ou deixavam de fazer, mas pelo menos agora tinha uma informação na manga. Ela não poderia mais tentar acusá-lo de nada sem provas!

Mas, ao se cobrir, Iurka não ficou pensando em Ira, e sim em Volódia. Era uma pena que não tivesse conseguido se despedir dele. Mas não tinha problema, porque no dia seguinte os dois se encontrariam e pensariam em outra história de terror, ainda melhor. Foi legal ficar com Volódia no gira-gira, conversando e inventando histórias. Queria que já fosse amanhã. Iurka adormeceu roendo as unhas ao pensar no dia que viria, imaginando o gira-gira e Volódia.

Depois do que pareceu um segundo, Iurka acordou com Vanka o chacoalhando pelos ombros.

— Vai lá pro alpendre. Tão te chamando.

— A Ira outra vez? — ele resmungou.

Ele precisou reunir todas as forças pra levantar da cama, mas foi se trocar, lenta e preguiçosamente, sem nem abrir os olhos.

— Não, é o Volódia.

— O Volódia?

Os olhos de Iurka se abriram na hora.

Quando saiu, viu Volódia sentado no banco perto do canteiro. Ouviu uma mariposa batendo na luz do terraço, agitando as asas e formando sombras difusas. Iurka inspirou o ar fresco — a noite cheirava a coníferas molhadas e flores — e desceu os degraus.

— São só cinco minutos. — Volódia levantou e se aproximou. Ao ver a Iurka todo amarrotado, ficou preocupado. — Te acordei?

— Não, tudo bem — Iurka respondeu, com a voz um pouco enrolada de sono, ajeitado o cabelo bagunçado. — O que aconteceu?

— Nada, só vim me despedir. Já que não deu…

— Onde você se enfiou aquele tempo todo? — Iurka perguntou, sentando no banco.

— Estava atrás da Fugitívna.

— Fugitívna? Aquela menininha?

— Pois é! Dá pra acreditar? Esse é o sobrenome dela, da Iúlia. É a primeira temporada de todo mundo da nossa tropa, mas a Iúlia não consegue se acostumar com o acampamento. Não faz amizade com ninguém, fica sempre pedindo os pais, e agora resolveu arquitetar uma fuga. Quando a encontrei, ela admitiu que tentou fugir, mas se perdeu.

— Por que não me falou? Eu podia ter ajudado. Duas pessoas procuram melhor que uma.

— Não ia ter ninguém pra olhar os meninos. Mas não esquenta a cabeça. Primeiro, porque amanhã vamos ligar pros pais dela, assim pelo menos ela escuta a voz deles. Segundo, porque logo chega o dia de visita, então a mãe da Iúlia vem e tranquiliza a menina. Ou leva pra casa. O que seria até melhor.

— Aham…

A conversa morreu. Não foi estranho, era só falta de ânimo para falar. Estava tão bom ali, tão tranquilo: no frescor da noite os grilos cricrilavam alegres, ao longe dava para ouvir o uivo triste de um cachorro, ou talvez de um lobo. Iurka não sabia se era verdade ou apenas sua imaginação pregando uma peça. Podia jurar que tinha ouvido um pio de coruja!

Só faltava uma coisa para completar a noite: o crepitar de uma fogueira. Ele e Volódia estavam sentados perto um do outro mais uma vez, trocando algumas palavras sobre banalidades, como os mosquitos enfurecidos.

— O que você acha? A história funcionou? — Volódia perguntou, interrompendo o longo e agradável silêncio.

— Acho que não. — Iurka foi sincero. — Agora estou com receio de que eles estejam querendo testar se é verdade que o cabelo fica que nem cimento.

— No cabelo tudo bem — disse Volódia, fazendo um gesto de indiferença com a mão. — Só não pode no nariz e nos olhos.

Parecia que o céu estava deitado bem em cima dos telhados das casinhas dos alojamentos. A Via Láctea brilhava como uma jazida de estrelas coloridas. Parecendo reflexos do sol na água, satélites e aviões piscavam, em flashes brancos, verdes e vermelhos. Se tivesse uma luneta, Iurka olharia para as galáxias, que da Terra parecem pequenas nuvens nebulosas. Ou talvez conseguisse realizar seu sonho de criança: ver o asteroide B612 e acenar para o Pequeno Príncipe — afinal, em noites de verão como aquela, era fácil acreditar em contos de fadas.

Mas não deu para curtir a proximidade do céu por muito tempo. Depois de alguns minutos, Volódia suspirou e levantou.

— Bom, deu minha hora. Amanhã cedo tem planejamento e não posso me atrasar.

Volódia colocou a mão esquerda no ombro de Iurka, que permaneceu sentado, à espera de que o monitor desse uns tapinhas de agradecimento nas suas costas. Mas tudo que Volódia fez foi uma ligeira pressão, ou um carinho, Iurka não sabia, e estendeu a mão direita para se despedir.

— Obrigado por tudo — sussurrou Volódia, parecendo envergonhado.

— Amanhã vou cabular o toque de recolher — disparou Iurka. — Me espera no gira-gira?

Volódia deu uma risada, balançou a cabeça com ar de censura, mas não o repreendeu.

— Espero.

O aperto de mão dos dois pareceu durar uma eternidade. Mas assim que Volódia o soltou, Iurka ficou cabisbaixo: tinha sido tão rápido. Nunca tinha parado para pensar que, quando você aperta a mão de alguém, é como se a segurasse por alguns instantes. Mas pensou dessa vez. E entendeu, de repente, que queria ficar segurando a mão de Volódia mais tempo.

Mas a noite silenciosa não deixou que Iurka mergulhasse em reflexões e ficasse se perguntando o que era aquele sentimento e por que estava sentindo aquilo. Ele estava cansado e com sono demais para isso. Havia apenas uma vontade enorme de dormir e uma vontade ainda maior de que o dia seguinte chegasse logo.

Depois de se enrolar no cobertor fino, Iurka se entregou a um sono gostoso, e se sentiu não na cama dura do dormitório, mas em um colchão macio feito de dentes-de-leão.


Tradução: Yuri Martins de Oliveira

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