A educadora Vanessa Didó Boito dividiu com a Brinque-Book a experiência que teve com 18 alunos da Escola Despertar, em Porto Alegre. Após a leitura de Obax, todo um projeto passou a ser pensado envolvendo as pinturas africanas e o sentimento de raiva e tristeza vividos pela protagonista - o que chamou a atenção das crianças.
A intenção era trabalhar os sentimentos e a questão da cultura, mas o encantamento pela obra foi tão grande que virou algo muito maior. "Eu e as assistentes que trabalham comigo, Paula Petterson e Raquel Lima, nos apaixonamos pela história e tentamos transmitir isso ao grupo. O livro foi lido inúmeras vezes tanto por nós quanto pelas crianças, que tentavam na sua linguagem recontar aos colegas", disse a educadora.
Abaixo, em detalhes, ela revela uma parte da vivência, que teve ainda participação das famílias. Muito bacana de ler e conhecer!
[Você também realizou um projeto com alguns de nossos títulos? Conte pra gente através do email midias@brinquebook.com.br].
Por Vanessa Didó Boito, educadora da Escola Despertar (Porto Alegre)
Foi a partir de uma pesquisa relacionada aos movimentos corporais que iniciamos o projeto do livro Obax (André Neves), tendo a África como centro da pesquisa. Como fazemos encontros entre as famílias, foi durante o processo que uma mãe nos apresentou o livro “Obax”, de André Neves. Na hora, demonstrou em palavras e emoções toda a suas impressões, e nos encantou com a história de amor, amizade e cumplicidade entre os personagens Obax e Nafisa.
A dimensão subjetiva do movimento deve ser contemplada e acolhida em todas as situações do dia a dia na educação infantil, possibilitando que as crianças utilizem gestos, posturas e ritmos para se expressar e se comunicar. Além disso, é possível criar, intencionalmente, oportunidades para que as crianças se apropriem dos significados expressivos do movimento. A dimensão expressiva do movimento engloba tanto as expressões e comunicação de idéias, sensações e sentimentos pessoais como as manifestações corporais que estão relacionadas com a cultura (BRASIL, 1998, p.30).
As crianças passaram a manifestar suas descobertas com o gosto pelas tatuagens, semelhantes às pinturas do rosto do povo africano representado no livro.
Exploramos, a partir daí, a cor da pele e o cabelo da menina Obax, seu cheiro, movimento e textura, por meio de pedaços de tecidos e fios de lã - costurados na cabeça da boneca criada por nós: ‘Ocabelo da Obax é um cabelo de bolinhas! A boca da Obax é gordinha e marrom!’. Assim, fomos explorando diferentes flores, e, por conta de sua delicadeza e beleza, realizamos uma atividade de chuva de pétalas de verdade em um dos pátios externos da escola.
Interessante perceber a intervenção feita pelas crianças em seu ambiente alem da escola: ‘É a bebê Obax!’, elas diziam.
No âmbito de uma pedagogia da infância transformativa, preconiza-se a instituição do cotidiano educativo que conceitualiza a criança como uma pessoa com agência, não à espera de ser pessoa, que lê o mundo e o interpreta, que constrói saberes e cultura, que participa como pessoa e como cidadão na vida da família, da escola, da sociedade. No centro da construção dos saberes estão as pessoas: as crianças e os adultos, os alunos e os professores. (FORMOSINHO, 200, p.27)
Conta a lenda, ali no livro que é ficção, que na África não chove chuva de água e sim chuva de flores! Conta a lenda também que a Obax tem tanta imaginação que sua criatividade chega a transbordar em forma de lindos sentimentos como saudade, amizade e companheirismo. Pensando nisso, realizamos a pintura da savana africana. Pesquisamos sobre o continente africano, o clima, sol, arco-íris, nuves e chuva.
Explicamos, então, que não chove com tanta frequência como em nosso continente. Algumas crianças verbalizaram seus conhecimentos prévios, deduções e hipóteses. Ao observarmos o pôr do sol da janela de nossa sala, por exemplo, as crianças verbalizaram a mistura de cores: ‘O sol mora longe e sozinho, coitadinho!’; ‘Tem cores como vermelho, rosa e amarelo no sol!’
E assim, de várias formas, elas passaram a mesclar suas manifestações expressivas: pintando o corpo ao representar; falando; dançando e cantando. A produção feita por elas ficou fantástica e, no final da tarde, para nossa surpresa, duas das meninas que participaram do processo da pintura foram para o auditório da escola, olharam para o alto e disseram: ‘Esse pôr do sol é igual ao da nossa savana Africana, onde mora a Obax!’
Devemos reconhecer que as crianças são participantes ativos da sua própria aprendizagem. Isso significa colocá-las no centro do processo, garantindo que estejam totalmente envolvidas no planejamento e na revisão da sua aprendizagem juntamente com os educadores e que possam se envolver em conversas importantes com os adultos e com outras crianças, de modo a estender suas idéias e pontos de vista. (KINNEY; WHARTON, 2009,P.23)
Em um outro ponto da crianção, passamos a estudar sobre as pedras brancas (Nafisas) e sobre o elefante, animal da selva. Com as pedras contamos histórias, brincamos de comida, fizemos caminhos e outras tantas explorações.
Na chegada ao zoológico, vimos os macacos e passamos por uma árvore que chamou a atenção do grupo: ‘Opa! Já vimos isso!’. ‘Não pode ser…é a chuva de flores da Obax.’ E então, mais uma vez, foi uma momento mágico e o céu nos presenteou com uma chuva viva de flores para alegria das crianças.
Escutar o ponto de vista das crianças significa reconhecer sua competência, sua participação e seu protagonismo em diferentes espaços sociais. (SARMENTO, Especial Revista Educação. P.23)
Cada família construiu uma árvore de Nafisa. Como o corpo também fala e se expressa com a arte, os pés das crianças se transformaram nas folhas e as mãos no caule, e juntos, com materiais da natureza, pais e filhos puderam refletir sobre sustentabilidade.
Folhas secas, galhos, sementes e areia colorida se transformaram em lindas árvores. Cada qual munida de sentimentos ou de conhecimentos prévios de estruturas de árvores aprendidas na infância. Trabalhamos valores como o respeito e colaboração, em que duplas elaboraram a mesma árvore e compartilhavam dos mesmo materias, como tinta, tesouras, colas e pincéis.
“Quem tem olhar distraído nem imagina que as árvores possuem grande sabedoria, conhecem segredos e mistérios enraizados profundamente, histórias que enchem aos poucos o coração e deixam os olhos com uma luz especial.” (André Neves – livro: Um pé de vento)
O projeto “Obax e suas múltiplas linguagens” nos trouxe experiências diversas, com base na valorização da simplicidade dos materiais e no encantamento diante das novas possibilidades de cultura e costumes. Ele deu significado a essas experiências, em que pudemos aprender sobre os animais da selva, as savanas e as culinárias africanas - só para citar um pouco da riqueza que tem ali. E trouxe para os educadores, pais e crianças novas descobertas e motivação para aprender sobre hábitos de outro continente.
As leituras realizadas durante o projeto nos fizeram planejar as atividades com uma maior participação das crianças, dos pais e da comunidade escolar. Em todo o momento, essa relação ‘familia e escola’ se fez presente e o que eu levo de mais significativo é o gosto pela literatura, em especial aos do autor. No término do ano letivo, fui presenteada com mais um das obras do André neves “ A menina que contava” e, ja apaixonada, penso em um novo projeto utilizando a nova leitura. Porque a literatura transforma e cria conexões inesquecíveis.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. 1 v.
______. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. 3 v.
EDUCAÇÂO. Revista. Cultura e Sociologia da Infância. A criança em foco. São Paulo: Editora Segmento.
FORMOSINHO, Júlia Oliveira; Pedagogia da infância: dialogando com o passado: construíndo o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007.
NEVES, André; Um pé de vento. Porto Alegre: Editora Projeto, 2007.