O texto e o têxtil da família Dumont

07/12/2016

Bordadeira talentosa, a mãe passava horas no eterno vai-e-vem da agulha e da linha nas tramas do tecido enquanto ouvia a Rádio Nacional. O pai, um verdadeiro contador de causos, lia as curiosidades das revistas que chegavam de longe, a bordo do trem que cortava a cidade mineira de Pirapora, onde a paisagem era a do cerrado e as folias de reis incendiavam o imaginário infantil. Nesse contexto familiar, entre o texto e o têxtil, bordar palavras parecia ser o destino dos cinco filhos da família Dumont.

Demóstenes, Ângela, Marilu, Martha e Sávia Dumont são os irmãos mineiros que cresceram com o imaginário bordado nas barras dos vestidos, nos lençóis que cobriam à noite as crianças, nas toalhas de mesa que enfeitavam a casa em dia de visita. Também viviam entre as leituras feitas no coletivo, no quintal da casa da avó, em meio a muitas brincadeiras e risadas com as tias e os primos. “Primeiro vieram as histórias, depois veio a ideia de bordar as histórias”, relembra Sávia, que, assim como os quatro irmãos, teve uma infância entre as linhas da mãe e as letras do pai.

Hoje formam o grupo Matizes Dumont, dedicado às artes visuais a partir da técnica do bordado. Já ilustraram coletivamente diversas obras – Menino do rio doce (Ziraldo), A menina, a gaiola e a bicicleta e Céu de passarinhos (Rubem Alves e Carlos Brandão), com edições esgotadas. A arte de bordar, iniciada pela mãe, Antônia Zulma Diniz Dumont, já virou ofício de três gerações da família, incluindo as netas Luana, Maria Helena, Paula, Tainah e Luíza.

Marilu, a irmã mais velha, lembra que a natureza sempre esteve presente na infância da família Dumont. “A inspiração vem da nossa história de uma família numerosa, com muitas brincadeiras e um mundo cheio de imaginação. Na infância vivida em área rural, aprendemos a construir nossos próprios brinquedos, a valorizar as coisas simples, a amar o cerrado, as águas, o respeito pelos ‘viventes’. Permanecem nos bordados o desejo de criar com liberdade”, conta.

Essa infância simples e feliz aparece em livros como Vou ali e volto já, com texto de Sávia e bordados de Antônia, Ângela, Marilu, Martha e Sávia, sobre desenhos de Demóstenes e Martha – ou seja, uma verdadeira trama familiar. A obra, explica Sávia, surgiu como um desejo de presentear os netos – um verdadeiro carinho de vó.

Vou ali e volto já traz a história de Duda e Terê, chamadas logo cedinho por outras crianças a descobrirem qual tesouro desconhecido habitava o “escondido do dia”. Para decifrar o mistério, todas preparam as malas com aquilo que têm de mais valioso (luneta, medo de onça, pedaço de coragem, tiquinho de curiosidade...), deixam bilhetes para as avós e seguem pelos campos de linhas coloridas.

Na aventura, além de Duda e Terê, seguem muitas crianças – Leninha, Luana, Luíza, Zezinho, Tainah, Lucas, João, Ivan, Izadora, Clarinha, Izabela, João Lucas, Adriano, Pedro Henrique, Hermano, Marina, Juliana, Davi, Hugo, Carolina, Paulinha e André. São descendentes de dona Antônia, a mãe bordadeira, hoje vó e bisavó, que deu origem a essa história toda. Nem é preciso dizer que todas as crianças da família Dumont ficaram muito envaidecidas e cada uma se reconheceu no grande bordado tramado a muitas mãos.

Um livro como Vou ali e volto, com páginas e páginas com bordados de extremo detalhamento, demora cerca de um ano ou mais para ficar pronto. “A afinidade entre nós, bordadeiras, e os desenhos do artista plástico Demóstenes, nosso irmão, permite o dinamismo constante do trabalho que a cada proposta requer um pouco mais de nossa imaginação”, afirma Marilu.

 

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