Por Silvana Salerno
Viagem pelo Brasil em 52 histórias foi um presente para mim que dedico a todas as crianças brasileiras. É um livro que me fez mergulhar ainda mais no que gosto: a cultura popular e os saberes brasileiros.
Em 2002, mostrei para a Lili Schwarcz, então editora da Letrinhas, o livro Brasil criança, que escrevi para o Itamaraty apresentar o Brasil às crianças de outros países. A Lili então me propôs que eu escrevesse um livro com histórias brasileiras para ser parceiro de Volta ao mundo em 52 histórias.
Adorei o desafio e saí pelo Brasil visitando amigos, conversando e ouvindo causos, me enfiando em bibliotecas e participando das festas populares, que adoro. Amigos do Amapá ao Rio Grande do Sul me mandaram histórias. Li a obra de Câmara Cascudo e Silvio Romero, tudo do Mário de Andrade, etnógrafos e antropólogos como Herbert Baldus, Egon Schaden (meu querido professor), Darcy Ribeiro, os Villas Bôas. Fui selecionando e apurando histórias. Escolhi duzentas e escrevi cem, para chegar às 52. Levei três anos em pesquisa e redação.
Recontei histórias clássicas, como Iara, Curupira, O Negrinho do Pastoreio, Boitatá e Mãe-d´Água, e criei histórias para mitos como a bruxa de Santa Catarina, a princesa que foi encantada em Jericoacoara, Iemanjá, o capeta, o Saci-Pererê, o Lobisomem. Contei a vida de figuras marcantes de várias partes do Brasil: Zumbi, Chico Rei, São Sepé, Lampião e Maria Bonita, Padre Cícero.
Para acompanhar as histórias, escrevi centenas de notinhas abordando um aspecto pouco conhecido de algum tema, fazendo comparações e proporcionando reflexão ao leitor. Por que a maioria dos nomes de plantas e bichos é de origem indígena, assim como os dos rios e das montanhas? Ao lado das histórias, os nomes de origem tupi ou africana vão sendo desvendados, assim como a natureza, a formação e a cultura do povo brasileiro. O mundo indígena vai se mesclando ao mundo português e, juntos, se misturam ao mundo africano – e o resultado é a riqueza da nossa cultura.
A primeira história foi a mais difícil. A partir da segunda, fui me soltando e tudo foi fluindo como na infância. Com o tempo, uma história que tinha de inventar “baixava”: era só começar a digitar, que ela vinha inteira, do começo ao fim.
Quando o texto estava finalizado e lindamente ilustrado pelo Cárcamo, conversando com a Helen Nakao, percebemos que era importante cortar texto para abrir espaço para as ilustrações. E assim, sabendo a quantidade de caracteres ideal para as histórias, eu me muni de uma calculadora e fui cortando e recortando, emendando e refazendo, até chegar à medida ideal. Eu me sentia como uma costureira que ajusta com esmero os seus figurinos.
Aprendi tanto com Viagem pelo Brasil! E continuo aprendendo, a cada vez que vou a uma escola, que troco com os alunos, que participo de feiras de livro. Em 2007, este querido livro ganhou o prêmio Figueiredo Pimentel (Melhor Reconto) da FNLIJ e tem sido adotado e lido em todo o país.
Viagem pelo Brasil inspira alunos e professores em trabalhos maravilhosos. A turma do CEAT Anísio Teixeira, no Rio, fez uma linda Cobra Norato de pano. Uma escola paulistana escolheu uma história de cada região e a encenou; outra fez um musical. Com a professora Celina Belintano Piatto, os alunos pintaram os personagens das histórias em tecido e montaram uma linda colcha de retalhos. Alguns transformaram o texto em cordel, alguns recontaram as histórias. Em General Câmara, no Rio Grande do Sul, alunos do primeiro ano do Fundamental ao terceiro do Ensino Médio trabalharam o livro. Fizeram maquetes, pinturas, cerâmicas e filmaram muitas das histórias em super-8, para o Festival de Cinema da cidade. Em Porto Alegre, um grupo orientado pela professora Lili Friedrich encenou o livro todo. Crianças de 9 a 13 anos, algumas com necessidades especiais, iniciaram a peça fazendo papel de Mário de Andrade e Câmara Cascudo, citados na Apresentação. Em escolas do Sesi, alunos criam um novo livro a partir deste.
Meu encantamento não tem tamanho! E vou aprendendo e me deliciando. A propósito, você sabe por que são 52 e não 50 ou 55 histórias?
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Silvana Salerno é autora de 20 livros, dentre eles Qual é o seu norte? Almanaque com histórias da Amazônia (2012) e Viagem pelo Brasil em 52 Histórias (2006), que recebeu o Prêmio Figueiredo Pimentel "O Melhor Livro Reconto", da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), em 2007. Nasceu em 1952, em São Paulo, e formou-se em Jornalismo pela ECA-USP. Fez as traduções e adaptações de Germinal, de Émile Zola, e Ilusões perdidas, de Balzac, que receberam o certificado de Leitura Altamente Recomendável da FNLIJ, Guerra e paz, de Tolstói, e Os miseráveis, finalista do Jabuti de 2015. Ministra cursos e oficinas para crianças e adultos.