Se a escrita se mirasse num espelho, teria como reflexo a leitura.
É essa a conclusão de Mayssara Reany de Jesus Oliveira, professora de Ana Karolina Alves Amorim, vencedora da quinta edição da Olimpíada de Língua Portuguesa, concurso bienal que dissemina diversas ações para desenvolver competências de leitura e produção de texto.
Aluna do ensino médio, a brasiliense Ana Karolina foi convidada pela professora a participar da olimpíada, nem sabia da existência do concurso. Foi um dos 20 estudantes selecionados em diferentes gêneros textuais. E 28 educadores ganharam destaque por suas práticas no programa, que teve adesão de todos os Estados, 4.874 municípios, 170 mil inscrições. Estima-se que 5 milhões de estudantes tenham sido atingidos com a ação.
Talvez a máxima que abre este texto seja bastante óbvia, mas é também um dos maiores desafios dos professores Brasil afora. Como formar leitores (e, então, pessoas com maior destreza para a escrita)?
Mayssara questiona a forma como a leitura é apresentada aos estudantes ao longo de sua trajetória escolar. “Os alunos leem livros e têm de responder a perguntas, e o educador corrige as respostas de acordo com as orientações do livro do professor... É isso. Na escola, o livro parece um objeto à parte da vida dos alunos”, afirma a educadora.
Mas, se o estudante entende que o texto é uma forma de expressão potente, algo mágico acontece. "Quando o aluno tem prazer em ler, fica fácil ensinar a escrita – ele se espelha nos autores, identifica circunstâncias", diz Mayssara, cujos alunos, meninos e meninas, apresentam uma produção textual significativa.
Ela desenvolveu diversas oficinas de escrita com os alunos interessados em participar da Olimpíada de Língua Portuguesa. Nos encontros sobre crônica, por exemplo, apresentou um texto de Fernando Sabino. No início, muitos deles não entenderam, pois “não conseguiam decifrar o que queriam dizer as sentenças que estavam ali organizadas em favor de um sentido”. Fizeram uma leitura em silêncio e, depois, a professora exibiu na sala de aula um curta-metragem quase sem falas sobre o mesmo assunto.
“Quando eles viram o filme e vislumbraram a leitura que tinham feito, alguns se emocionaram. Então eu penso: esse é o poder da leitura, é emocionar. A partir desse momento, eles passaram a ler o texto com outros olhos. Sabiam que estava carregado de sentido, não era só um amontoado de informações. É preciso provocar o aluno a se apaixonar primeiro”, sugere.
Ana Karolina, que já era uma leitora voraz, venceu o concurso com o texto de opinião intitulado Também, olha a roupa dela, sobre a cultura do estupro. Ao longo do texto, ela cita letra de música de Emicida, reportagem da revista Veja que viralizou nas redes sociais (Bela, recatada e do lar), pensamentos de Simone de Beauvoir, dados sobre a violência contra a mulher no Brasil e precisos questionamentos sobre igualdade de gênero num país de raizes profundamente machistas, demonstrando que muitas leituras e pesquisas antecederam a escrita.
“A leitura permite o aluno ter uma visão mais ampla de mundo. E, com uma visão de mundo ampliada, ele enxerga tudo de modo mais reflexivo e crítico”, diz a professora, que lembra ser desafiador trabalhar a produção textual na escola pública, com salas superlotadas e somente uma aula semanal dedicada ao tema.
Ela conta que, na primeira versão do texto de Ana Karolina, a escrita era formal demais, aspecto que poderia afastar os leitores, inclusive os mais jovens. Mas no trabalho com o texto, ao longo das oficinas, a estudante foi convidada a dialogar com a oralidade na escrita. O resultado, para a estudante, foi superar limites: "Meu texto podia não ser ouro para os avaliadores, mas já era ouro pra mim". Mas foi, sim, medalha dourada na última Olimpíada de Língua Portuguesa.
(Para acompanhar o calendário da próxima Olimpíada de Língua Portuguesa, acesse o site do programa)
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Ilustração Marcelo Tolentino