Sampalhaças riem de si mesmas

21/02/2017

“Chegou a hora do picadeiro pegar fogo! Não tem gravata pra tapar o gogó nem cueca pra virar pano de prato. Sampalhaças é brinquedo de mulher num cortejo ilustrado.” O picadeiro, no caso, são as ruas e parques da cidade, por onde um coletivo de palhaças tem circulado, arrancando o riso.

Com trajes listrados, umas de saias e vestidos, outras de bermudas ou pantalonas, todas de narizes vermelhos, dez atrizes de várias companhias paulistanas integram o coletivo de mulheres palhaças – a próxima apresentação do coletivo está prevista para dia 18/3, no Parque Ecológico do Guarapiranga, na zona sul de São Paulo. Em breve, mais detalhes na página do grupo.

Apesar de não se intitularem feministas – e “somente” mulheres palhaças –, elas abrem o cortejo cênico dando o recado:

“Hoje vou dar uma de louca

Não vou segurar mais nenhum rojão

Já foi o tempo em que eu dormia de touca

Não sou mais a mesma, nananinanão”

 

Quando é que isso começou? Alessandra Siqueira, Juliana Gontijo, Layla Ruiz, Luciana Viacava, Monique Franco, Paola Musatti, Suzana Aragão, Teresa Gontijo e Vera Abbud, atrizes de diversas companhias e outras tantas formações, como Cia As Graças, Cia Pelo Cano, Cia do Ó, Doutores da Alegria, Fabulosa Trupe de Variedades, Escola Livre de Teatro, Escola Popular de Circo de Belo Horizonte, receberam um convite-chamado da palhaça veterana Val de Carvalho.

O grupo se reuniu pela primeira vez durante a 7a edição do Festival Palhaçaria Paulistana, que fez uma homenagem às mulheres palhaças. "No último dia desfilamos num cortejo. Parte desse grupo resolveu continuar... Batizamos de Sampalhaças", conta Val. Daí pra frente, o coletivo foi sendo pensado em toda sua complexidade e com direção do premiado ator, diretor, palhaço e músico autodidata, além de integrante e coordenador do Doutores da Alegria entre os anos de 1994 e 2013, Fernando Escrich, bendito fruto entre as mulheres.

Mas, vem cá, tantas mulheres em cena provoca um estranhamento. Fazer rir não é (era?) coisa de palhaço? Pois é, "no circo, uma mulher, para fazer ou ser palhaço tinha que se vestir de homem. Só a partir dos anos 80 as questões femininas começaram a fazer rir", conta Tereza Gontijo, atriz que dá corpo, voz e movimentos à palhaça Guadalupe.

Guadalupe aparece no cortejo numa cena paspalhona vendendo um elixir de beleza. Depois de convencer a todos com seu discurso, ela arranja uma freguesa, a palhaça colega de cena, Pororoca, que toma o tônico para ganhar cabelos longos e lindos, mas aparece para o público com bigode farto, cabeleireira nos sovacos e, por último, uma plumagem de galinha. A cena, hilária, faz a plateia refletir ao brincar com a excessiva busca pelos padrões de beleza - um prato cheio para as palhaças.

Afinal, o palhaço o que é? É ladrão de mulher ou é o que ela quiser?

Ser palhaço é uma construção a partir das vivências de cada artista. É uma criação que traduz conflitos, angústias, medos, alegrias do ser humano. "O palhaço revela o que a gente tem para esconder, ele denuncia as falhas humanas, traz à luz aquelas coisas que tendemos esconder debaixo do tapete, as atitudes condenáveis. O palhaço lembra que a gente é ser humano, falível e mortal. Não somos tão importantes assim, por isso não devemos nos levar tão a sério a ponto de cometer erros graves como a ganância", diz Tereza, fazendo coro com a eufórica palhaça Guadalupe, que traz um arquétipo inserido na sociedade desde os tempos mais primitivos.

Cientista renomada, a palhaça Dra. PhD em Vidência e Telepatia, Xaveco Fritza, alma gêmea na criação de Val de Oliveira, oferece de graça um conselho: "É preciso rir de si mesmo neste mundo duro em que vivemos". 

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