Super Júnior e sua identidade (nada) secreta

07/03/2017

Por José Roberto Torero

Neste Carnaval meu filho Matias se fantasiou de Batman. Já eu preferi sair de preguiçoso. Ou seja: chinelos, bermuda e camiseta. Mas nem sempre foi assim. Quando eu era pequeno, também gostava de usar roupas de super-herói.

Minha primeira fantasia foi de Super Qualquer Coisa. Era só uma capa vermelha e uma camisa com um “S” costurado pela minha mãe. Mesmo assim, achei sensacional! Colocar uma fantasia, ainda que um tanto chinfrim, abria um mundo de possibilidades. Eu podia voar (afinal, tinha uma capa), podia lutar contra vilões invisíveis em cima da cama de meus pais, atirar pesadas pedras de travesseiro a metros de distância, lançar raios pelos olhos, soltar puns que sufocavam meus inimigos etc...

Esse poder físico é uma das coisas que Matias mais gosta quando se transforma em herói. Com uma fantasia, uma criança que mal alcança o interruptor de luz transforma sofás e poltronas em prédios e fica pulando de um para outro como se fosse o próprio Homem-Aranha. Brincar de super-herói é poder ter um corpo do tamanho que quiser, com a força que quiser.

De qualquer forma, o Super Qualquer Coisa durou pouco. Logo percebi que tinha que manter minha identidade secreta preservada. Assim, meu traje seguinte incluía uma vistosa máscara. Claro que o enorme “J” em lantejoulas vermelhas e o nome do meu personagem (Super Júnior) não ajudavam muito a manter minha verdadeira identidade em segredo. Mas o anonimato completo não tem muita graça.

Essa questão da identidade secreta e da transformação, de ser um sujeito normal num instante e um supercara no outro, também agrada muito ao Matias. Ele adora brincar que é Peter Parker, botar uma roupa e virar o Homem-Aranha. Ou que é o Bruce Banner, tirar a roupa e virar o Hulk. Fazendo cá uma psicologia de botequim, talvez ele também se veja como alguém em transformação, que está crescendo, ficando mais forte. Talvez ele perceba que vai virar outra coisa em pouco tempo.

Depois de manter minha identidade secreta, eu estava pronto para o próximo passo: tornar-me um vilão! O escolhido foi Titã, um obscuro inimigo do Super-Homem que apareceu apenas em algumas revistas na década de setenta. Titã, além de desafiar o maior de todos os súperes, tinha uma máscara enorme e usava preto. Era um malvado completo! É bem verdade que eu ficava meio sem ar, mas ter o rosto todo coberto, deixando só meus perversos olhos à mostra, valia qualquer preço. Agora eu não seria apenas mais um herói bonzinho. Seria um vilão, um cara tão poderoso e corajoso que tentaria vencer o próprio Super-Homem.

Olhando para Matias, vejo que às vezes ele também gosta de ser alguém do time dos maus. Tanto que de vez em quando um Darth Vader entra em meu escritório com máscara e tudo. Ele empunha sua espada jedi de espuma e temos um terrível duelo. Eu sempre perco, é claro.

Esse gosto pelos malvados tem sua justificativa. Eles são caras criativos, com poderes tão bacanas quanto os mocinhos, têm uma risada malévola ótima de imitar e, do mesmo jeito que Matias me desafia várias vezes todos os dias, os vilões desafiam as autoridades, a lei e a ordem.

Um pouco preocupado com a fixação de Matias por super-heróis fui ler a respeito e encontrei uma reportagem na Revista Crescer que cita um interessante estudo da Universidade de Stanford. Ele mostra que crianças que experimentam superpoderes no mundo imaginário se tornam mais prestativas e altruístas na vida real. Como diria tio Ben para Peter Parker, “grandes poderes trazem grandes responsabilidades”.

Em resumo, acho que brincar de super-herói é um bocado divertido e tem tantas utilidades quanto o cinto do Batman. Só é preciso deixar claro para a criança que tudo não passa de brincadeira e ela não pode voar por aí.

Aliás, falando em voar, um Super-Homem com meias de Flash, calças de pijama e um estranho cinto está na porta do meu escritório me desafiando a lutar. Não posso fugir. Vou reviver meus velhos tempos de Titã e enfrentá-lo.

Para baixo e avante!

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José Roberto Torero nasceu em Santos, em 1963. Autor de diversos livros, é bacharel em Jornalismo e Letras pela USP. Seu livro de estreia, O Chalaça, ganhou o prêmio Jabuti na categoria romance. 

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