O encontro com a palavra ensina a expressão. Cria espaços de diálogo, desenvolve a criticidade, ajuda na compreensão de nós mesmos, dos outros e do mundo. Proporciona “a possibilidade de viver em outros lugares, de escapar e de ser capaz de voltar a si mesmo, reconhecendo melhor o seu eu interior, desenvolvendo empatia pelo outro e descobrindo que o mundo é muito maior e mais diverso do que a minha visão pode alcançar”, diz Denise Guilherme Viotto, consultora de projetos de leitura e fundadora de A Taba, voltada à curadoria de livros infantis.
Uma forma de estimular esse hábito desde a infância é a criação de um cantinho de leitura em casa, com um bom acervo. “Para formar um leitor é preciso dar a ele acesso a livros e a experiências leitoras de qualidade. Não precisa de muitos livros. Mas as obras precisam ter qualidade. Isso porque um bom livro dura. Cresce junto com as crianças, a cada nova leitura. E por isso é sempre novo”, explica a consultora.
Ela orienta que os livros não precisam ser organizados por faixa etária no espaço, já que a competência dos leitores de uma mesma idade pode ser bem diferente. Assim, as obras devem ser dispostas por experiência de leitura, e uma criança que ainda não sabe ler não deve ser reprimida ao se interessar, por exemplo, por um romance. “Cada leitor sabe os desafios que está disposto a enfrentar. E mesmo que o livro não seja lido, muitas vezes, a criança quer apenas ter o prazer de reconhecer que pode um dia ser capaz de enfrentar aquela leitura”, afirma.
Para criar um cantinho de leitura econômico, pais e mães podem bordar ou pintar capas de almofadas com as suas histórias preferidas, desenhar retalhos para, junto aos filhos, fazer um tapete, e utilizar caixotes de madeira como estantes, por exemplo. Mas as leituras podem acontecer em qualquer lugar: embaixo de uma árvore, em um canto silencioso da casa, na varanda…
O principal cuidado é deixar os livros sempre acessíveis, com as capas viradas para a frente, proporcionando a autonomia. E permitir que as crianças sejam também as autoras do ambiente. Sempre é possível criar espaços de cabanas, tapetes mágicos, foguetes, labirintos e castelos, por exemplo, sem gastar muito dinheiro. “Às vezes, uma simples caixa de papelão pode se transformar em muitas coisas”, lembra a especialista.
Já que os pais também frequentarão o espaço como mediadores de leitura, é importante que eles também tenham um ambiente confortável. Essa mediação deve ser aproveitada como um momento em família, sem obrigações nem tarefas.
Para a educadora, o hábito de ler deve ser agradável, “um triângulo amoroso entre adultos, crianças e livros”. Pode ser criada uma rotina de leitura, adaptada à realidade de cada família. Visitas a bibliotecas, livrarias e outros espaços de leitura também podem estimular tal hábito, mas, acima de tudo, “os pais precisam ser leitores também. As crianças aprendem muito mais pelo exemplo do que pelo discurso”.
Denise vê a situação da iniciação à leitura no Brasil com bastante otimismo. Segundo a educadora, muitos dos adultos de hoje concluíram o ensino superior e têm consciência da importância da leitura, mas não desenvolveram uma “história de leitor”. Alguns limitam as suas leituras a best-sellers e à literatura de autoajuda, sem uma busca por algo mais profundo ou desafiador.
E é aí que está o mais encantador: “Acredito que a história de leitura das crianças, muitas vezes, pode ser também uma história de reconciliação e descoberta dos pais com os livros. Ou seja: ao incentivar os seus filhos a ler, muitos adultos se encantam e descobrem ou redescobrem o prazer da leitura. E isso é muito lindo”.
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Ilustração: Marcelo Tolentino