O primeiro amor ganha asas em 'O dia em que virei um pássaro'

19/11/2024

Que criança não namora, todo mundo sabe. Mas, em algum momento da infância, os pequenos passam a sentir uma admiração especial por alguém, que pode ser um colega de classe, um amiguinho do prédio ou até um professor ou um artista da televisão. O primeiro amor pode bater à porta a qualquer momento.

Ilustração de 'O dia em que virei um pássaro'

O menino vira pássaro para atrair a atenção de sua amada Clara em O dia em que virei um pássaro (Pequena Zahar, 2024), de Ingrid Chabbert, com ilustrações de Guridi

Para um garoto cheio de sensibilidade, aconteceu no primeiro dia de escola, assim que ele colocou os olhos em Clara.

"Ela se senta bem na minha frente. Eu vejo somente ela. Ela não me vê."

Para atrair o olhar de sua amada, o menino se veste do que Clara mais gostava: pássaros. Faz sua própria fantasia com penas e bico e vai para a escola - sem medo do que os outros, além de Clara, podem pensar. Em O dia em que virei um pássaro (Pequena Zahar, 2024), de Ingrid Chabbert, com ilustrações de Guridi, somos envolvidos com pureza e honestidade no deslumbramento e no encanto do primeiro amor. O desejo de ser visto pelo amado, de se expor eventualmente ao ridículo e o desafio de, em meio a sentimentos intensos, nos mantermos fiéis a nós mesmos.  

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O dia em que virei um pássaro

O dia em que virei um pássaro (Pequena Zahar, 2024), Ingrid Chabbert

Na realidade, assim como acontece com o personagem do livro, é comum que as crianças percebam o surgimento do que chamamos de primeiro amor, por volta dos 5 ou 6 anos, de acordo com a psicóloga infantil Cynthia Wood, da Clínica Crescendo e Acontecendo (SP). “É um sentimento que é mais uma amizade especial, é uma admiração”, define. 

Já o primeiro amor que envolve atração física e paixão costuma surgir mais adiante, entre a pré-adolescência e a adolescência, a partir dos 11 anos. “Esse primeiro amor infantil é como uma admiração sensível por alguém, com quem você quer compartilhar gostos e usufruir a companhia um do outro por mais tempo”, pontua. É aquele alguém que você gosta de olhar, acha lindo, gosta de ouvir falar, alguém que se quer agradar... alguém que desperta uma sensação de gostar muito. “A criança quer passar tempo junto, mas não é um amor que envolve sentimentos sexuais”, diz a especialista.

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E nessa fase, o alvo do amor nem precisa ser da mesma idade. O primeiro amor pode acontecer quando a criança acha alguém bonito, especial, agradável, independente da idade ou do grau de proximidade. Pode ser a professora, o vizinho, a madrinha, o instrutor da escolinha de esportes, o ator da novela, o cantor da banda favorita, o personagem de algum livro ou filme. É um sentimento que surge de forma genuína.

Sem pressa: o primeiro amor não é namoro

Quando a criança expressa esse primeiro amor, quando comunica que gosta de outra pessoa de um jeito especial, em geral, são os adultos que associam isso a “namoro”. Uma associação inapropriada, de acordo com Cynthia. “Geralmente, os pequenos dizem coisas como ‘minha amiguinha é linda’ ou ‘gosto do meu amiguinho’, mas não chegam a falar que é namoro. Elas repetem isso somente quando ouvem dos adultos e reproduzem a conversa”, explica. Essa associação também pode vir de referências como filmes, novelas, séries, mas é importante ter cuidado para não “adultizar” ou confundir e atropelar os processos.

Ilustração de 'O dia em que virei um pássaro'

"Clara me envolve com os braços. Não tenho coragem de me mexer, não consigo pensar." em O dia em que virei um pássaro (Pequena Zahar, 2024)

Embora o afeto seja fundamental na infância e a reprodução de alguns comportamentos típicos de adultos em brincadeiras sejam comuns, é preciso diferenciar a diversão do estímulo a práticas que não são adequadas ou saudáveis para a idade, como o namoro. É preciso explicar as diferenças e estimular as crianças a cultivarem, sim, as relações de amizade, sem antecipar fases.  

Como agir quando o primeiro amor bate à porta

“Vale ressaltar que quando um filho confia nos pais para expor esse sentimento, está mostrando que tem abertura para contar”, diz a psicóloga. Por isso, é essencial retribuir essa confiança à altura, sem começar com brincadeiras, zombar ou contar para todo mundo. Além disso, é esse o momento de abordar as diferenças entre o amor infantil, ligado a essa admiração e a essa amizade especial, e o amor entre adultos, em um namoro. “Os pais podem explicar que é legal ter um amigo ou amiga mais especial e que é muito bom ter com quem dividir gostos, conversar sobre tudo, passear. Mas devem deixar claro que isso é diferente de um namoro, que é uma relação que acontece entre adultos”, aponta.

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E se o amor não for correspondido? Ou se a criança, como o personagem de O dia em que eu virei um pássaro, tentar se transformar em algo que ela não é, apenas para tentar chamar atenção e se adaptar à expectativa do outro? “Cabe aos adultos também orientar sobre esses limites e ajudar a criança a entender que, mesmo quando se gosta muito de alguém, se anular ou passar por cima das próprias vontades pelo outro, não é o caminho”, diz a psicóloga. Demonstrar carinho e até obter novos interesses a partir da descoberta do outro e do seu sentimento por ele pode ser válido. Mas forçar uma personalidade diferente para caber no que você acredita que o outro quer não é saudável e nem sustentável. A fantasia, como a de pássaro, que o garoto usa na história, pode se tornar pesada, apertada e, de vez em quando, impedir de alçar verdadeiros voos.

Ilustração de 'O dia em que virei um pássaro'

É importante ensinar as crianças a serem elas mesmas: você não precisa fingir ser o que não é para conquistar afeto

Mas não há com quem se preocupar. O surgimento do primeiro amor faz parte do desenvolvimento e do crescimento. Aos poucos, a criança vai descobrindo as emoções e as pessoas cuja companhia desperta sensações boas. Cynthia traça ainda um paralelo entre o Dia de São Valentim e o Dia dos Namorados. Para ela, o primeiro amor de uma criança seria mais como a celebração de São Valentim, que acontece em vários países, como os Estados Unidos, por exemplo. Não é uma comemoração ligada somente ao amor romântico, entre um casal, e sim uma celebração do amor em geral, entre pessoas que se gostam: pais e filhos, irmãos, amigos, vizinhos e quem mais tiver. Já o Dia dos Namorados no Brasil é mais vinculado ao amor romântico, com atração física, sexual, entre adultos.

Cada amor chega a seu tempo. Faz parte se deixar sentir - e deixar o coração alçar voo.

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