A literatura transborda os muros da escola

29/06/2017

 

A leitura nem sempre é fácil. Pode ser um percurso com diversos obstáculos, que, se vencidos, guiam a uma melhor compreensão do mundo e de si mesmo, além de gerar um prazer imensurável. Para romper esses desafios, as escolas realizam o que chamam de leitura compartilhada, prática semelhante a uma análise literária. Nesse momento, alunos e o professor debatem obras tão fundamentais quanto desafiadoras.

 

Ilustração: Marcelo Tolentino

 

A pedagoga Bárbara Passos, formadora de mediadores de leitura, nos conta mais sobre essa prática que realiza com seus alunos em sala de aula. Ela diferencia a leitura compartilhada da mediação de leitura, que pode acontecer em diferentes situações, até em uma aula de ciências naturais, onde seja discutida a função de um texto informativo, por exemplo. O foco é a diversidade de títulos, autores, gêneros.

A leitura compartilhada vai além: é dedicado um bimestre ou trimestre para o trabalho com uma única obra. As escolas geralmente pedem para que a criança compre o livro, para que todos tenham o mesmo exemplar. O trabalho é mais aprofundado. É discutido o tipo de narrador, o perfil do personagem, a descrição, o uso dos adjetivos e os diálogos, por exemplo. A obra é radiografada: palavra por palavra, expressão por expressão. 

Bárbara cita a pesquisadora espanhola Teresa Colomer, autora de livros como A formação do leitor literário (Editora Global). Entre muitas questões fundamentais, ela fala da importância da prática de leitura compartilhada para a permanência dos hábitos de leitura. O compartilhamento é essencial para que a pessoa continue lendo. Conversar sobre as histórias de maneira mais aprofundada, em especial, traz o vínculo com a leitura. Seu principal objetivo pedagógico é justamente fazer com que o aluno consiga apreciar uma obra literária, explorando a linguagem – e não apenas o conteúdo.

A intenção é criar um repertório para que o jovem leitor não desista dos livros aos dez, onze anos, quando entram na adolescência ou na vida adulta. O desafio é que crianças e adolescentes se tornem bons leitores, entendam o que leem e pensem as obras de forma autônoma e crítica.

Para isso, deve-se avaliar diversos critérios ao selecionar uma obra. Um deles é a progressão leitora de cada sala ou turma. O livro escolhido deve ser algo alcançável para o aluno, mas é importante apresentar ainda um desafio, pois, como diz Umberto Eco, "um texto não apenas se apoia numa competência, mas também contribui para criá-la”.

Assim, a educadora sugere que seja um livro que os alunos não conseguiriam ler sem a ajuda de um adulto. “É um livro potente, que vai fazer com que as crianças amadureçam enquanto leitores, mas vai precisar das nossas intervenções para alcançarem toda a obra”, explica. A escolha da obra também deve considerar uma diversidade de linguagens, de autores, de desafios.

O ideal é que se conheça previamente os alunos, o que nem sempre é possível, em especial no início do ano letivo. Por isso as intervenções feitas pelo educador são importantes, para que as crianças possam avançar na leitura. “Não dá para trabalhar com livro se o professor não tiver muita intimidade com ele, antes de qualquer coisa.”

Em geral, esse tipo de trabalho pode ser realizado a partir do primeiro ano, com crianças de seis anos de idade. Como nessa fase nem todos os alunos leem de forma convencional (alfabeticamente), há a possibilidade de utilizar livros-álbum, analisar projetos gráficos interessantes, com outro tipo de complexidade.

Os alunos começam a levar a leitura para casa, em geral, a partir do fundamental 2, quando o volume de texto começa a ser maior. O professor continua com o trabalho de outra forma. “Mesmo não lendo todo o livro na sala, o professor seleciona informações que são de fundamental importância para as crianças avançarem e compreenderem essa leitura”, completa a educadora, integrante da equipe da Revista Emília.

As metodologias são diversas. Quando trabalhado um livro-álbum, o recomendável é uma leitura em roda, já que o retroprojetor pode não captar bem os detalhes de cor, textura, material da ilustração. Além disso, o formato de roda estimula a conversa e torna a atmosfera mais aconchegante. O ambiente de algumas escolas também possibilita a leitura em espaços abertos, em volta de árvores.

Já em leituras de peça de teatro, a tendência é a de que as crianças comecem a dramatizar os personagens a elas atribuídos. Nesse caso, a necessidade é de deslocamento. Ou seja, tudo depende da obra a ser trabalhada: até o formato plateia pode ser recomendado, caso o professor queira utilizar o projetor com informações adicionais sobre o contexto em que a obra foi escrita, por exemplo.

Outra possibilidade é de criar rituais de leitura, que comuniquem às crianças a importância daquele momento. Bárbara costuma acender velas, proporcionando um ambiente mais agradável para o momento da leitura. Essa prática não se restringe só à escola. “Orientamos inclusive aos pais de escolher um cantinho para que a criança possa sentar e olhar a obra, criando aquele desejo de pegar o livro, de estar em um lugar confortável.”

O que acontece com frequência é de as crianças levarem esse hábito às famílias que não costumam ler. Quando o hábito já está aflorado dentro de casa, o momento é de compartilhamento de experiências. "Acho que não tem preço quando você tem a oportunidade de compartilhar sensações, sentimentos, diferentes emoções durante uma leitura. Isso acaba tomando uma outra proporção, um outro significado, quando você faz essa troca em casa. O principal é a criança entender que a literatura não é da escola, é da vida.”

 

 

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