Ver o mundo com as crianças

26/03/2018
*Por Fabíola Farias Vivemos tempos difíceis no Brasil e no mundo, com ameaças que já pareciam distantes e improváveis até pouco tempo atrás despontando de todos os lados. Muitas delas vão se estabelecendo sub-repticiamente e encontrando maneiras de se justificar e se legitimar, apesar da resistência de alguns grupos, especialmente daqueles que são atingidos mais diretamente na perda de seus direitos e dos meios para sua sobrevivência. [caption id="attachment_4275" align="aligncenter" width="415"] "Quando as cores foram proibidas" / Monika Feth (texto) e Dieter Heidemann (ilustrações)[/caption] Há quem pense que as crianças passam ilesas a tudo isso, distraídas com suas brincadeiras, jogos eletrônicos, passeios ao shopping center e rotinas escolares. Mas não me parece que as coisas sejam e que devam ser assim, por um único motivo. É urgente o entendimento de que a reflexão sobre a vida cotidiana precisa estar sempre em marcha, para que tenhamos condições de tentar compreender nosso tempo, espaço e as relações que estabelecemos com outras pessoas, com a cidade, com o trabalho e com os problemas que, aparentemente, individualmente não nos tocam.

Andamos com as crianças pela cidade a pé, de carro e de ônibus, ouvimos barulhos, vemos pessoas indo e vindo, pessoas trabalhando, grupos protestando, observamos prédios, praças, cartazes, placas... Tudo isso deve ser um convite para pensar sobre a vida que vivemos e sobre o porquê de as coisas serem como são

  Esse exercício de compreensão é tarefa aberta, para a vida inteira, e começa quando nascemos. Desde muito pequenos, percebemos os ambientes em que vivemos, as relações de afeto em que estamos envolvidos e aprendemos, nas situações mais rotineiras, noções de justiça e de respeito – ou seu contrário. Andamos com as crianças pela cidade a pé, de carro e de ônibus, ouvimos barulhos, vemos pessoas indo e vindo, pessoas trabalhando, grupos protestando, observamos prédios, praças, cartazes, placas... Tudo isso deve ser um convite para pensar sobre a vida que vivemos e sobre o porquê de as coisas serem como são. Adultos e crianças, claro, perceberão as coisas por aspectos diferentes, a partir de seu repertório, mas o fundamental é que vejamos e que convidemos as crianças a ver também. Ver e prestar atenção no mundo ao redor são os primeiros passos para compreender. Não digo que devamos expor as crianças a problemas que lhes escapam, gerando medo e angústia nos pequenos. Mas sim que, desde cedo, apresentemos o mundo como ele é, com suas desigualdades e conflitos, para que noções de justiça e de igualdade possam ser elaboradas e apreendidas ao longo do tempo. Há muitos manuais que tentam nos explicar e, principalmente, às crianças o que é certo e errado, como devemos agir em situações diversas, como ser bons e justos. No entanto, apenas o esforço de indagação permanente do satus quo, aprendido e exercitado desde a infância, nos permite ver e interpretar criticamente o mundo. Do  contrário, transferiremos para outros nossas escolhas mais íntimas, não entre o bem e o mal, mas sim sobre nossas posturas frente ao que tem sido naturalizado como inevitável por interesses que extrapolam e interditam as perspectivas de desenvolvimento humano. É esse mundo grande e complexo que precisamos mostrar às crianças. --- Fabíola Farias é graduada em Letras, mestre e doutoranda em Ciência da Informação pela UFMG. É leitora-votante da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e coordena a rede de bibliotecas públicas da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte.
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