Não é pequeno o desafio da escola quando se fala em formação de leitores. Recentemente, por exemplo, circulou uma notícia que expunha um dado tão relevante quanto assustador. Segundo levantamento do Banco Mundial, ainda levará 260 anos para que as crianças brasileiras atinjam o nível de proficiência em leitura das crianças dos países ricos.
É no meio escolar, geralmente, que as crianças têm acesso aos livros. Basta ver que, segundo a mais recente pesquisa do Instituto Pró-Livro, apenas 56% são leitores e 30% jamais comprou sequer um único livro.
O
Blog da Brinque ouviu uma pedagoga, um professor e uma bibliotecária; compilou entrevistas com especialistas já concedidas anteriormente para a gente e selecionou análises feitas por pesquisadores do Brasil e de outros países durante o Seminário Internacional Arte, Palavra e Leitura na Primeira Infância, realizado em março, para compartilhar algumas reflexões e experiências inspiradoras, fora do óbvio. Estão aqui, organizadas nesses
10 passos para formar leitores na escola.
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"É assim que eu sou" / Pierre Winters (texto) e Eline van Lindenhuizen[/caption]
1) Apaixone-se por literatura: qualquer um pode ser mediador de leitura, desde que seja também um leitor, afirma a escritora, livreira e mediadora espanhola Lara Meana, que esteve no Brasil em março para dois eventos sobre literatura: o curso
Vamos buscar um tesouro: grandes livros para pequenos leitores e o
Seminário Internacional Arte, Palavra e Leitura na Primeira Infância.
"É como um vírus, só o transmite quem tem", diz Lara. Crianças, diz, podem mediar e incentivar os colegas.
Diretora pedagógica da Escola Vera Cruz, localizado na Zona Oeste de São Paulo, Regina Scarpa conta que, na escola que dirige, há uma preocupação com a formação continuada do professor como leitor. Uma das políticas do colégio nesse sentido e fomentar o acesso à boa leitura. O colégio tem uma biblioteca para o educador, com sistema de empréstimo e acervo atualizado de boa literatura. "Há filas de espera para os livros mais concorridos e tem aumentado a retirada pelos docentes".
2) Resgate o seu percurso leitor: Para Bel Santos Mayer, pedagoga e uma das coordenadoras do Polo de Leitura LiteraSampa, palestrante do seminário de leitura onde também esteve Lara Meana, é preciso resgatar o caminho leitor do próprio formador de leitores. O desafio é encontrar o prazer pela história, bem como os meios para compartilhar esse prazer com os outros.
Em recente entrevista ao Blog da Brinque, Lara Meana contou que costuma perguntar aos mediadores de leitura quais são suas memórias leitoras. Em geral, disse ela, há um conto, uma história, uma narrativa oral, um momento que marca o início de uma relação com a leitura. Resgatar essa memória pode ajudar a compreender como apaixonar as crianças e abrir-lhes caminhos.
"Ler em voz alta para as crianças, seja ficção ou seja não-ficção, cercá-las de histórias ou de informação que as interesse não é garantia de que irão continuar lendo, mas transforma-as em leitores no presente. Quando uma criança escuta uma história ou se senta ao nosso lado para ver as imagens do livro ou ouvir as palavras que as acompanham, também está participando da leitura, está lendo ainda que sem saber ler".
3) Não subestime a criança: a sensibilidade infantil é capaz de "ler" muitas narrativas diversas, de diversas maneiras, de acordo com suas habilidades leitoras. O adulto não precisa infantilizar as crianças e "poupá-las" de livros mais complexos, seja no tema, seja na forma como esse tema é narrado.
Não limite o acesso dos pequenos a livros-brinquedo ou com narrativas e imagens muito simplificadas. Aposte que uma obra que mexeu com você, tocou, emocionou ou suscitou questões tem o mesmo potencial de tocar os alunos.
"Os livros mais complexos são os que 'dão mais caldo' com as crianças", declarou Patrícia Diaz, pedagoga, diretora pedagógica com experiência em formação leitora, durante o Seminário Internacional Arte, Palavra e Leitura na Primeira Infância.
4) Não se prenda à faixa etária: Em entrevista ao
Blog da Brinque, a curadora Denise Guilherme, fundadora do clube de leitura
A Taba, explicou que a faixa etária funciona mais como um parâmetro para o mercado do que como balizador do tipo de leitura ideal para cada idade. Cade leitor lê de um jeito e, a cada nova leitura, outras interpretações vão se somando às anteriores. Um bebê aproveita determinado livro de um jeito; uma criança mais velha faz outra leitura, explica. Mas ambos podem ler o mesmo livro.
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"Uma meia azul" / Stephen Michael King (texto e ilustrações)[/caption]
5) Amplie o repertório: Um dos principais desafios do professor e do mediador de leitura é justamente enxergar o acervo de que dispõe como algo que possa ser lido pelas crianças. Romper, portanto, com o paradigma de que determinados livros não podem ser oferecidos aos pequenos.
"Se eu enxergo essa criança como uma criança potente, inteligente, curiosa, que pesquisa, que forma suas próprias ideias, que tem vontade de descobrir o mundo e vai aproveitar aquela situação literária para pensar sobre isso, eu posso escolher livros mais potentes, mais complexos, livros que de fato abram possibilidades, gerem perguntas e não que simplesmente reforcem a ideia de que ha respostas para tudo", avalia Patricia Diaz.
É essencial oferecer às crianças livros que façam sentido para elas e que despertem genuinamente seu interesse.
6) Abra espaço para conversas sobre as obras: boas obras suscitam perguntas, conversas, debates. Abra espaço, no ritual e na rotina de leitura, para acolher essas conversas, para que as crianças possam expressar livremente suas impressões sobre o que estão lendo ou sobre o que acabaram de ler.
Esses momentos podem acontecer durante a roda de leitura, no caso das leituras coletivas, ou mesmo em horários específicos para que as crianças conversem entre si sobre livros que estejam lendo, tanto do acervo da escola quanto do acervo pessoal.
Na Escola Vera Cruz, as crianças escrevem resenhas sobre seus livros preferidos, recomendam para colegas e são estimulados a trocar ideias e compartilhar pontos de vista sobre as obras. Para a diretora pedagógica, Regina Scarpa, o entusiasmo de um aluno "contagia" o outro, e o caráter polissêmico da literatura facilita essa conversação, pois permite múltiplas interpretações.
Além disso, diz ela, esse tipo de conversa e o recursos das resenhas faz muito mais sentido que as tradicionais provas de interpretação de texto. "Não queremos empobrecer a obra e a experiência com perguntas de verificação de leitura", diz ela.
7) Faça festa em torno da leitura: Regina Scarpa conta também que, no Vera Cruz, costumam organizar eventos literários, em que as crianças podem trazer livros de casa e trocar com os amigos, ler juntos, conversar sobre obras e preferências.
Os pais, claro, participam e, assim, amplia-se também a comunidade leitora. É comum, conta ela, crianças animadas levando livros dos colegas para os pais lerem para elas em casa. "É simbólico".
Para Lara Meana, não é incomum que as crianças sejam também mediadoras de leitura para os adultos, quer dizer, que sejam elas a apresentar aos pais seus livros preferidos e estimulá-los na paixão pela literatura, num círculo virtuoso.
8) Coloque afeto na roda: leitura é presença, é um canal de comunicação entre crianças e adultos, uma busca por conexão. Ao ler para crianças, é importante estar presente, ler com entusiasmo, com coração. Procure conhecer a história antes de ler, compreender como ela te afeta e te emociona e de que forma você pode usar recursos narrativos - como entonação de voz, gestos e expressões faciais - para comunicar a sua emoção aos pequenos.
Ao mesmo tempo, é importante saber que as crianças reagem à emoção no corpo. Uma obra pode fazer uma criança querer sair andando, por exemplo. Outra pode levantar. Uma terceira talvez queira comentar. Não ache que isso é falta de interesse. Acolha esses movimentos. Responda as perguntas e continue lendo, mesmo se os leitores estiverem passeando por aí. Quanto menores, mais fisicamente vão reagir a uma boa leitura e uma boa obra.
9) Mostre a ilustração; deixe o livro por perto: em um livro ilustrado, a ilustração é essencial, por vezes, mais importante que o próprio texto. Especialmente no caso das crianças pequenas, em que a linguagem fundamental ainda não é a palavra.
Leia com o livro virado para as crianças, deixe que elas toquem as figuras, toquem o livro, manipulem, interajam. Que olhem as cores, os traços. Ideal é que, além da roda de leitura, os livros estejam sempre ao alcance das crianças, para que manipulem e interajam por conta própria.
10) Lembre-se de que bebês e crianças gostam de ler: a narrativa é algo tão profundamente vinculado com o humano que a psicóloga argentina María Emilia López chegou a afirmar, durante o seminário, que quase um traço genético, uma característica fundante da nossa espécie. Precisamos da narrativa para dar sentido à experiência humana.
Isso é verdade especialmente para bebês e crianças, para os quais a história e as ilustrações ajudam a elaborar e compreender medos, sentimentos, sensações, informações em uma linguagem muito mais próxima da sua linguagem interior. Por isso que "bebês são leitores experientes de poesia", diz López.
É interessante ler com ritmo, rima e observar as preferências dos alunos, deixando com que eles ajudem a formar o acervo do grupo.