Um cachorro e um papagaio que viviam brigando por serem diferentes, o pato que queria namorar um outro pato, um sapo que não sabia nadar e mesmo assim foi o herói da bicharada e ainda uma galinha surda que integra uma banda animal. Essas são algumas das narrativas de Débora conta histórias, livro de fábulas escrito por Débora Araújo Seabra de Moura, também conhecida por ser a primeira pessoa com síndrome de Down no Brasil a se tornar professora.
"O mais importante de tudo isso é ensinar a incluir as crianças, todo mundo, para acabar com o preconceito", defende a educadora. Na fábula do passarinho que queria voar mesmo com uma asa quebrada, a personagem humana passa o recado aos demais pássaros: "Já pensaram se eu proibisse vocês de voarem para onde quisessem? Tentem conviver com ele, aceitando o seu jeito de voar mais devagar. Ele voa com uma asa só, mas consegue ir para onde vocês vão e chegar lá como vocês chegam!".
A obra foi escrita como presente de Natal aos pais, em 2010, mas homenageia uma grande amiga da autora: a também educadora Sandra Nicolussi, personagem principal do livro. A publicação veio em 2013, pela Alfaguara, hoje selo do grupo Companhia das Letras, reunindo sete histórias sobre inclusão e preconceito, um tema com o qual a autora convive diariamente. "Inclusão com i maiúsculo mesmo. Não é a inclusão do pequeno, mas do grande", conta Débora, que recentemente foi alvo de preconceito nas redes sociais.
“A preocupação central é sempre a compreensão, a empatia e a convivência cordial e afetuosa com os diferentes. São contos que ensinam docemente – e não só às crianças, porque os adultos também têm muito o que aprender com gente da grandeza de Débora Araújo Seabra de Moura”, escreveu João Ubaldo Ribeiro sobre as fábulas do livro, que traz delicadas ilustrações de Bruna Assis Brasil.
"As pessoas ainda falam pouco desse assunto. Tem que ter mais discussões", afirma a educadora, que já palestrou em conferências país e mundo afora, incluindo uma fala especial na Organização das Nações Unidas (ONU). O Prêmio Darcy Ribeiro de Educação, concedido pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados em 2015, é outro importante reconhecimento por seu trabalho.
Mas o caminho da educação não foi sempre tão óbvio para Débora, que chegou a trabalhar como modelo, recepcionista de eventos e a atuar em algumas peças. A paixão pelas crianças veio com um estágio, ainda na escola, na área de educação, seguido da magistratura. Se o caminho foi difícil? "Eu não podia ficar com a cabeça baixa. Faço como a minha mãe me ensinou, ergui a cabeça e segui em frente."
Foi assim também, de cabeça erguida, que lidou com episódio de preconceito recente, vivido em 21 de março, marcado como Dia Internacional da Síndrome de Down. Dia também em que a desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), Marília Castro Neves, teria usado um grupo fechado do Facebook para questionar a capacidade de Débora. "Apuro os ouvidos e ouço a pérola: o Brasil é o primeiro país a ter uma professora portadora de síndrome de down!!!. Poxa, pensei, legal, são os programas de inclusão social...Aí me perguntei: o que será que essa professora ensina a quem??? Esperem um momento que eu fui ali me matar e já volto, tá?”
Na resposta de Débora, escrita à mão: "Eu ensino muitas coisas para as crianças. A principal é que elas sejam educadas, tenham respeito pelas outras, aceitem as diferenças de cada uma, ajudem a quem precisa mais", enfatiza a educadora. "O que eu acho mais importante de tudo isso é ensinar a incluir as crianças e todo mundo para acabar com o preconceito porque é crime." A professora, que trabalha na Escola Doméstica, em Natal (RN), explica que a agressão não foi só direcionada a ela. Por se tratar de um dia simbólico, significou uma agressão a todas as pessoas portadoras da síndrome. "É o dia em que se comemoram as conquistas e a luta."
Em resposta à postagem da desembargadora, a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down publicou uma carta aberta de repúdio à declaração. "A FBASD considera que mensagem carregada de preconceito, ofende, definitivamente, os ditames impostos aos juízes por seu Código de Ética. Textos dessa natureza claramente denigrem a magistratura e, assim, devem ser rigorosamente apurados pelos órgãos competentes, tais quais a Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e o Conselho Nacional de Justiça."