Por uma filosofia democrática

04/05/2018

 

O escritor Jostein Gaarder, ex-professor de filosofia e apaixonado pelo meio ambiente, nasceu em 1952, na Noruega, e cresceu na capital, Oslo, onde os livros eram seus grandes companheiros. "Meus pais tinham livros pela casa e tempo para ler com os filhos", conta o escritor, autor do best-seller internacional O mundo de Sofia, traduzido para mais de 60 idiomas.

Com uma carreira educacional de dez anos, Gaarder enveredou pela escrita literária. Em 1986, publicou O pássaro raro, seu primeiro livro. Depois vieram obras como O dia do curinga, A garota das laranjas, A biblioteca mágica de Bibbi Bokken, Eu me pergunto… e Ei! Tem alguém aí?, entre outras, todas publicadas pelo grupo Companhia das Letras.

 

 

O mundo da filosofia

O enredo de O mundo de Sofia é bem conhecido: Sofia Amundsen volta da escola. Ao entrar em casa, depara-se com duas cartas com os seguintes dizeres: "Quem é você?" e "De onde vem o mundo?". Sem perceber, a menina já está recebendo aulas de filosofia em sua correspondência. Logo mais, um cachorro passa a deixar-lhe as cartas. Depois, uma fita de vídeo! Quem será o professor secreto da jovem menina?

O crédito de Gaarder é tornar pensamentos complexos em capítulos saborosos e acessíveis. É como descreveu o jornal The New York Times em uma resenha do livro: "O passeio de Gaarder pelo passado do pensamento Ocidental talvez terá um bom efeito em encorajar alguns leitores e procurar a coisa real. Mas suspeito que a maioria se contentará com o passeio de ônibus".

Se os leitores buscaram ou não por mais conhecimento sobre a filosofia ocidental a partir da leitura, não é possível saber ao certo. O fato é que O mundo de Sofia foi um fenômeno de vendas. A obra, publicada originalmente em português no ano de 1995, ultrapassou a marca de um milhão de exemplares vendidos apenas no Brasil. Isso porque o livro funciona tanto como romance quanto como um guia para se aventurar pelo universo da filosofia. As traduções hoje extrapolam 60 idiomas, e a obra foi adaptada para o cinema em 1999, com a direção de Erik Gustavson.

Os jovens e a filosofia

Em entrevista à revista Philosophy Now, o escritor explicou por que decidiu escrever um livro sobre filosofia para o público juvenil. Aconteceu depois de escrever um história para jovens adultos sobre um menino de 13 anos que ouvia histórias sobre Platão e Aristóteles. "Então eu imaginei, depois de escrever aquele livro, se esse menino iria a uma livraria ou a uma biblioteca e pedisse um livro de filosofia. O bibliotecário teria de dizer: 'Não. Não para você. Você é jovem demais. Você tem que ir embora'. Então me senti envergonhado e um pouco bravo. Decidi tentar escrever um livro acessível a jovens adultos, mas para adultos também. Muitas pessoas acham filosofia importante e interessante, mas temem que ela seja muito difícil."

O interesse do autor pela filosofia, aliás, surgiu muito cedo, antes mesmo de conhecer a palavra. "Em geral, penso que as crianças pequenas fazem perguntas muito filosóficas: 'Onde está o fim do mundo?' e 'De onde vêm as coisas?'." Já adolescentes, descobrem-se de uma nova forma e seguem fazendo perguntas mais profundas. "Recebi muitas cartas de jovens me dizendo a mesma história, que, antes de ler o meu livro, sentiam constantemente que a vida era tão estranha. Então diziam: 'Quando li seu livro, entendi que o que estava fazendo era elaborando perguntas filosóficas".

 

 

Linguagem acadêmica à parte, a filosofia é extremamente democrática, segundo Gaarder. "Preocupa a todos os seres humanos simplesmente porque faz perguntas que preocupam todos os seres humanos, como 'o que é a boa vida?'. A filosofia faz perguntas universais, pode-se até dizer eternas", diz o ex-professor, que cita entre os filósofos preferidos de seus ex-alunos pensadores como Hume, Descartes e Sartre, além dos pré-socráticos.

Gaarder acredita veemente na importância da filosofia na vida dos jovens. "Com certeza estimula a curiosidade. Faz a vida mais intensa. Em segundo, [a filosofia] nos ajuda a pensar criticamente. Acho que falta criticismo em sociedades como a nossa. Uma sociedade sã traz pessoas jovens para fazer perguntas críticas. A palavra mais importante na língua inglesa é 'why' (por que), e você deve ensinar os jovens a usá-la."

Inspirações

Gaarder cita, entre seus personagens preferidos, Hans Castorp de A montanha mágica, de Thomas Mann. "Ele é ingênuo e quer entender as coisas. Não tem medo de fazer perguntas bobas." Entre suas influências literárias, cita Jorge Luis Borges, Dostoiévski, Herman Hesse o autor norueguês Knut Hamsun. "Não que eu ache que consiga escrever como eles", logo ressalta. Entre os livros infantis, guarda um carinho especial por AA Milne, Antoine de Saint-Exupéry, Dickens, e os contos folclóricos noruegueses do século XIX.

Ativista ambiental

Atualmente, o escritor foca suas leituras em temas das ciências naturais que tanto lhe fascinam. "De um modo geral, diria que no século XX, nós nos concentramos muito nos direitos humanos. Isso é importante. Conseguimos muitas coisas. Por exemplo, aqui, na América do Sul, fez-se muitas coisas pelos direitos humanos no século XX. Agora, no século XXI, não podemos falar só em direitos humanos. Também temos que falar sobre deveres, responsabilidades. Talvez, assim como em 1948 tivemos a Declaração Universal dos Direitos Humanos, precisemos de uma Declaração Universal dos Deveres Humanos. Para salvar o planeta, para salvar as condições para os nossos netos", declarou, em entrevista.

Apesar da empolgação ao falar sobre as ciência naturais, ele deixa claro um pano de fundo filosófico para essa defesa do desenvolvimento sustentável. "Pode ser que este planeta seja o único do universo onde exista essa consciência universal que você tem e eu tenho. Pode ser o único planeta onde existam seres que possam dizer 'estrelas', 'galáxias', que tenham uma noção de todo o universo. Então, não é apenas uma responsabilidade global de cuidar das condições de vida na Terra, é uma responsabilidade cósmica."

Ele conta que sua relação com a natureza é orgânica. "Construo as minhas histórias quando estou caminhando. Não consigo mover o pensamento sem mover o meu corpo. Nunca penso de verdade na frente do computador. É o meu ritmo… Fico burro quando estou na frente do computador."

A preocupação com o tema foi tanta que em 1997 criou, junto à esposa Siri Dannevig, o Sophie Prize, que reconhece com uma quantia de 100 mil dólares pessoas que tenham contribuído para o meio ambiente e para a desenvolvimento sustentável. O prêmio foi dado anualmente até o ano de 2013, sendo a vencedora em 2009 a política brasileira Marina Silva.

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