Uma educação para chamar de sua

23/05/2018

 

Escolher por si próprio é o sonho de grande parte dos estudantes. O que estudar, quando estudar, como estudar. Pois esse foi o assunto da mesa Gestão e Autogestão durante o 5o Fórum do Espaço de Leitura, que aconteceu na última sexta-feira (18). As conversas convergiam a uma questão: como é possível os estudantes entrarem em contato com a política na prática, durante o próprio processo de educação?

Para a discussão, foram chamados quatro palestrantes – Denise Perdigão, professora de Língua Portuguesa da EMEF Presidente Epitácio Pessoa; Tiago Almeida, educador do Cursinho Livre da Lapa; Kelen Nascimento, ex-aluna do cursinho autogestionado Núcleo de Consciência Negra, e o professor Osvaldo de Souza, pesquisador das ocupações de estudantes secundaristas ocorridas no Brasil em 2015.

 

Foto Paulo Savala

 

Abriu a discussão a professora Denise Perdigão, que  passou a organizar saraus na escola onde trabalha, na zona leste de São Paulo, depois de conhecer o professor e escritor Rodrigo Ciríaco. Percebeu que seus alunos tinham dificuldade em acessar os textos clássicos comumente trabalhados em sala de aula. "Com a literatura periférica, o aluno conseguia se fazer presente naqueles textos. Ele se via presente naquela obra." Foi assim que, segundo a educadora, os estudantes deixaram de ter uma atitude passiva em relação à literatura, tornando-se um ser ativo em suas escolhas de leitura.

Um dos impactos foi que o número de empréstimos de livros por mês dobrou. “A leitura tinha um sentido social, porque a criança pegava o livro para se apresentar no sarau, não era uma leitura para o professor." Entre os autores trabalhados nos saraus, surgiram nomes de escritores contemporâneos, como o próprio Rodrigo Ciríaco, Sérgio Vaz, Mel Duarte, Débora Garcia e a consagrada Maria Carolina de Jesus. Foi um aprendizado em muitos sentidos. "Não precisava pedir que ficassem em silêncio, eles já entendiam a importância do silêncio, do respeito ao outro, do ouvir e do falar", explica.

Dos saraus surgiram outras iniciativas que garantiram autonomia aos jovens leitores, como concursos literários, e a realização de slams, com obras de sua própria autoria. De jovens leitores, passaram a ser também jovens autores.

A implementação dos saraus no ambiente escolar, no entanto, foi penosa. Denise conta que levou algum tempo até que seus colegas entendessem que o projeto era sério, e não apenas uma aula vaga para descanso dos demais professores. “Mas a gente vai superando quando a escola percebe o que o sarau traz em relação à aprendizagem, o respeito à diferença.” Outro problema enfrentado foi em relação à escolha das obras que seriam trabalhadas nos saraus. “Houve uma grande resistência em relação à cultura periférica. ‘O que é cultura? Isso é cultura?’”, questionaram outros professores.

Já Tiago Almeida, professor de Física de Ensino Médio e educador do Cursinho Livre da Lapa, lembrou algumas experiências no ambiente escolar. Problematizou as escolas por onde passou como aluno, que privilegiaram sempre uma lógica de heteronomia – o contrário de autonomia. Até que um professor que ele teve decidiu criar um cursinho autogestionado. Foi quando passou a tomar decisões que antes outras pessoas tomavam por ele.

 

Foto Paulo Savala

 

Compartilha ainda outras experiências com a autogestão, como em um time de futebol de várzea ou no Espaço Autônomo Casa Mafalda, onde também houve uma iniciativa de cursinho popular autogestionado. Ali, a formação não era apenas para passar no vestibular, mas também buscava uma “formação política para enfrentar o mundo”. Conhecimentos que vão desde aprender a lidar com o universo elitista que pode ser a universidade pública até a própria organização do espaço educacional.

“Se alguém decide por você, você perde a oportunidade de aprender, de se entender como um agente político de um espaço”, explica Tiago. Para o professor, o processo de autogestão trouxe reflexões sobre uma estrutura que não se limita à educação. “Faz com que a gente quebre paradigmas, enfrente algumas ideias que já estavam engessadas”, diz. “Não dá para falar de autogestão sem falar de horizontalidade. Não tem como você estar 100% no processo quando temos hierarquias, quando temos uma pessoa que cumpre uma função apenas dela, sem horizontalidade.”

Quem também viveu isso na prática foi a estudante Kelen Nascimento, que participou ativamente da gestão do Núcleo de Consciência Negra, um cursinho localizado na USP. Quando ela ingressou no cursinho, em 2014, as aulas aconteciam dentro de um barracão, muitas vezes sem energia elétrica ou água. Ela foi uma das responsáveis pelo primeiro encontro de cursinhos populares de São Paulo, de onde surgiu o projeto de uma festa junina para arrecadar dinheiro para itens básicos como papel higiênico. Outros eventos foram criados posteriormente para arrecadar dinheiro, como um sarau em 2015, sob a temática "resistência negra".

Já Osvaldo de Souza falou das conquistas e das derrotas do movimento secundarista que se mobilizou contra a reorganização escolar decretada pelo governo estadual paulista em 2015. Em outros Estados, o movimento teve outras pautas. Falou sobre as causas e os precedentes do movimento, citando como inspirações as ocupações dos estudantes do Chile em 2006 e as manifestações realizadas pelos professores naquele mesmo ano, pelo reajuste salarial. “Foi uma formação política na prática, assembleia toda semana para eles vivenciarem essa formação política também fazendo.”

 

Foto Paulo Savala

 

Mas o pesquisador, autor da tese Escola e emancipação: um papel para as ciências?, faz algumas ressalvas com o que se considera autonomia. “Costumo colocar em um espectro entre as escolas tradicionais que decidem tudo, com o currículo vindo lá de cima, e as escolas em que o estudante decide tudo. Existe um conhecimento que foi acumulado pela humanidade e que foi apropriado pela burguesia, não podemos querer que o estudante recomponha tudo, vai ser falso. Esse conhecimento é libertador. Quem é livre sem saber ler e escrever?”, questiona.

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