*Texto publicado originalmente por Criança e Natureza
Joaquín Leguía dirige, desde 1995, a
ANIA, entidade que procura conectar as crianças com a natureza para que se tornem agentes de mudança de um desenvolvimento sustentável. Essa “missão de vida”, como diz, teve início muito antes. “Estava com 4 anos quando meus pais se separaram. Minha mãe saía bastante e, por ser um período de convulsão social no Peru, as crianças ficavam bastante confinadas. Eu morava em uma casa com jardim que tinha, anexo, um terreno mais ‘selvagem’. Eu dizia que era ‘um jardim despenteado’. Foi meu irmão, e esse quintal, que me criaram, que me tornaram quem sou”, diz Joaquín com sua voz entusiasmada.
“Meu irmão, com suas condições especiais, me fez ver e sentir coisas que a princípio eu não conseguia. Aquele jardim virou uma selva, e nela eu conseguia ser Tarzan, ou me transformar nos 22 jogadores da seleção e disputar uma Copa enquanto ele narrava as partidas. Aquele lugar virou um refúgio especial para nós.”
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"Poemas da minha terra tupi" / Matéh (texto e ilustrações)[/caption]
Já mais velho, Joaquín fez algumas viagens à Amazônia peruana, onde teve contato com crianças indígenas. “Para mim, a Amazônia era como o meu quintal, e eu entendia perfeitamente a conexão dessas crianças com a floresta. Isso me levou, na hora de me formar, a passar por várias disciplinas, agronomia, sociologia… até que o meu orientador me ajudou a fazer uma especialização em desenvolvimento sustentável para crianças”. Assim, começava a nascer a ANIA.
Como reconectar crianças que têm uma experiência totalmente urbana com a natureza?
Desenvolvemos algumas estratégias. Uma delas é utilizar dois personagens,
Ania e Kim, que estão no canal infantil Discovery Kids. Assim, a partir das telas, onde as crianças já estão, contamos a elas que podem agir no mundo real e fazer diferença. Outra estratégia é entregar porções de terra para que as crianças plantem o que quiserem, para que cuidem delas. Esse programa acabou sendo encampado pelo Ministério da Educação do Peru e agora está sendo implantado também no Equador e na Costa Rica. Aqui, no Peru, por exemplo, conseguimos que todas as escolas públicas destinem uma área de terra para utilizar com as crianças, de modo que elas possam experimentar o bem estar que o contato com a natureza propicia.
Não estamos colocando muita responsabilidade nas costas das crianças, transferindo-lhes a obrigação de ‘salvar’ o mundo que nós adultos estragamos?
Quando eu dou uma área de terra para uma criança, não digo que ela “vai melhorar o mundo”. Já existiam, em algumas escolas do Peru, por exemplo, projetos de bio-hortas. Mas esses projetos sempre foram focados na produtividade, na busca de conhecimento. Sempre estiveram encabeçados por adultos. O que fazemos é quebrar essa lógica. Queremos chegar pelo afeto, criar outro tipo de contato. As crianças recebem uma terra e dão um nome a ela. Elas decidem o que fazer ali, como utilizá-la. Se conectam com a natureza de modo lúdico, afetivo. A intenção é ouvi-las, permitir que, a partir do contato, elas tomem as decisões sobre o que fazer com essa terra que ganham, para que aprendam com suas ações. Elas são convidadas, dentro dessa terra, a criar algo para si, algo para outros e para a natureza. É só a partir daí que as coisas começam a funcionar.
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"Estela, fada da floresta" / Marie-Louise Gay (texto e ilustrações)[/caption]
As atividades ocorrem apenas nas escolas?
Não, algumas vezes se criam áreas de terras para as crianças nos bairros ou casas. E temos também outras iniciativas que funcionam nas casas. Porque de nada adianta, por exemplo, as crianças reciclarem o lixo na escola e isso não ocorrer em casa. A família é o epicentro dos nossos valores. Temos um kit educativo que você pode comprar e vai fornecendo informações para os lares se tornarem cada vez mais sustentáveis. É tudo desenvolvido de modo a dar, às crianças, um papel específico, na verdade, para dar a elas o protagonismo com relação a esses cuidados e ações a serem implementados.
Como a ANIA sustenta as diferentes ações?
Desenvolvemos dois mecanismos para que os recursos do setor privado possam bancar ações de reconexão das crianças com a natureza. Um deles demandou o esforço de precificar quanto vale manter de pé uma área verde, criar condições para que as crianças possam usufruí-la e operar nesse sentido nas diferentes regiões do país. Agora, sabemos exatamente esse valor e oferecemos às empresas algumas vantagens quando elas colaboram para manter essas áreas vivas, fornecendo seus serviços ecossistêmicos, que incluem, entre outros, oferecer às crianças um contato regular e positivo com a natureza. Estamos também negociando um selo de reconhecimento do Ministério da Cultura e do Meio Ambiente para elas. A outra iniciativa oferece às empresas zerar suas pegadas de carbono, destinando parte dos recursos para manter as iniciativas da ANIA funcionando nas escolas.
Não é ingênuo acreditar que, se cada um fizer a sua parte, o mundo muda, visto que existem atores com muito mais poder?
Eu acho que a humanidade está vivendo em um modo de auto destruição. E é preciso lutar contra isso, com perseverança. Vários dos nossos projetos de dar terra às crianças foram feitos na frente de casas, em favelas e áreas pobres. E já ocorreu algumas vezes que até o próprio município foi lá e passou por cima de tudo, para asfaltar ou fazer uma rua, sem sequer considerar o que as crianças tinham plantado. Mas é preciso insistir. Temos de criar capital humano suficiente para que isso pare de ocorrer. E para isso é preciso investir nas próximas gerações. Claro que existem grandes poderes sobre os quais muitas vezes não temos influência, mas mudar individualmente, permite que você se torne uma referência para os que estão ao redor. E também te dá paz de espírito: você sabe que está fazendo o que pode. Levamos anos vivendo em uma cultura do medo e precisamos passar a cultivar o amor, isso toma tempo. Mas, para chegar lá, é preciso começar a acender uma luz, e depois outra, e outra, até que possamos enxergar esse futuro. Meu jardim e meu irmão me ensinaram que não existe apenas o que vemos, mas o que sentimos e desejamos também. Por isso eu tenho esperanças.