Uma porta que se abre para o mundo: é assim que a música funciona para Magda Pucci, pesquisadora que há mais de vinte anos dedica-se a conhecer os sons, ritmos e melodias de diferentes cantos do planeta. À frente do grupo Mawaca, realiza espetáculos, cursos de formação de professores e tem seis livros publicados, incluindo De todos os cantos do mundo, escrito em parceria com Heloisa Prieto. Ela participou ontem, dia 8/8, da 25a Bienal de São Paulo, em uma conversa na Tenda Mil Fábulas.
A artista diz ser fundamental o contato das crianças com diferentes referências multiculturais musicais para essa abertura com o outro, com o "diferente". "A música propicia nos conectarmos com outras culturas mesmo que não falemos a mesma língua. Essa babel de línguas, para quem é da música, é um caldeirão sonoro riquíssimo, cheio de possibilidades de explorar as diferentes musicalidades, gestos sonoros, maneiras de fazer música. São portas que se abrem para conhecermos o outro de forma simpática, sem julgamento de valores", explica.
Para isso, procura comunicar-se com os professores a partir das oficinas que oferece. Não só aqueles especializados em música, mas qualquer um que esteja em contato direto com os alunos. "Mesmo não sendo um professor de música, é possível ouvir, trabalhar a escuta de forma atenta, buscar conteúdos referentes aos grupos que cantam as músicas, formar uma teia de saberes que podem ser muito interessantes num trabalho interdisciplinar.” Afinal, o mais importante é que o educador aprenda a “abrir seus ouvidos, mentes e olhares para que a diversidade esteja cotidianamente no espaço escolar”. E, nisso, a artista pode ajudar muito.
Foto Eduardo Martins
Uma aliada para essa tarefa é a literatura, que faz parte do trabalho de Magda. Os livros – já são seis publicados até agora – permitem que desenvolva seu papel "artista-pesquisadora", aquela que "não se contenta apenas em subir no palco para cantar, mas que gosta de saber o que está por detrás de cada melodia ou ritmo". Foi assim que publicou Outras terras, outros sons (editora Callis) e Cantos da Floresta - iniciação ao universo indígena brasileiro (editora Peirópolis), que expõem uma parte do universo musical indígena e africano, conteúdo pouco abordado nas escolas.
Assim, também, foi escrito De todos os cantos do mundo (Companhia das Letrinhas), em parceria com Heloisa Prieto. Uma obra que, segundo a própria autora, traz um viés mais didático e carrega como mote as próprias canções estudadas pelo Mawaca. Priorizou as músicas que as crianças mais gostavam, e do livro logo fez-se espetáculo: Pelo mundo com Mawaca.
Concebido junto ao diretor Wanderlei Piras e à Cia. da Tribo e dos Parlapatões, a apresentação conversa diretamente com os mais jovens. Dentre as surpresas que se revelam aos espectadores, não faltam diálogos curtos que comentam as músicas, bonecos como o assustador curupira gigante, teatro de sombras para contar a história do vagalume de Hotaru Koi e vídeo-cenários com mapas e imagens para contextualizar os lugares visitados. Parada obrigatória para quem deseja conhecer o mundo, já que a ambientação varia entre países como Albânia, Portugal, Grécia, França e Índia, não faltando, é claro, o gigante multicultural Brasil.
Foto Eduardo Martins
A próxima apresentação do grupo acontece no dia 26 de agosto, às 11h, no Museu da Casa Brasileira, com entrada gratuita. O espetáculo focará nas vozes femininas de diversas canções transmitidas pela tradição oral, com arranjos que dialogam com a contemporaneidade. O grupo também se apresenta às terças, no Teatro Centro da Terra.
Essa conversa entre diferentes linguagens artísticas não é estranha para a música-pesquisadora, que chegou a musicar os poemas de Camões para um espetáculo produzido para Ruth Escobar no ano de 2000. "Para compor, a gente tem que escutar a poesia como se fosse música. Ler em voz alta”, diz a artista, que percebeu diversas intersecções entre a música e a literatura.
Tem como referências o arqueólogo inglês Steven Mithen, cuja tese afirma que música é ainda anterior à fala, ambas datada da época dos neandertais. Já o psicólogo e linguista canadense Steven Pinker considera a música uma linguagem ainda mais elaborada. Ambos os pesquisadores são citados na tese de Pucci, publicada no livro Terra Brasilis - Pré-história e Arqueologia da Psique, organizado por Marcos Calia. No texto, ela estabelece uma relação entre voz e pedra, pois o bater da pedra com regularidade proporcionava algum prazer estético que levaria a uma fala ritmada ou ao canto.
Se uma canção pode ser compreendida por falantes de diferentes línguas, ela ainda carrega elementos diferentes de acordo com o lugar ao qual pertence, o que ela chama de “gramática musical”. "As músicas do mundo têm particularidades sonoras e estéticas que as diferenciam umas das outras, algumas mais, outras menos. A fruição sim, poderíamos chamá-la de 'universal', no sentido de que ela pode ser mais aberta, livre de julgamentos."
Por esse motivo que, em um espetáculo do Mawaca, podemos nos deparar com uma canção finlandesa e nos emocionarmos, mesmo sem entender a sua gramática musical, a sua letra ou o seu significado. "De certa forma, as pessoas se identificam com algum aspecto sonoro, da expressão vocal, ou instrumental, alguma coisa que bate lá dentro que a gente não sabe bem explicar. Essa é a magia da música – o invisível, o inexplicável..."