Quais são as dez bibliotecas mais fantásticas do mundo?

12/11/2018

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Por José Roberto Torero

Nos tempos de antanho (quando se falava “antanho”) inventei sete bibliotecas. Anotei na minha agenda mental (que sempre perco) que aquilo talvez desse um livro. Mas nunca me animei a escrevê-lo. Então disse para mim mesmo: “Essa bagaça nunca vai virar um livro, então vou colocar no Facebook, assim pelo menos alguém lê”.

 

Ilustração Marcelo Tolentino

 

Deu certo. Leram a bagaça. Isso me animou e decidi fazer mais três para completar dez. Porém, vieram mais ideias que a encomenda e decidi ir até a biblioteca 33. Quando estava chegando lá, me lancei outro desafio: era preciso chegar a 50! Para minha surpresa, cumpri a promessa e fiz outra: chegar a 66. Não demorou muito, virei o número de cabeça para baixo e me propus a chegar em 99. Daí para 100 foi um pulo.

E, entre estas cem, selecionei dez para o Blog das Letrinhas.

 

I

Em Khubeis, além o deserto de Lut, há uma curiosa biblioteca formada apenas com livros em branco, pois o povo da cidade não sabe ler. Porém, como a gente de Khubeis ouviu dizer que folhear livros é algo que traz respeito e nobreza, a cidade construiu uma imensa biblioteca, que está sempre lotada por seus vaidosos analfabetos.

 

II

Nem todos sabem, mas a Torre de Pisa era, originalmente, uma biblioteca. De um lado guardavam-se os livros para crianças e, do outro, os livros para adultos. Curiosamente, a torre pendeu para o lado das obras infantis. Estudiosos (não de engenharia, mas de literatura) acreditam que isso aconteceu porque dragões, mesmo ainda filhotes, pesam mais do que qualquer cartapácio.

 

III

Qazan é a capital da Tartária, país dominado pelo rei mongol Kublai Khan, neto do poderoso Gengis Khan. Kublai não aprecia muito as pessoas que têm ideias diferentes das dele, e tanto é assim que, na enorme biblioteca de Qazan, todos os exemplares são de um mesmo livro: “As memórias e as ideias de Kublai Khan, soberano das terras e almas da Tartária”. A Biblioteca de Qazan está sempre vazia, sendo frequentada apenas de quando em quando por funcionários públicos que querem subir de posto.

 

IV

A Biblioteca das Folhas Soltas de Vushau era uma biblioteca comum. Mas um dia houve um fantástico tufão que carregou seu telhado, quebrou seus vidros e, o pior, despedaçou seus livros, que se transformaram numa imensa montanha de folhas soltas. Curiosamente, os leitores gostaram do resultado. Em vez de lerem um livro inteiro sobre um tema específico, eles passaram a mergulhar nos papéis, lendo uma primeira folha ao acaso, depois outra sobre outro assunto e por fim mais outra sobre qualquer coisa, mudando de tema sem parar. Há quem diga que a Biblioteca das Folhas Soltas de Vushau foi a primeira internet.

 

V

A Biblioteca de Saskayalan é conhecida por seus insetos. Não traças, mas vagalumes. É que ela é muito escura e não se permitem candeeiros em seu interior por conta do perigo de incêndio. Então cada leitor traz um vagalume dentro de um vidrinho, que lhe serve de lanterna. Quanto mais leitores entram na biblioteca de Saskaylan, menor fica a escuridão da ignorância.

 

VI

Atravessando o rio Tigre chega-se à cidade de Bandahar, onde há uma singular biblioteca em que os livros são escritos pelos usuários. Ou seja, cada vez que alguém lê um livro, acrescenta-lhe uma frase, um parágrafo ou mesmo uma página, de modo que, assim como a história do mundo, as histórias dos livros jamais têm um fim e são escritas por todos.

 

VII

A Biblioteca de Pangilon tinha as paredes cobertas de espelhos e possuía uma curiosa política de empréstimos de livros: os leitores só podiam ler obras de seus iguais. Ou seja, brancos liam sobre brancos, negros, sobre negros; ricos, sobre ricos; pobres, sobre pobres; cabeludos, sobre cabeludos; carecas, sobre carecas; e eteceteras, sobre eteceteras. Com isso, os pangilonenses foram ficando cada vez mais ensimesmados, com certezas sobre si mesmos e ignorâncias sobre os outros. Não se sabe bem como começou, mas certo dia houve uma gigantesca briga dentro da biblioteca. Todos lutaram contra todos. E os espelhos de Pangilon acabaram estilhaçados em milhares de pedaços. Uns diferentes dos outros.

 

VIII

A Biblioteca Infiel tem este nome porque só possui livros que mudam as versões originais. Assim, no exemplar de Chapeuzinho Vermelho, o lobo acaba sendo comido pela Vovó (ao molho pardo). O Patinho Feio torna-se não um cisne, mas uma águia que come os irmãos que o haviam maltratado. Branca de Neve é morta pelo caçador, Cinderela quebra a perna quando desce a escada do palácio, vai para o hospital e tem o pé amputado, Harry Potter vira mágico de circo e a Pequena Sereia acaba transformada em sushi. Nos livros adultos não é diferente. Romeu casa-se com Julieta e vive feliz para sempre, Gregor Samsa vicia-se em naftalina, Frankenstein faz uma plástica e torna-se um modelo de sucesso, Watson descobre o autor do crime, Gabriela e Nacib separam-se para sempre, e Jesus é libertado por Herodes, com o que se casa com Maria Madalena, vira rabino e tem sete filhos. A Biblioteca Infiel só é fiel à invenção.

 

IX

O primeiro porquinho fez sua casa com os jornais que lia. Então o Lobo soprou e soprou. Os jornais saíram voando feito passarinhos e o coitado acabou na barriga do Lobo.

O segundo porquinho fez sua casa com as revistas que lia. Então novamente o Lobo soprou e soprou. As revistas saíram voando feito abutres e o coitado acabou na barriga do Lobo.

O terceiro porquinho não fez uma casa, mas uma bibliotecasa, porque suas paredes eram feitas com os pesados livros que ele lia. Então o Lobo soprou, e soprou. Mas não moveu uma folha sequer e ainda acabou com uma tremenda crise de asma, tendo que ser internado às pressas numa clínica especializada em doenças pulmonares.

 

X

Há uma biblioteca muito cruel, onde o usuário não tem poder de escolha. Um especialista é quem decide o livro que ele deve ler. E não é só isso. O usuário tem um tempo determinado para ler, não podendo usufruir o livro de acordo com sua velocidade e vontade. Na realidade, a biblioteca nem se importa com o prazer que um bom livro pode provocar. Não é para isso que eles estão nessa biblioteca. Mas o pior de tudo é que o leitor deve fazer uma avaliação por escrito de sua leitura, e esta avaliação deve corresponder à interpretação do especialista, que lhe atribuirá um valor em números ou letras. Caso o especialista não concorde com a interpretação, o leitor pode ter que repetir a leitura no futuro. Pense bem, talvez você já tenha estado nessa biblioteca.    

 

PS: Dá para ler as outras indo atrás de #asbibliotecasfantasticas.

 

 

José Roberto Torero nasceu em Santos, em 1963. Autor de diversos livros, é bacharel em Jornalismo e Letras pela USP. Seu livro de estreia, O Chalaça, ganhou o prêmio Jabuti na categoria romance.  
 
 
 
 
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