Filosofia, um jeito de recordar a infância

14/11/2018

 

“A filosofia é a infância do pensamento”, já dizia o filósofo francês Jean François Lyotard. É a partir dessa frase que Walter Kohan, professor de Filosofia da Educação da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e pós-doutor em Filosofia pela Universidade de Paris, fala sobre as relações possíveis entre essas duas esferas. Para explicar seus traços comuns, cita características como precariedade e possibilidade. “No início da vida a infância nasce precária, e a filosofia também é uma forma de precariedade no pensamento que se mostra na pergunta, e não na afirmação.”

 

Ilustração Marcelo Tolentino

 

Ambas também carregam questões como estrangeiridade e intimidade. A primeira porque Kohan considera tanto a filosofia quanto a infância como “línguas estrangeiras”, uma outra fala com a qual não estamos acostumados. É o que chama de “fala dos saberes”, por vezes incompreendida no cotidiano. E essa língua, para prosperar, requer intimidade. A filosofia, com o pensamento. A infância, com o mundo. É uma intimidade que tendemos a abandonar ao longo do tempo, mas que se faz necessária. Na filosofia, diz o pesquisador, é essencial para que se possa pensar com liberdade.

Daí surge o mistério da origem da pergunta, tão presente na infância, tão presente na filosofia. Onde será que elas ficam? Que lugar é esse de onde surgem as mais curiosas inquietações das crianças? Kohan não tem uma resposta definitiva, mas apresenta uma proposição válida. “Nós, às vezes, pensamos que formulamos perguntas, mas talvez sejam as perguntas que nos encontram. Uma outra pergunta interessante seria o que a gente pode fazer para estar mais atento às perguntas que estão procurando nos encontrar. Como escutar uma pergunta? Como preparar-se para poder dar lugar a uma pergunta?”, provoca o filósofo.

É quando surge a figura do professor, que talvez tenha dificuldade em ensinar filosofia. O especialista cita um amigo, Giuseppe Ferraro, que uma vez lhe disse “que se pode ensinar com filosofia, não que se possa ensinar filosofia”. Ou seja, defendia o desafio de filosofar no processo de educar. Essa prática pode levar a bons caminhos, como o efeito “descolonizador, ou de abertura, de expansão de limites”, ele explica. “Sobretudo quando se faz entre iguais, com uma escuta atenta.”

O educador pode ser um filósofo pela sua relação com o saber, uma relação incômoda e trabalhosa. E é aí que reside a riqueza do professor-filósofo que, disposto a abrir-se ao que não sabe e, em especial, ao que poderia saber, encontra a possibilidade de recordar a própria infância – e  renascer em seu ofício.A filosofia é um sentimento, está ligada a um afeto, um pathos, uma emoção, está ligada a um corpo. Portanto, é no encontro com outros corpos que gera um sentimento, abre um pensamento possível, interessante, descobre as possibilidades da filosofia”, diz.

Experiência corporal esta também ligada ao tempo da infância, próximo ao da filosofia. A pouca distância é decorrência da intensa qualidade dessa experiência, que sobrepõe a ideia da sucessão cronológica e quantitativa. “Nesse sentido, o tempo do brincar é próximo do tempo do pensar filosófico.”

A prática do pensar filosófico não é interessante apenas às crianças, aquelas que “habitam a infância cronológica”, como explica Kohan, mas também a todos nós que “habitamos a adultez”. Ele se lembra de uma criança que certa vez lhe disse que a filosofia havia sido inventada por uma pessoa que queria recordar a infância. Talvez por isso mesmo defenda que a infância seja jamais formada, mas preservada, atendida e cuidada.

 

 

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