Outras formas de ler e formar leitores

14/05/2019

 

Leituras feitas em voz alta pelo professor, acalouradas rodas de discussão, salas que abrigam alunos de diferentes idades para apreciarem juntos uma única obra: essas são algumas das variações das práticas de leitura que podem ser desenvolvidas em contextos escolares, segundo a educadora Érica de Faria Dutra. Ou seja, é possível fugir do tradicional aluno e livro, numa leitura solitária. 

Docente do curso da pós-graduação de literatura infantil e da graduação de pedagogia no Instituto Vera Cruz, ela defende um currículo de literatura articulado desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. Chama a atenção para três pontos que precisam ser pensados no planejamento da formação leitora: progressão, continuidade e diversidade. Sobre continuidade, aponta para a importância de trabalhar a literatura como um processo, um movimento constante de descoberta da apreciação artística e de criação de repertório leitor. A diversidade diz respeito à multiplicidade de temas, gêneros, estilos literários e autores na hora da escolha do acervo de livros.

Já no ponto referente à progressão, considerado pela educadora o mais desafiador, o intuito é propor leituras que tirem os alunos de uma zona de conforto, apontar relações de intertextualidade e comparar obras para que, conforme o avanço da escolaridade, o aluno consiga estabelecer essas conexões sozinho. Para explicar essa questão, recorre a algumas ideias da professora e escritora espanhola Teresa Colomer. Dentre outros fatores, a progressão acontece quando há a ampliação da experiência literária, o desenvolvimento de uma consciência narrativa. 

"A gente [professor] quer que as crianças ampliem as suas experiências estéticas em relação às obras literárias, para que possam olhar o mundo de um jeito diferente. Esse progresso tem relação aos temas, aos gêneros, aos estilos literários, ao que é real e fantástico, ao humor... é tudo o que essas distintas experiências vão proporcionar às crianças", conclui a especialista em literatura e infância. 

Os motivos para elaborar projetos pedagógicos baseados em práticas literárias alternativas são muitos e, a depender do propósito de cada professor, implicará uma opção específica. Mas dois deles, de modo geral, norteiam essa decisão sobre qual a melhor prática: a busca por formação de uma comunidade leitora e, assim, retomando a urgência em envolver toda a escola e as famílias, e a criação de um sentido de apreciação da literatura nesses alunos. "A formação do leitor acontece quando há conversa sobre o livro", conclui a professora. 

Leia mais a seguir.

Foto retirada do site Pexels

 

Leitura em voz alta

Os alunos sentados em roda e o professor à frente da sala lendo em voz alta. Essa é uma prática de leitura recorrente na escola. Para que tal atividade tenha seu potencial melhor aproveitado, no entanto, é necessário que siga uma periodicidade – idealmente, que ocorra todos os dias. Assim, é possível criar um repertório diverso durante o período letivo, considerando vários autores, gêneros e temas. Apesar de ser uma prática popular, é mais frequente nos anos iniciais da vida escolar. A educadora destaca que é interessante que os mais velhos sejam envolvidos em práticas semelhantes a essa e convidados a ler com distintos propósitos, de diferentes formas. Muitas vezes, "por uma questão do tempo didático", como Érica pontua, pela necessidade de seguir um cronograma extenso em conteúdos obrigatórios e, portanto, com horários menos flexíveis, esse tipo de leitura não ocorre na sala de aula. A defesa, então, é justamente que esse tempo seja garantido e que os alunos conversem sobre as leituras e práticas escolhidas. 

 

Sessão simultânea de leitura 

Idealizada pela professora argentina Claudia Molinari, a sessão simultânea de leitura consiste em integrar a escola em um único projeto literário, sem divisão por turmas. Cada professor seleciona um livro e expõe em um cartaz a sua escolha, convidando os alunos a lerem essa obra. São as crianças que decidem qual livro irão ler e discutir. "Há uma premissa de que o professor não pode ser identificado, porque o critério de escolha das crianças precisa ser a história.” Depois dessa etapa, o que acontece é que os grupos ficam misturados. No dia da sessão simultânea de leitura, as turmas não são agrupadas por série ou idade, mas reunidas seguinndo os livros selecionados, o que faz com que cada professor trabalhe com alunos de diferentes anos. Nessa prática, já inovadora no ambiente escolar por misturar crianças de muitas faixas etárias, um ponto de destaque é o que ocorre após a leitura. Quando os alunos retornam às suas salas, cada um terá vivenciado uma leitura singular, e o compartilhamento dessas experiências ajuda a instigar o interesse por outras obras. Em alguns casos, os pais também são convidados a participar, incluindo a família na comunidade escolar leitora.

 

Roda de empréstimo de livros

A prática de levar o livro para casa, ler com a família, para, depois, voltar para a escola e discutir as histórias com os colegas também é um bom caminho para se experimentar novas formas de aproximação dos jovens leitores com o universo literário. A seleção dos livros que serão emprestados aos alunos pode ser pensada a partir de um comentário feito em sala de aula, de outras obras de um autor estudado, de um gênero específico, de projetos interdisciplinares ou, simplesmente, das impressões das crianças sobre as histórias de seus repertórios. O aluno deve ser entendido como parte participativa do processo desde o momento de escolha dos livros que serão apresentados na roda e ele levará para casa até o momento de devolução e discussão do que foi lido.  

 

Leitura compartilhada 

O que difere a leitura compartilhada da leitura feita em voz alta pelo professor é que, na primeira, cada um dos alunos têm a obra em mãos para acompanhar a atividade. A ideia de ler uma obra em conjunto, com o livro em mãos, é proporcionar ao aluno maior atenção aos detalhes, uma análise mais aprofundada. Nesse sentido, a educadora relembra uma metáfora apresentada pelo pesquisador chileno Felipe Munita, que compara a percepção dos recursos do livro com a percepção da arquitetura de uma casa. O olhar direcionado ao que acolhe o leitor, o que o faz gostar ou não da obra, verificar como a linguagem foi usada e que sentimentos ou pensamentos desperta, olhar para a ilustração e entender o seu significado e como se associa ao restante. Entender as bases e as estruturas do livro para, então, abstrair interpretações mais subjetivas. Além de, claro, dar espaço para comentários que só surgem com o contato com a obra.

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