
Que língua portuguesa é essa?
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Fundada no final de 2005 por militantes com e sem deficiência, a organização Mais Diferenças trabalha para tornar espaços como os da cultura e da educação mais inclusivos. "Na época [da fundação], o Brasil estava em um processo inicial de desenho de políticas públicas inclusivas. O país ainda tinha um olhar muito assistencialista para a causa e um marco legal que também não dialogava com a perspectiva dos direitos humanos, muitas vezes entendendo as pessoas com deficiência não como cidadãos de direitos, mas como sujeitos de assistência social", recorda Carla Mauch, coordenadora-geral da organização.
Ao contrário de outras organizações que se focam na espeficidade do público com determinado tipo de deficiência, o trabalho da Mais Diferenças tem como premissas a inclusão e o desenvolvimento de ações que considerem as demandas de todos: pessoas com diferentes tipos de deficiências e sem deficiência. Além disso, por meio de parcerias com setores público e privado e terceiro setor, assessora e desenvolve projetos, pesquisa e produz materiais acessíveis e inclusivos, ou seja, para que as pessoas com deficência possam estar em todos os espaços como qualquer cidadão com equiparação de oportunidades.
Ilustração Marcelo Tolentino
A equipe não descarta a importância dos conhecimentos específicos, úteis para lidar da melhor forma possível com cada uma das deficiências, mas segue uma visão mais abrangente em relação ao tema, a partir do conceito de "Desenho Universal". Essa ideia visa incorporar as demandas de cada uma das deficiências para pensar em produtos que atendam a todos. Assim, em uma leitura coletiva, crianças com diferentes formas de acessar a leitura podem ler o mesmo texto. Incluir de forma a não excluir ainda mais, criando produtos "especiais" para esse público.
No caso de como tornar as escolas ambientes mais acolhedores a todos, a coordenadora Guacyara Labonia Guerreiro comenta a necessidade de "pensar em um currículo único, amplo e aberto, em que caibam todas as crianças, com deficiência, sem deficiência, imigrantes e tantas outras que estão lá". Uma estratégia da organização é incidir em diversas frentes relacionadas ao direito à educação e à cultura para que esses assuntos sejam colocados em pauta. Criar redes para agir em conjunto é imprescindível. Considerar a complexidade da formação de leitores no contexto sociocultural brasileiro também, mas, acima de tudo, pautar a literatura como direito, assim como tanto reafirmou em vida o crítico literário Antonio Candido.
"Como você forma um leitor com surdez, que tem como sua primeira língua a Libras (Língua Brasileira de Sinais), que não é uma língua escrita? Como você diz que ele tem direito à literatura, se existe uma baixa oferta de livros em sua língua?", Carla questiona. O desafio é claro. A partir de financiamento público, a Mais Diferenças tem produzido livros audiovisuais gratuitos – os materiais podem ser acessados aqui. Por meio da incidência política e participação de redes, também trabalha para que as políticas públicas voltadas à acessibilidade, em certa medida já fortalecidas em alguns municípios brasileiros, se expandam ainda mais, ampliando o acesso a uma programação cultural acessível, com exposições, filmes, peças e apresentações de dança, por exemplo.
Dois pontos-chave para a inclusão de pessoas com deficiência na sociedade são a educação e a cultura, pontos de convivência e criação de repertório que moldam o ser humano. Nesse sentido, há todo um trabalho simbólico para que essas pessoas reconheçam na literatura (ou em outras linguagens artísticas) um lugar de pertencimento, de encontro com a própria potência. "Nós não conseguimos entender um mundo onde a cultura e a educação não sejam um direito de todos. Tirar o direito à educação e à cultura é tirar o direito a ser cidadão", completa a coordenadora-geral da organização.
Para conhecer outras iniciativas inclusivas, leia mais a seguir.
O Slam do Corpo foi criado em 2014 pelo grupo Corposinalizante em parceria com o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos (criador em 2008 do ZAP! Slam, intitulado primeiro slam do Brasil) e o poeta Daniel Minchoni (idealizador do Sarau do Burro e Menor Slam do Mundo). Assim como o próprio Corposinalizante, que integra surdos e ouvintes em suas pesquisas e projetos culturais, o Slam do Corpo parte dessa mesma premissa. "O que o poeta ouvinte precisa saber sobre o poeta surdo e o que o poeta surdo precisa saber sobre o poeta ouvinte para que aconteça um 'beijo de línguas'?": é a pergunta que orienta os encontros do grupo. A partir de diferentes perspectivas da realidade, o Slam experimenta performances poéticas em uma composição entre a língua portuguesa e a língua de sinais. Divididos em duplas, os poetas apresentam poemas nas duas línguas simultaneamente, o que permite que elas se entrecruzem ou então se diferenciem, afirmando a própria gramática. É justamente nesse espaço-tempo de encontros e distâncias que acontece o que o grupo chama de "beijo de línguas".
Iniciado em agosto de 2018, no Sesc Paulista, o clube do livro LiteraSurda se propõe a ser um espaço aberto a todos os públicos para o compartilhamento de experiências e de fomento à discussão da literatura. Organizado pelas arte-educadoras Sylvia Sato e Erika Mota e mediado por Leonardo Castilho, a cada encontro o clube promove conversas com artistas, poetas e escritores surdos para que contem sobre suas produções. A ideia surgiu depois de uma provocação de Castilho, que trouxe a experiência do que é ser surdo no Brasil e se perceber estrangeiro no próprio país, sempre baseando o consumo cultural de acordo com as programações que têm intérprete. Assim, o LiteraSurda é criado como "forma de reverter a ideia de acessibilidade, de pensar a acessibilidade para pessoas ouvintes que não dominam essa língua [Libras], que é a segunda língua oficial do país” como explica Sylvia em entrevista ao Estadão.
Foto: Gean Carlo Seno/Sesc
Carolina Hessel, professora da disciplina de Língua Brasileira de Sinais (Libras) na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), criou em 2017 o blog Mãos Aventureiras. Com o auxílio de Natália, a boneca de feltro que nasceu na véspera de Natal, Carolina conta histórias de assuntos variados em Libras. Com a infinidade de temas e formatos das produções literárias infantis da atualidade, aventurar-se por diversos mundos imaginários é a melhor maneira de enriquecer pensamentos e sentimentos. Sobre suas motivações para tocar o projeto, ela comenta ao Núcleo de Inclusão e Acessibilidade da UFRGS: “Meu desejo é atingir o público de escolas de surdos/ouvintes, para que essas boas histórias sejam conhecidas. A internet é uma maneira barata e fácil de dar acesso para todos. Quero preencher essa lacuna para as crianças surdas e também enriquecer o acervo de histórias sinalizadas na internet”.
Idealizada a partir do Projeto de Extensão A Hora do Conto, desenvolvido desde 2013 na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás (UFG), a Bibliolibras reúne clássicos da literatura infantil em formato acessível para surdos e deficientes visuais. Em um primeiro momento, o projeto, circunscrito à ação pontual dos alunos do curso de Letras em um colégio estadual, interessou à Fundação TV UFG, que passou a produzir o conteúdo audiovisual. Seguindo a mesma proposta do que acontecia presencialmente – familiarizar as crianças cegas e surdas aos contos populares, como os dos irmãos Grimm –, os textos foram registrados em vídeo. Hoje, essa biblioteca bilíngue é mantida graças ao apoio cultural do estado, por meio do Fundo de Arte e Cultura de Goiás. Além de despertar o interesse de crianças para o universo literário, a iniciativa também é inclusiva por disponibilizar os livros ao público em geral e, dessa forma, contribuir como ferramenta complementar para as crianças ouvintes que estão aprendendo Libras.
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Livro icônico do autor estadunidense Eric Carle agora chega pela Companhia das Letrinhas, com tradução do autor e pesquisador Renato Moriconi. Outros livros de Carle inéditos no Brasil também estão chegando!