HQ bem humorada, colorida, premiada e irreverente para os (pequenos) grandes curiosos

26/06/2019
Pequenas histórias para grandes curiosos é daqueles livros que a gente começa a ler já pela quarta capa (abaixo). Logo que esta obra se abre, uma ilustração em página dupla, divertida, irreverente, colorida e ligeiramente nonsense dá boas vindas ao leitor. É preciso -- e necessário e engraçado e prazeroso - deter-se nela por um tempo. Todo um universo mágico, lúdico e imaginativo é revelado. Um urso pensa num peixe. Crianças, gatos, passarinhos e uma árvore estão de máscaras, dotadas com grandes narizes pontiagudos. Venta muito e, em meio a folhas voadoras e a um enorme elefante cor-de-rosa,  formigas, caracóis e lagartas, pequeníssimos, seguem suas marchas, lentas, ao rés do chão. Detenha-se em cada pedacinho. Porque cada um deles dá pistas para as 19 histórias que se seguem. Antes de chegar às narrativas, dê-se o tempo de parar no sumário, onde um coelho aviador veloz pilota um avião feito de cenouras, puxando uma faixa a anunciar o título daquela página (abaixo). E saiba: não se trata apenas de um livro ilustrado, mas de um livro ilustrado em linguagem de HQ: quadrinhos, tirinhas, balões, diálogos e imagens, muitas imagens dando movimento e evidenciando acontecimentos.  

HQs ou histórias em quadrinhos são um gênero narrativo bastante popular, em que os fatos são narrados em uma sequência de quadrinhos, que contém, cada um deles, texto e imagem completando-se mutuamente

  No primeiro texto, chamado Quando eu fecho os olhos, uma menina convida um adolescente a descobrir o que ela vê quando está de olhos fechados. "Isso é impossível", diz ele. Será? O balão-narrativa deixa o texto de fora e explode, literalmente para a página seguinte, com imagens (valem mais que mil palavras?)  que mostram o colorido e a força da imaginação da garota. Poesia pouca é bobagem. E não parece ser à toa que justo essa HQ abre a sequência de pequenas narrativas. Esse olhar questionador, inventivo e subversivo das crianças, que veem onde a vista não enxerga, é o que conduz todas as histórias. Nas HQs que se seguem, há gêmeos invisíveis e uma turma tentando escapar à chamada oral da professora; há gatos e suas manias explicados pelo olhar das crianças; há uma lesma-monstro, minhocas controladas por comandos, corrida de caracóis e os bastidores de suas vidas secretas. Nesse universo, a realidade ganha as tintas e as possibilidades da imaginação infantil com um toque de autoironia do mundo adulto. Assim, por exemplo, há espaço para árvores filosofarem, tubarões serem irônicos, mães ganharem superpoderes assustadores aos olhos dos filhos -- e absolutamente engraçados aos olhos delas. Nas páginas dessas HQs, o mundo adulto ora se confirma ora é desafiado pelo olhar investigador e instigante dos grandes curiosos do título. Tudo isso com um toque de nonsense e de irreverência. Para ilustrar: numa das histórias, uma menina que brincava fazendo caretas sofre um "golpe de vento" e fica assim para sempre. Um bocado nonsense, não? Mas quem de nós nunca ouviu uma história-alerta similar da mãe, da tia, do avô? Numa outra, todas as falas tradicionalmente ditas por nós, adultos, para incentivar as crianças a comer frutas ou para que elas não tenham medo de injeção ou de monstros, todas essas falas são desditas pelos fatos narrados pela história. Com um ápice hilário de arrancar gargalhadas de pequenos e grandes. Essa tira tem o curioso título de Mentiras que minha mãe me contou. E quando as crianças assumem o ponto de vista da "realidade" dos adultos, sem fantasia alguma, as próprias crianças são - parece -  desafiadas pela autora, a canadense premiadíssima Marie-Louise Gay, que dá um desfecho diferente e bem menos "realista" para suas personagens, como no conto que fecha o livro e mostra duas crianças debatendo sobre o que há na toca dos coelhos. Quando ambos decidem que não há nada além de terra, afinal, o que mais haveria?, Marie-Louise faz isso:

Desse modo, o ponto de vista das crianças e a fantasia o tempo todo a brincar com a realidade e com o que nós, adultos, dizemos que é "real" conduzem as narrativas, invertendo a lógica, causando estranhamento, fazendo pensar e divertindo. Lápis coloridos, aquarela e cores vibrantes da Marie-Louise Gay são características também dessa obra, que inova na linguagem, apresentando o universo  da HQ para os pequenos -- grandes -- curiosos.

Não à toa, o livro foi premiado com o selo Altamente Recomendável de 2019

  O selo é concedido pela FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil) aos livros que ela considera os melhores publicados no ano anterior. Indicado para crianças a partir de dois anos, a obra com certeza alcança leitores mais grandinhos, que vão se interessar não apenas pelo humor peculiar da temática de Marie-Louise, premiada e conhecidíssima em seu país natal por sua vasta produção para crianças, mas também pela letra bastão e por ser uma HQ, que anima particularmente os pequenos que estejam ganhando autonomia leitora. >>Marie-Louise Gay publicou outros oito livros no Brasil, todos pela Brinque-Book. Conheça alguns deles aqui ao lado (nos livros indicados na página) e todas as obras clicando aqui. E se você já leu esse livro, conta para a gente como foi sua aventura pelo universo dessas pequenas histórias.
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