A menina que queria ir para a escola (e inspira tantas outras)

30/09/2019

 

“A história de Malala por si só já é fonte de inspiração. A empatia pela humanidade, o amor, a coragem sempre me tocam profundamente.” Ao idealizar a peça Malala, a menina que queria ir para a escola, Tatiana Quadros buscou não apenas retratar a história da jovem ativista conhecida pela defesa dos direitos das mulheres e do acesso à educação no nordeste do Paquistão, mas também discutir temas paralelos à educação e à igualdade de gênero, como o direito à infância e à juventude, a liberdade religiosa e de expressão e o protagonismo infantojuvenil.

Em sua primeira temporada em São Paulo, o espetáculo, inspirado no livro de Adriana Carranca, já atingiu mais de 25 mil espectadores ao circular por cidades como Rio, Curitiba, Uberlândia e Vitória e conta nomes de destaque na produção: sua trilha sonora possui canções originais de Adriana Calcanhotto, e o figurino foi criado pelo autor e dramaturgo Flavio de Souza, responsável por séries como Mundo da lua e Castelo Rá-Tim-Bum.

 

Foto: Flávia Canavarro

 

A grande inspiração é o trabalho da jornalista Adriana Carranca, autora do livro infantojuvenil que serviu de base para a construção da obra teatral. Adriana foi ao Paquistão dias depois do atentado à vida de Malala por membros do Talibã, após a ativista defender o direito de meninas à educação em sua cidade natal, no Vale do Swat. Vestida como as mulheres pasquitanesas, investigou a história de Malala pelas ruas da cidade, conheceu as amigas da protagonista, sua escola e até mesmo a casa onde morava. Tudo foi registrado no livro-reportagem, atualmente uma das obras selecionadas pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

Para transpor essa narrativa jornalística para os palcos do teatro, Tatiana mergulhou no encantamento que nutriu pelo livro, considerando uma adaptação fiel. “Fiquei encantada pelo fato de ser um livro-reportagem para crianças e escrito por Adriana Carranca, uma jornalista por quem nutro grande admiração. Devorei o livro e, no dia seguinte, conversei com Adriana sobre o desejo de adaptar a história para teatro”, lembra a idealizadora.

Para ela, a história de Malala é universal, mesmo com todas as suas especificidades culturais. “O ponto de interseção entre a história de Malala e a de milhares de crianças brasileiras é a violência a que estão sujeitas em razão do escasso acesso à educação”, explica, comentando em entrevista as razões pelas quais as crianças brasileiras são cativadas pelo espetáculo. Leia mais a seguir.

 

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Poderia contar um pouco como foi o processo de elaboração da peça?

Tatiana Quadros – A idealização da peça começou na primeira leitura do livro. Fiquei encantada pelo fato de ser um livro-reportagem para crianças e escrito por Adriana Carranca, uma jornalista por quem nutro grande admiração. Devorei o livro e, no dia seguinte, conversei com Adriana sobre o desejo de adaptar a história para teatro. Convidei o Renato Carrera, diretor do espetáculo, para embarcar comigo nessa jornada e, depois de três anos, conseguimos estrear. Um dos maiores desafios (além da captação de recursos) foi adaptar a linguagem literária e jornalística para o teatro. Nesse sentido, o dramaturgo Rafael Souza-Ribeiro foi bastante sensível, e o resultado é uma adaptação fiel ao livro e, ao mesmo tempo muito dinâmica, lúdica e divertida.

Antes dos ensaios práticos, nos reuníamos periodicamente para assistir a filmes, trocar informações e percepções sobre o livro e sobre a cultura paquistanesa. E também para sonharmos juntos, uma vez que esses encontros começaram antes mesmo da captação de patrocínio, mas foram decisivos para a sintonia e a afinidade do grupo de criação e elenco. Foram três meses intensos de ensaios diários e, nesse processo, a dramaturgia foi sendo construída em sala de ensaio. O Renato, diretor, trabalha com uma escuta atenta das propostas dos atores. Então a construção da dramaturgia e das cenas foi bastante inspirada no que o coletivo de atores improvisava (a partir do livro e de indicações do Renato). Já as canções encomendadas para a Adriana Calcanhotto tinham temas específicos de cenas que já estavam construídas, entretanto a composição foi bem livre. E foi um golaço. A cada canção que ela nos enviava nos emocionávamos profundamente com tamanha sensibilidade e capacidade de traduzir o que queríamos dizer, mesmo à distância e sem presenciar os ensaios.

 

Como o livro te tocou e te inspirou?

Tatiana Quadros – A história de Malala por si só já é fonte de inspiração. O livro da Adriana tem esse lugar da busca, do desejo de compreensão acerca dos caminhos que levaram Malala a ser quem ela é, e não necessariamente uma busca pela Nobel da Paz. Mas pela menina que enfrentou um sistema de opressão junto à sua família em benefício de milhares de outras pessoas. A empatia pela humanidade, o amor, a coragem sempre me tocam profundamente.

 

Quais foram suas outras inspirações e referências?

Tatiana Quadros – Discutir temas que considero primordiais para a sociedade, como educação, igualdade de gênero, direito à infância e à juventude, liberdade de expressão, liberdade religiosa, protagonismo infantojuvenil. Há alguns anos me voltei para trabalhos que têm como pilar a defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes em situação de vulnerabilidade. Esta certamente foi minha maior fonte de inspiração.

 

Como você considera que essa história pode cativar as crianças (e também os adultos) aqui no Brasil?

Tatiana Quadros – A história de Malala é universal, mesmo tendo a singularidade de se passar em uma região remota do Paquistão, com uma cultura bastante distinta da nossa. O ponto de intersecção entre a história de Malala e de milhares de crianças brasileiras é a violência a que estão sujeitas em razão do escasso acesso à educação.

Os talibãs foram crianças muito pobres retiradas de seus pais e levadas para madrassas [internatos religiosos], onde recebiam treinamento de guerra desde muito pequenos, e uma visão radical do Alcorão. Eles não receberam educação formal e foram privados de acesso à arte, à literatura e, em sua maioria, são analfabetos. No Brasil, milhares de crianças em situação de vulnerabilidade são cooptadas pelo tráfico de drogas desde muito cedo. Sendo-lhes negado o direito à infância, à segurança, à educação. No Paquistão, o grupo extremista Talibã bombardeou milhares de escolas negando o direito básico das crianças à educação. No Brasil, escolas são atingidas por balas trocadas entre policiais e traficantes, e há guerras constantes em comunidades onde as crianças não podem sequer sair de casa para ir à escola.

As crianças brasileiras são cativadas pelo espetáculo porque independentemente de sua classe social e das experiências vividas, elas entendem que o protagonismo que elas podem exercer para mudar o mundo reside na garantia dos seus direitos, na garantia de que sejam ouvidas e que possam articular seu pensamento a partir do aprendizado, a partir da liberdade e da proteção da sociedade. Há quem diga que nosso espetáculo é para todas as idades, que não deveria ter classificação, pois ele atinge de forma genuína a todas as classes e faixas etárias. Há alguns dias em que a plateia está repleta de adultos sem crianças. Muitos adultos vêm até nós após o espetáculo e relatam o quanto foram impactados e que a peça é uma lição para a vida.

 

 

***A menina que queria ir para a escola (e inspira tantas outras)

 

Malala, a menina que queria ir para a escola

 

Onde: Teatro Procópio Ferreira (r. Augusta, 2.823, Cerqueira César)

Quando: sábados e domingos, às 15h ; até 27 de outubro

Quanto: R$ 90 (inteira), R$ 45 (meia-entrada)

Classificação etária: livre

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