Diversidade de olhares e pontos de vista precisa prevalecer em sala de aula

13/11/2019
Em resumo Diversidade é uma das marcas humanas e da vida; quanto mais rico um ambiente, mais ganhamos todos em aprendizagens emocionais, físicas, intelectuais e sociais; a arte está aí para isso! Vivemos em um mundo diverso, somos pura diversidade. O diferente às vezes encanta, às vezes assusta. Estamos passando por um momento coletivo em que o que não é espelho está mais assustando do que encantando. Esse sentimento de medo diante do que não se conhece tem se espraiado rapidamente para muitas áreas, incluindo a escola, as artes, a literatura infantil. São muitos os relatos -- e as notícias -- de obras infantis sendo "proibidas" em escolas por desagradarem a um grupo de pais. Há diversos vídeos circulando nas redes sociais com leitores atacando autores e livros por supostamente serem "perigosos". O Blog da Brinque conversou com a educadora e consultora literária Celinha do Nascimento sobre esse delicado tema. Leia abaixo os principais trechos dessa conversa.

As crianças são sortudas quando conhecem um mundo sortido

  Qual é a importância da diversidade de temas e olhares – nos livros, nas artes, na informação, nas relações, etc – para a formação das crianças? Diversidade é a marca de nosso planeta, de nossa humanidade e, portanto, de nossa sociedade. Diversidade que está nos vegetais, nos minerais, nos ecossistemas, nos povos, nos tipos físicos, nas línguas faladas. Veja que existe uma reinvindicação histórica, por exemplo, para não chamarmos [as populações originárias de] índios, mas [de] bororós, guaranis, tupinambás. Viva as diferenças, sempre! Essa diversidade não só marca, mas organiza e garante nossa sobrevivência, nossa alegria e nosso tentativa de vida democrática e fraterna. Porque é preciso, também, entender, acatar e conviver com a diferença. Essa diferença, que é natural, é social e artística, esportiva, política, religiosa. Ela está presente em toda e qualquer instância da vida. Não é possível imaginar que vivamos com 7 bilhões de pessoas com pensamentos iguais. “'O mundo é sortido'”, escreveu Manoel de Barros. As crianças merecem conhecer essa diversidade. As crianças são sortudas quando conhecem um mundo sortido, digo eu". Temos percebido alguns movimentos que demonstram um certo medo desse diferente...

Manu e Mila, de André Neves (texto e ilustração): diferentes entre si, aprenderam um com o outro

O que está assustando ultimamente é a fúria com a qual a censura vem acontecendo. Não se trata de não gostar do diferente, mas de expor, caluniar, ofender, tratar aos gritos com aquilo de que não gosto. Em 2005, tivemos uma questão na escola onde eu trabalhava. O grupo de professores se dividiu sobre um livro: metade gostou e a outra metade não gostou da obra, inclusive não a indicaria para os alunos. Não vivíamos nenhum momento de censura e também não o censuramos, apenas tínhamos olhares muito distintos sobre a obra. Fizemos dois debates quentíssimos com todo o grupo de professores. Foi incrível. Esse movimento é maravilhoso. Discutimos muito, alguns mudaram de lado, outros se fincaram ainda no seu lado. Mas é assim que caminhamos. É assim que somos cada vez mais humanos: ou seja, entendemos a humanidade cada vez melhor. Obras de arte são abertas, são passíveis de leituras distintas, são portas abertas para as mais variadas interpretações. O medo do diferente já ceifou milhões de vida, não pode ceifar mais. Quais são os perigos de a arte- de literatura à cinema, passando por desenhos, HQs, músicas ser impedida de circular livremente e-ou ser tomada ao pé da letra, como se não fosse, muitas vezes, uma metáfora? O perigo é que se diminui o olhar e a compreensão que se tem de quem pensa diferente de você. Então não aprendemos a conviver, mas a viver isoladamente apenas com nossas impressões, nossas ideias, nossa visões de mundo. Que tamanho terá nosso olhar nesse modo de viver? Que tamanho terá nossa sensibilidade?

Se as crianças crescem com a ideia de que só existe um jeito de viver e de pensar, isso reduz drasticamente sua empatia e até mesmo sua intelectualidade

  Uma boa parte da questão da censura nasce do próprio desconhecimento do que seja arte. Arte é retrato da vida, mas é também um retrato do que é e não é. É possibilidade e hipótese e pode ser raio x. Quanto mais se entende de arte,  literatura, mais se pode compreender seu dinamismo e sua circulação. O perigo [da censura] é que diminuímos nosso olhar sobre a humanidade. E se a proibição se dá de maneira violenta, fomenta-se assim a violência das relações. O que é caminho aberto para situações ainda mais barbarizadas. Reside neste medo [do diferente, por trás desses casos de pedidos de censura], uma ideia antiga e que deveria ter sido banida de vez, de que as crianças e mesmo jovens e adultos se tornam aquilo que assistem ou lêem. Isso não é verdade. Evidente que tudo aquilo que temos contatos, se torna parte de nosso pensamento, de nosso olhar para o mundo. Caso contrário, não valeria de nada [ler, ver uma obra, assistir a uma filme]. E de todo modo, os leitores, mesmo pequenos, têm capacidade de discernir. A gente frui uma obra sempre em diálogo com o que somos e sentimos, não como se a obra fosse a verdade absoluta...

Pio, o passarinho: só existe o diálogo nessa história em que o pássaro aprende a falar todas as línguas

Acreditar que a influência se dá num nível perigoso e total é pensar que leitores e demais expectadores de arte em geral não possuem nenhuma capacidade de discernir, de refletir. [E é o contrário] Justamente a diversidade de temas é que torna possível se fazer escolhas. Reafirmo e acredito fortemente: quanto mais se conhece arte, menos se tem medo dela. Estamos o tempo todo falando de um mundo que se torna cada vez menor, mais raso, com menos possibilidades. Esse é o grande perigo. Se as crianças crescem com a firme ideia de que só existe um jeito de viver e de pensar, isso reduz drasticamente sua empatia e até mesmo sua intelectualidade. O “outro” não pode ser um perigo para mim, mas uma possibilidade. Qual é a diferença entre espaço público e privado na educação das crianças? Os pais podem escolher o que lêem para os filhos em casa mas podem – devem escolher o que a escola ou um projeto literário apresenta? Pergunta difícil. Público e privado estão cada mais vez emaranhados, confusos, causando uma confusão um tanto inédita. Pais precisam se aproximar da vida escolar dos filhos. Essa é uma luta, inclusive das escolas. Mas esta participação precisa ser qualificada. O professor, a equipe pedagógica sabem o que estão propondo. Os pais podem não gostar, relativizar, questionar, mas é a equipe pedagógica que está no comando da escola.

O “outro” não pode ser um perigo para mim, mas uma possibilidade.

  Certamente as escolhas feitas estão a serviço de uma ideia de currículo. Então, todas as questões precisam estar antenadas com o propósito curricular, mas muitos pais misturam estas instâncias e reclamam tendo em vista seus conceitos e preconceitos. Algumas vezes o que os pais desejam é um certo cuidado por acreditarem que as crianças não estão prontas para certas leituras. Algumas vezes não é censura, mas preocupação com a maturidade. Professores também sabem dessa questão, que é verdadeira. Nem todos alunos de uma certa turma estão na mesma sintonia e algumas leituras podem se configurar difíceis mesmo. Dificuldade de forma e conteúdo. Fazer esta diferença entre censura, proibição e preconceito e cuidados com a maturidade é muito importante, pois afirma o fazer pedagógico e não desconsidera o processo de cada aluno. Daí que afirmo que só o diálogo que ajuda e resolve. Algumas obras também podem suscitar mesmo um olhar mais cuidadoso do adulto, não? É verdade que algumas obras precisam cuidados. Vejamos o caso tão discutido da obra de Monteiro Lobato.

Pequenas histórias para grandes curiosos, de Marie-Louise Gay (texto e ilustrações): o mundo é diverso

Estão sendo muito bem-vindas as notas de rodapé nas edições atuais, mostrando que as formas de se referenciar com a comunidade negra mudou muito da época Lobatiana até os dias de hoje. Falar “negra beiçuda” ou “trepar como um macaco” não são mais permitidos. Que bom!

Só existe o caminho do diálogo

  Isso não quer dizer que vou proibir a obra maravilhosa de Lobato, mas vou ensinar as gerações futuras que a vida em sociedade sofre mudanças e transformações e que precisa ser entendida. Essa conversa só ajuda! Só traz ganhos. E como os professores podem lidar com essa pressão, que parece crescente? Sim, a pressão está cada vez maior. Só existe o caminho do diálogo. No limite, os pais têm a liberdade de trocar seus filhos de escola. Sei que é drástico dizer isso, mas é um fato. Se os pais acreditam que a escola está tomando decisões que prejudicam seus filhos, não tem como mantê-los na unidade escolar, seria um contrassenso. Mas penso que esse é um fim de diálogo, quando tudo se torna impossível. Outra questão é do fortalecimento do coletivo da escola. O currículo e o projeto político pedagógico da escola precisam estar muito alinhados e fortalecidos, com respostas firmes e tendo como objetivo a formação do aluno como cidadão que sabe usar o conhecimento na vida cotidiana e que terá acesso a tudo que a humanidade produziu.

Outra questão é do fortalecimento do coletivo da escola.

  Pais e escola são parceiros na formação das crianças. Cada um sabendo sua parte nesta parceria.  Se o coletivo não está firme, a possibilidade de expor profissionais fica mais forte e mais perigosa. Como as escolas estão lidando com esse tema?  As escolas estão conversando. Ganhando e perdendo tais pelejas. O sucesso é a firmeza das escolhas. Quando a escola sabe exatamente porque escolheu tal obra, tal leitura, a conversa vai melhor.

Nhac!, de Carolina Rabei: juntos é melhor, mesmo se diferentes; a vida é diversa e coletiva

Isso não quer dizer que não surjam conflitos. Se a obra escolhida traz algum tema mais difícil, alguma maneira de lidar com a realidade ou tema mais espinhoso, os conflitos podem surgir. Uma dica boa é apresentar o currículo e as obras escolhidas para os pais nas reuniões de pais. Antecipar é sempre melhor. Novamente digo que ainda assim podem surgir conflitos.

Essa diferença, que é natural, é social e artística, esportiva, política, religiosa

  Quando se tratar de censura assim entendida, de uma incompreensão absoluta pela escolha de uma obra, escola e família devem estudar juntos e verificar o que o aluno estará perdendo se deixar de fazer a leitura, perda no sentido de conteúdo curricular.      
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