Era 2015. Carol Padilha trabalhava como professora e, morando perto da escola, ia e vinha todos os dias a pé.
No caminho, encontrava algumas crianças fazendo o mesmo trajeto que ela, cada qual com o adulto cuidador, mas sem a companhia uma da outra.
Ela passava por uma casa, saía uma mãe. Um pouquinho mais à frente, uma babá... "Isso começou a me inquietar", lembra. "Estávamos todos indo para o mesmo lugar".
Deu uma olhada no endereço de algumas das famílias e descobriu que havia muito mais crianças morando nos arredores da escola do que aquelas que ela via diariamente.
"Como será que todos eles vão à escola?", começou a se perguntar.
Foi então que Carol teve uma ideia: conversou com uma mãe que ela conhecia e que ia a pé para a escola e propôs criarem um grupo piloto de famílias cujas crianças fossem caminhando, cada dia "de carona" com um ou mais adultos.
Foi assim que surgiu a ideia para o
Carona a pé - Caminhando juntos até a escola, que ajuda famílias e escolas a organizarem grupos e rotas para fazer um ir e vir andando até a escola.
[embed]https://www.facebook.com/caronaape/videos/794948350608669/[/embed]
O piloto foi um sucesso. Tanto que virou assunto entre os alunos todos -- mesmo entre os que ainda não faziam parte desse grupo inicial -- e a escola resolveu compartilhar a experiência com as crianças em uma assembléia.
Dessa conversa, surgiram muitas ideias, vindas das próprias crianças. Ideias que até hoje fazem parte do projeto e dos pilares e regras que orientam as caronas.
A partir desse interesse, outros pais foram se juntando ao grupo, a escola encampou a ideia, e Carol foi organizando a experiência original com essas novas experiências.
Por exemplo, conta ela: "um aluno queria participar, mas morava longe. Ao manifestar sua frustração numa conversa coletiva, ouviu uma ideia de outra criança: 'e se você vier de carro até a casa de um colega que participa e, desse ponto em diante, fazer o trajeto a pé?'".
Essa sugestão inspirou o grupo, que criou pontos de encontro, para que mesmo quem morasse mais longe pudesse participar das idas a pé para a escola.
As crianças amaram, claro! "Não tinha um dia em que não chegassem na escola contando alguma coisa incrível que tinham visto ou feito", lembra Carol.
A ideia cresceu e, hoje, Carol e sua sócia criaram um empresa, que implementa o Carona a pé em qualquer escola que deseje.
O processo é simples: basta ter o desejo. O Carona a pé visita a escola, conversa com a comunidade escolar, checa interesses e endereços, realiza os processos formativos e os primeiros trajetos.
"Nossa missão é formativa. Formamos pessoas nas escolas que possam continuar gerindo o projeto com as famílias novas que forem chegando", conta ela.
Elas atuam em escolas públicas e privadas em São Paulo, vão implementar em 15 escolas municipais em Sorocaba -- SP -- e também atendem escolas municipais em Belo Horizonte -- MG.
Cada grupo e roteiro define a quantidade de crianças e de adultos por grupo. Carol conta que tem adultos que levam até seis crianças. E tem outros grupos em que há menos crianças ou mais adultos, a depender das necessidades de cada um.
O roteiro -- e o grupo -- é definido pelos endereços e pelos trajetos de quem deseja fazer parte. Aí combinam horários, pontos de encontros e recebem, do Carona a pé, os kits, como os coletes de identificação.
"Os pais podem combinar e revezar a carona. Ao invés de um adulto responsável apenas, podem ser vários, um por dia", comenta Carol.
O que a Carona a pé ensina?
Para as crianças, andar a pé é um ganho imenso: experiência cidadã, comunidade, conhecimento.
"Quando falamos em caminhar pela cidade, as pessoas costumam pensar em
resgate. Mas, para essas crianças, não é resgate, elas estão fazendo isso pela primeira vez!", ressalta Carol.
Experiência cidadã
Andar pela rua significa conhecer o bairro, ocupar os equipamentos públicos e avaliação-los.
Em que estado de conservação estão as calçadas, por exemplo? Nesse bairro temos uma biblioteca pública? Uma praça? Ruas arborizadas?
É também uma ótima forma de começar a compreender os códigos do espaço público, especialmente aqueles que estão ligados à segurança.
O que são os semáforos? Qual é a cor em que podemos atravessar? E para quê serve a faixa de pedestre?
Comunidade
Carol conta também sobre as amizades que as crianças vão fazendo entre si, ao conviver diariamente -- e livremente, fora do ambiente institucional da escola -- com outros pequenos, de faixas etárias diferentes, inclusive.
Nos lugares onde tem
Carona a pé, a faixa etária varia de bebês a crianças já bem maiores, no Fundamental I.
Além do convívio com outras crianças e com o adultos responsável, os caminhantes vão conhecendo também os vizinhos e comerciantes do bairro.
É comum ter aquele dono de loja que facilita o uso do banheiro no caminho, ou quem pare para falar com as crianças. "Ninguém fica indiferente a uma turma de crianças andando juntas pela rua", diz Carol.
Tem até a história de um menino que, para comprar figurinhas, faz questão de ir até a banca do "seu Osmar", que ele conheceu das idas e vindas na escola.
"A mãe contou para a gente que ele só vai nessa banca porque diz que o Osmar é amigo e sabe todos os gostos dele, fala bom dia, cumprimenta".
Nas cidades grandes, em geral, vivemos isolados. Mas precisamos desse senso e comunidade, especialmente as crianças. Andar a pé e com algum vagar nos ajuda a reparar mais nas pessoas que nos cercam.
Conhecimento e aprendizagem
Como se isso tudo fosse pouco, as crianças aprendem também sobre si, sobre o mundo e muitos conteúdos que vão ver na escola.
Quer um exemplo? Equilíbrio e coordenação motora! Ao subir e pular de um murinho, ao desviar de uma raiz de árvore, ao brincar de andar sempre sobre determinada linha ou cor do calçamento...
Quem já deu um passeio com as crianças pelas ruas, sabe que elas exploram todas as possibilidades físicas do caminho, seguindo intuitivamente as necessidades que o corpo demonstra.
"Carona a pé é um processo de aprendizagem, um processo formativo. Adolescentes que começara pequenos com a gente hoje vão a pé, juntos, ocupando a cidade e conscientes e responsáveis", comemora.
No mapa e na matemática
Mesmo a definição do trajeto e das rotas é um processo e tanto de aprendizagem, conta Carol. As crianças ajudam e se debruçam sobre o mapa do bairro, aprendem sobre ruas e noções de geometria e matemática, por exemplo, conceitos implícitos na localização espacial.
Como curiosas e observadoras que são, as crianças acabam aproveitando o caminho para observar e explorar tudo o que encontram. Carol conta que uma delas descobriu, por exemplo, que de um lado da rua ficavam os números pares e, de outro, os ímpares.
Só observando o trajeto dia após dia.
Natureza e saúde
Estar no meio ambiente, caminhando nas ruas, se exercitando, reparando em folhas e árvores, nas irregularidades do caminho, nos momentos de andar mais rápido ou mais devagar, isso já beneficia -- e muito -- a saúde das crianças e do planeta.
De um lado, as crianças evitam a obesidade infantil, umas das piores epidemias do nosso tempo. O sol ajuda a fixar o cálcio e a vitamina D no organismo e ainda pode beneficiar os olhos:
Carol conta que, dia desses, uma mãe que é oftalmologista compartilhou com ela a informação de que apenas 30 minutos de sol por dia já são suficientes para reduzir as chances de desenvolver miopia.
Para os dias em que chove, o Carona a pé recomenda um kit especial com galochas e capa de chuva. "As crianças todas chegam nas escolas contando sobre as poças em que pularam. É um acontecimento".
De outro lado, deixar o carro em casa nesse trajeto significa reduzir as emissões de CO2 equivalentes a nada menos que duas árvores por ano!
As naturezas -- a nossa e do planeta -- ficam gratas!